"Certamente Deus esmagará a cabeça dos seus inimigos, o crânio cabeludo dos que persistem em seus pecados.


Livro Dos Salmos: Antigo Testamento



IGREJA DE GATLIN



Annie Leigh esta sentada no banco da praça entre Linda Harris e Rob Soul em frente á igreja. A professora olha de um jovem para o outro, sem saber o que dizer. Parte dela queria ser a mais ríspida possível com, por eles terem agido com tamanha irresponsabilidade. Por outro lado, Annie conseguia sentir o medo e a confusão daqueles dois adolescentes No final das contas, não passavam de duas crianças que agora teriam que cuidar de uma terceira.

ANNIE

Deixem-me ver se eu entendi. O plano era contar ao padre Horton no confessionário sobre a gravidez de Linda, para que então ele ajudasse a contar para os pais de vocês?

LINDA

A gente... Não sabia mais o que fazer. (Diz envergonhada).

ANNIE

Então acharam que seria uma boa ideia protelar o que tinham que contar aos seus pais através do segredo de confissão?!

ROB

Não íamos protelar nada. A gente só tava querendo ajuda!

ANNIE

Bom, agora vocês têm (Diz com um pequeno sorriso).

A professora levanta-se do banco, sendo observada pelos dois jovens surpresos.

LINDA

Vai ajudar a gente?

ANNIE

Claro que vou. Mas nós vamos agir rápido. Não podemos deixar isso pra depois. Quanto mais tempo demorarmos pra levar isso pra família de vocês, pior vai ser.

ROB

A senhora... Vai contar?

ANNIE

Eu não. Vocês vão contar.

ROB

Nós vamos. Mas... na hora certa.

ANNIE

Não existe uma hora certa pra contar uma coisa destas, Rob.

ROB

Mas... E se ela não estiver grávida? Íamos criar problemas á toa.

ANNIE

Pelo que ouvi, acho pouco provável que não esteja.

Subitamente, Linda levanta-se do banco.

LINDA

Vocês querem parar de falar como se eu não estivesse aqui?! É da minha vida que nós estamos falando. Da minha e do meu filho (Diz ela irritada).

Linda respira pesadamente. Delicadamente, Annie coloca a mão sobre o ombro da garota, enquanto Dan olha ao redor, temendo que alguém tenha escutado as palavras da jovem.

ANNIE

Eu vou estar com vocês, se quiserem que eu esteja lá. Mas vocês dois precisam antes de tudo pensar nessa criança que vai chegar. Eu sugiro que a gente conte esta noite.

ROB

Esta noite?! Mas...

LINDA

Ela tá certa! Não podemos ficar adiando. Vamos contar esta noite. Começando pelo papai.

A professora observa Linda com atenção. A garota com certeza estava com medo, mas pelo visto havia decidido que não seria controlada por este medo. Esta era a menina determinada para quem lecionara anos antes.


CASA DE DAVID FRANKLIN


Zack e Amos estão na varanda da casa. Após ter matado a própria mãe, David subiu para o andar de cima para tomar um banho. Amos não conseguiu ficar na cozinha, com o cadáver de Julie Franklin sangrando no chão, e foi esperar por seu mentor do lado de fora da casa.

Os dois adolescentes esperaram em silêncio por mais de meia hora, mas David não dava sinal de vida. Após algum tempo, Amos decidiu entrar na casa, e ver o que havia acontecido com o menino. Ele passou pela cozinha, fazendo o máximo possível para não olhar para o corpo de Julie. Ao chegar ao pé da escada, Amos, que já foi Richard, gritou para o andar de cima.

AMOS

David? Tudo bem com você?

A voz que respondeu do andar de cima não foi ríspida, porem foi firme.

DAVID

Estou ótimo! Me espere lá na frente, e não volte a entrar até eu mandar.

Sentindo uma ponta de medo, Richard imediatamente voltou para a fachada da casa, onde Zack estava. Neste momento, os dois rapazes encaram pensativos o milharal que circula a casa, até que Zack quebra o silêncio.

ZACK

O que nós estamos fazendo aqui, Richard? (Pergunta em voz baixa)

AMOS

O que você acha, Zack?! Esse garoto é especial. Tem alguma coisa falando com ele. Talvez até mesmo Deus! Não viu os pés de milho? Não ouviu tudo o que ele sabia da gente?

ZACK

Eu sei, cara. Mas olha em volta. Todas essas mortes! Eu to assustado!

Subitamente, uma voz se faz ouvir atrás deles.

DAVID

É bom estar com medo, irmão. Só não deixe que o seu medo seja maior do que a sua fé. Caso contrario, Deus vai saber. E então vai me contar.

Zack estremece ao ouvir David, que surge atrás deles, usando uma nova muda de roupas.

DAVID

Isso seria um pecado gravc, Zack. Entregue-se a nós, e terá o paraíso. Caso contrário, sua alma será esmagada. Me entende, irmão?

ZACK

Claro, David. Eu vou me lembrar disso.

Um silêncio sepulcral se instala entre os três. Zack achou que aquele silêncio duraria para sempre, até que a voz de David fez-se ouvir novamente.

DAVID

Ainda falta muito tempo para o sol se pôr. Peguem foices lá dentro. Nós vamos voltar para o milharal, e ceifar o milho ruim até o anoitecer.

AMOS

Mas David, precisamos mesmo fazer isso? Nós vimos Aquele Que Anda Por Trás Das Fileiras fazer o milho bom crescer sozinho!

Ele lança um olhar severo para Amos e aponta para a cozinha, onde se encontra o corpo da mãe.

DAVID

Sabe como se chama aquilo ali dentro?

Amos gagueja ao tentar responder, quando é cortado por David.

DAVID

Aquilo é um sacrifício! E todos teremos que fazer algum, seja de sangue, seja de suor. Então entrem logo e peguem as foices para fazerem o sacrifício de suor. Pois ele não vai demorar a reclamar o de sangue.

Os dois jovens assentem, e obedientemente, dirigem-se para dentro da casa.

DAVID

Mais uma coisa. Eu preciso que façam algo pela minha mãe. Ela foi uma mártir. Temos que tratar ela do jeito certo. Vocês vão me ajudar antes da gente ir pro milharal.

AMOS

E o que vamos fazer? (Pergunta temeroso)


FACHADA DA DELEGÁCIA


O sol começa a se por sobre Gatlin, lançando um brilho bronzeado sobre a pequena cidade. O Xerife Timoth Harris sai da delegacia do município, retirando as chaves do seu carro do bolso. O homem entra no carro, mas assim que fecha a porta do veículo, ouve pequenas batidas no vidro da janela. Ele rapidamente baixa a janela para falar com a mulher parada ao lado do carro.

ANNIE

Será que eu ganho uma carona?

TIMOTH

Pra onde a moça vai? (Pergunta em tom brincalhão)

ANNIE

Nenhum lugar especifico. Eu só queria dar uma volta com um velho amigo.

TIMOTH

Não se preocupa com o que as pessoas vão dizer?

ANNIE

Se eu me preocupasse, já teria me casado há tempos. Agora, vai me deixar entrar ou não?

O Xerife balança a cabeça, sorrindo. Essa era a Annie que conhecia,

TIMOTH

Dê a volta, madame.


CARRO DE TIMOTH


O Xerife dirige calmamente pelas ruas de Gatlin, tendo Annie ao seu lado.

TIMOTH

Então, essa visita inesperada tem alguma coisa a ver com o que eu pedi hoje de manhã?

ANNIE

Tem sim. Como sabe eu dou aula pra crianças. Não trabalho com jovens da idade da Linda. Mas convivo com eles há bastante tempo pra saber quando estão com medo e precisam de apoio.

A preocupação surge no rosto do policial.

TIMOTH

Por que esta me dizendo isso?

ANNIE

Por que é verdade.

TIMOTH

O que ela te contou?

A professora suspira, já esperando ouvir esta pergunta.

ANNIE

Ela esta em casa, te esperando. Eu só peço que a escute, e tente entende-la. Deixe os julgamentos para depois.

TIMOTH

O que ela disse? (Insiste ele com um leve tom de raiva)

ANNIE

Pergunte a ela. Eu fui ajudar Linda, e não ser sua espiã. (Declara sem alterar a voz)

TIMOTH

Ela é minha filha! Se ela esta com algum problema, eu tenho todo o direito de saber!

ANNIE

E vai saber. Mas por ela. Só lembre bem do que eu te disse. Ou melhor, lembre-se do que você mesmo me disse hoje de manhã. Linda tem passado por muita coisa.

O Xerife não insistiu mais, mas manteve a expressão carrancuda e preocupada no rosto.


CASA DE TIMOTH HARRIS


Timoth estaciona o carro em frente á sua casa, enquanto os últimos raios de sol do dia brilham sob o negro da noite. Na varanda, Tim pode ver as duas filhas sentadas nos degraus da varanda. Kathryn, visivelmente cansada, empurra o carrinho de bebê de Dan de forma monótona.

Ao ver o pai descer do carro, a filha mais velha põe-se de pé. O Xerife percebe que Annie estava certa. Aquela garota esta realmente assustada. Mas há uma coisa que a professora não contou sobre Linda. Misturado com o medo, via-se determinação no belo rosto da moça.

LINDA

Oi pai.

Timoth permanece em silêncio. Ele acha que começou a entender o problema que tem afligido a sua filha. Ao ver a professora descer do carro atrás do pai, Kathryn imediatamente se levanta.

KATHRYN

Oi Srta. Leigh. Tudo bem? (Diz a menina correndo em direção aos dois adultos).

ANNIE

Tudo bem sim, Kathryn. Obrigado por perguntar. Mas não estou aqui como a sua professora. Pode me chamar de Annie.

KATHRY

Você vai ficar pra jantar, Annie?

ANNIE

Talvez. Eu ainda não sei. A sua irmã e o seu pai precisam conversar. Quer me ajudar a por o Dan pra dormir?

KATHRYN

Ué? Mas é sempre a Linda ou o papai que fazem isso.

ANNIE

Como eu disse, eles precisam conversar. Vamos, querida.

Annie pega Kathryn pela mão, e entra com a menina dentro da casa, levando o carrinho de Dan consigo. Durante este tempo, Linda permaneceu parada na varanda, enquanto Timoth continuou de pé em frente ao carro. Assim que a professora entra com as crianças, Linda senta-se em uma das cadeiras da varanda, aparentando cansaço. Sem tirar o chapéu, o Xerife sobe os degraus da sacada, e encosta-se na beirada do portal.

TIMOTH

E então? Estou ouvindo.

LINDA

Eu estou grávida (Diz em um fôlego só).

Tim tem a sensação de ter recebido um soco no coração. Depois do que Annie lhe disse. Ele esperava que Annie houvesse feito alguma besteira com algum rapaz, mas não que estivesse grávida. Não, isso não podia ser possível! Linda era uma criança. Uma garota. A sua garotinha!

TIMOTH

Quando... Quando descobriu?

LINDA

Eu comecei a desconfiar a algumas semanas (Diz tentando segurar o choro).

Timoth esforça-se para conter o turbilhão de emoções que sente crescer em seu peito. Suas palavras saem quase sufocadas enquanto ele desencosta-se do pilar e aproxima-se da filha..

TIMOTH

Quem é o pai?

Uma lágrima escorre do rosto dela.

LINDA

Um garoto da escola.

TIMOTH

Qual garoto da escola?

LINDA

Pai, antes de eu te contar, eu acho que...

TIMOTH

Eu fiz uma pergunta! (Grita ele)

A garota encolhe-se diante do grito do pai, ao mesmo tempo em que as lágrimas começam a correr soltas pelo seu rosto. Um velho que passa em frente a casa, desacelera o passo, olhando na direção da discussão. O Xerife vira-se na direção do idoso, e grita com rispidez.

TIMOTH

Perdeu alguma coisa aqui, Ralph?

RALPH

Não, Xerife Harris.

TIMOTH

Então continue andando. Aqui só tem um pai discutindo com a sua filha. Vai!

Ralph não espera segunda ordem, e segue seu caminho sem olhar para trás.

TIMOTH

Pra dentro de casa, Linda. Agora!

Ainda chorando, Linda obedece, e entra na casa, sendo seguida pelo pai. O homem fecha a porta, e encara os olhos assustados e lacrimejantes da filha.

TIMOTH

Agora, eu quero um nome. Quem foi o filho da mãe que fez isso com você?

LINDA

Eu não vou falar até... Até você parar de se comportar assim.

TIMOTH

E como você acha que eu devia me comportar?! Você me diz que um safado qualquer te engravidou e espera o que?! (Grita ele socando a porta com raiva).

O soco na porta parece quebrar as ultimas resistências do choro de Linda, mas traz também reação da garota, que é transmitida em prantos.

LINDA

Me desculpe, Pai! Eu não queria envergonhar você! Mas aconteceu! Eu sei que eu não devia, mas... Mas foi um momento em que eu consegui me sentir realmente feliz. Algo que não acontecia desde a morte da mamãe e...

TIMOTH

Não ouse falar de sua mãe! Acha que ela aprovaria isso?!

LINDA

Eu... Eu não sei. Mas desde que isso começou, eu tenho pensado muito nela. Eu to com medo, pai! E pensar na mamãe me dá força, por que eu tenho essa criança agora. E eu preciso de força. Eu... Eu me sinto fraca e...

Linda volta a chorar com mais força. No andar de cima, ouve-se o choro de Dan, provavelmente assustado com os gritos no andar de baixo. O som do choro do filho lembra a Timoth as palavras de Annie. Não era hora de julgar a filha agora. Ela errara, não havia duvidas disso. Mas estava enfrentando o seu erro de cabeça erguida. Da mesma forma que enfrentara todas as dificuldades dos últimos meses. Da mesma forma que havia ajudado Timoth a enfrentar as suas próprias dificuldades com a morte de Martha. Antes que pudesse perceber, o homem envolve a filha em um forte abraço.

TIMOTH

Tudo bem, meu anjo. Minha Linda. Nos vamos enfrentar isso juntos.

LINDA

Me desculpe, pai (Repete em prantos).

TIMOTH

Você cometeu um erro. Independente de quem for o pai, eu vou estar do seu lado. Eu vou ajudar você a cuidar do meu neto. Como você me ajuda com Kathryn e Dan.

Pai e filha continuam abraçados . O homem sente as lágrimas da garota encharcarem a sua farda azul, mas não importa. Sua filha precisava dele, e era isso que importava. No andar de cima, Dan parara de chorar. Linda parece se recompor, e diz ainda um pouco soluçante.

LINDA

Pai, quanto ao garoto...

TIMOTH

Shhh. Falamos dele quando estiver mais calma.

Neste instante, ouvem-se passos descendo a escada. Tim e Linda olham para cima, e vêem Annie descendo a escada carregando Dan no colo.

ANNIE

Sente-se no sofá e acalme-se, Linda. Eu farei um chá pra você.

TIMOTH

Ela tem razão. Descansa um pouco na sala, e então a gente conversa com mais calma.


COZINHA: INSTANTES DEPOIS


A chaleira sobre o fogão começa aos poucos a liberar fumaça. Dan, sentado em sua cadeira de bebê, observa curioso a expressão cansada do pai, sentado ao seu lado na mesa. Desde que entraram na cozinha, o Xerife e a Professora mal trocaram palavras. Ela apenas disse para que faria duas xícaras de chá, já que ele também precisava se acalmar.

Neste instante, Annie senta-se na cadeira em frente a dele e enfim se manifesta.

ANNIE

Meus parabéns.

TIMOTH

Pelo que? Por ter falhado como pai? Ter decepcionado Martha deixando que nossa filha jogasse a juventude dela fora?

ANNIE

Não diz besteira (Fala ela com impaciência).

TIMOTH

Como é?

ANNIE

Não é culpa sua. Linda deu um mal passo, mas continua sendo uma ótima garota! Você Fez um ótimo trabalho como pai. E agora, deu o que ela precisava: segurança.

TIMOTH

Não tá sendo fácil.

ANNIE

Eu imagino. Teve um momento que eu achei que você não ia conseguir. E esse garotão aqui também (Diz indicando Dan com a cabeça).

O Xerife olha com ternura para o filho. Em pensar que dentro de pouco tempo, haveria outro bebê na casa.

TIMOTH

E a Kathryn? Se assustou com o que houve aqui embaixo?

ANNIE

Um pouco, mas sempre trago um caderno de desenho na bolsa. Vai manter ela distraída.

O policial sorri nostálgico, sentindo saudades do tempo em que as coisas eram assim tão simples com Linda.

TIMOTH

Você sabe quem é o pai?

ANNIE

Não vai fazer a besteira de tentar arrancar um nome de mim, não é?

TIMOTH

Não. Quero que ela me diga quando se acalmar. Droga, quero ouvir quando eu me acalmar. Se eu visse o maldito agora, batia nele até cansar. Não sei se não vou fazer isso.

A chaleira começa a apitar, e Annie levanta-se para desligar o fogo.

ANNIE

Não ia resolver nada.

TIMOTH

Não. Mas eu ia me sentir bem melhor.

ANNIE

Para de falar besteira e me diz onde eu encontro as xícaras.


MILHARAL


A noite já caiu sobre o milharal. Amos e Zack continuam cortando pés de milhos secos com suas foices. Os dois rapazes já estão nesta atividade há mais de quatro horas, já tendo conseguido abrir uma pequena clareira. David também trabalhou muito, mas diferente de seus companheiros, não demonstrava sinal de cansaço. Quando a noite começou a cair, o menino juntou alguns pés de milho caídos, e fez uma pequena e controlada fogueira, voltando ao trabalho em seguida.

Amos Deigan já sentia os pulmões arderem e as mãos calejarem. Mas aceitava aquela sensação quase de bom grado. Ele fora escolhido. Não fora atacado por aquele que guiava David como os outros foram. Não estava morto como Keith e Wally. Estremecia ao lembrar o modo como deixara a mãe de David, a pedido do próprio. Mas parte dele... Parte dele começava a gostar daquilo. Afinal, fora escolhido. Aquele Que Anda Atrás das Fileiras o recompensaria no final.

DAVID

Podemos parar por hoje (Diz de repente).

Imediatamente, Amos e Zack param de trabalhar. Amos percebe o suspiro de alívio do colega. David começa a falar com uma voz firme e cheia de empolgação.

DAVID

Foi um bom começo, irmãos. Hoje, juntos, nós plantamos a semente do que será a nova Gatlin. Em breve, mais irmãos e irmãs se juntaram a nós. Mas para isso, precisam me ajudar a espalhar a palavra dele.

ZACK

E... Como nós vamos fazer isso? (Pergunta temeroso).

DAVID

Daqui á três dias, farei uma reunião na minha casa. Você, como Richard Deigan,tem influencia na escola, Amos. Quero que traga o máximo de estudantes que puder.

AMOS

Eu posso fazer isso (Responde prontamente).

David sorri satisfeito. Zack olha para o chão, tentando reunir coragem para fazer uma pergunta que esta martelando em sua cabeça.

DAVID

Ótimo. Podem ir então.

David dá as costas aos dois, e começa a andar para fora da pequena clareira. Timidamente, Zack dá um passo á frente.

ZACK

Espera David.

DAVID

O que o aflige, irmão?

A autoridade e o formalismo na voz do menino faz Zack sentir um arrepio na espinha.

ZACK

É que... Bem... É sobre Wally e Keith. Vão perguntar sobre eles.

A preocupação de Zack não parece preocupar David de forma alguma.

DAVID

Faz parte do nosso teste, irmão. Se perguntarem, vocês não sabem de nada. Caso fraqueje, peça forças para Aquele Que Anda atrás Das Fileiras.

ZACK

Mas... Não podemos esconder o que fizemos pra sempre.

DAVID

E não vamos precisar. Logo não vai importar, irmão. Agora vão!


CASA DO XERIFE


Timoth, Annie, e Linda tomaram em silêncio o chá preparado pela professora. Então, a mulher voltou a deixar pai e filha sozinhos para checar a pequena Kathryn. Durante este período, Tim perguntou sobre o estado da filha, e sobre como ela estava se sentindo. Tentando evitar o máximo possível o assunto da paternidade, o Xerife disse a ela que a levaria para fazer um check-up em Holdrege no dia seguinte, para saber como andava a saúde dela e do bebê.

Linda sente um misto de vergonha e gratidão pelo pai. A garota podia sentir que o homem estava se esforçando para aceitar a situação. Linda sabe que outros em Gatlin já á teriam jogado na rua. Apesar da reação inicial, seu pai estava sendo maravilhoso. Ele merecia saber a verdade. Mas contar parecia quase impossível para Linda.

Ao ouvir os passos na escada anunciando o retorno de Annie, a moça encheu-se coragem. Se não contasse naquele momento, talvez nunca mais contasse.

LINDA

Rob Soul é o pai (Diz ela rápido)

Timoth olha para filha com uma expressão quase curiosa. Annie se encontra parada na porta, esperando a reação do amigo.

TIMOTH

Rob Soul?

Linda confirma com a cabeça, sentindo a vergonha crescer em seu peito.

ANNIE

Ele é um bom garoto, Tim.

TIMOTH

Um garoto irresponsável você quer dizer (Diz com contida irritação).

LINDA

Ele vai assumir, pai. Está tão assustado quanto eu, mas gosta de mim e...

TIMOTH

É bom ele gostar. Vamos fazer o seguinte, Linda. Suba, descanse um pouco, depois tome um banho, e vista-se. Nós vamos visitar o seu namorado e os pais dele.

LINDA

Pai, eu acho que o Rob se sentiria melhor se ele mesmo...

O Xerife interrompe a filha com voz tranquila, enquanto levanta-se da poltrona.

TIMOTH

Linda, como Rob Soul se sente em relação a isso é minha ultima preocupação agora. O que me importa são os seus sentimentos e o bem estar da criança. Agora faça o que eu mandei.

A garota olha para a professora em busca de apoio, e vê um conselho muito claro nos olhos da mulher, que diz: Obedeça. Sem dizer mais palavra alguma, Linda levanta-se da poltrona, e vai fazer o que o pai lhe ordenou.


CASA DOS SOUL


Linda demorou o mais que pode no banho. Demorou mais ainda enquanto escolhia a roupa para ver os pais do seu namorado, e futuros avós do filho dela. A jovem tinha a esperança de que o pai desistisse da ideia de ir ver os Soul naquela noite. Mas sua esperança se mostrou em vão. Quase cinco horas depois de ter deixado a sala, ela e o pai se encontravam na varanda dos Stevenson.

O Xerife pode ouvir Johnny Cash cantando “Ring Of Fire” no rádio do outro lado da porta. Sem perder mais tempo, Timoth ergue o punho, e bate três vezes na porta. A voz de Cash é rapidamente substituída pelo silêncio, e em seguida pelo som de passos dirigindo-se até a entrada da casa. O homem que abre a porta tem os cabelos castanhos começando a ficar grisalhos. Jordy Soul é uma pessoa gorda, embora não pareça inteiramente consciente disto, já que os botões de sua camisa não dão conta do tamanho de sua barriga.

TIMOTH

Ola, Jordy.

Jordy leva um tempo para se recuperar da surpresa de ver o Xerife da cidade parado em sua varanda, acompanhado de uma garota no meio da noite.

JORDY

Boa noite Xerife Harris.

TIMOTH

Creio que se lembre de minha filha, Linda.

JORDY

Então, como posso ajuda-lo? (Pergunta com cautela).

TIMOTH

Pode começar nos deixando entrar.

Parecendo dar-se conta do obvio, o homem dá espaço para que o Xerife e a moça adentrem a sua casa.

JORDY

Desculpe recebê-los assim, mas eu não sabia que vinham.

TIMOTH

Tudo bem. Sua mulher e seu filho estão em casa?

JORDY

Estão sim. Eu vou chama-los.

Virando a cabeça para o lado, o homem grita a plenos pulmões.

JORDY

Selma! Rob! Venham aqui agora!

Segundos depois, Selma Soul, uma mulher de óculos e cabelos pretos arrumados em um penteado que a Timoth, fazem-na lembrar uma coruja, vem dos fundos da casa. Ela veste um avental, indicando que se preparava para cozinhar. Já Rob desce do andar de cima. Ao ver o garoto alto e moreno descer as escadas, Timoth teve que sufocar a vontade de avançar sobre ele, e quebrar-lhe os dentes por desencaminhar a sua filhinha. Mas esforçou-se para ficar impassível.

O jovem, entretanto, não foi tão eficiente assim. Ao ver Linda e o Xerife ao pé da escada acompanhado de seus pais, o garoto tem a sensação de um vento gelado percorrendo as suas veias. Mas ao ver a namorada olhando de forma confiante para ele, Rob enche-se de coragem e termina de descer as escadas.

ROB

Como vai, Xerife? Eu achei que o senhor podia aparecer.

TIMOTH

Obviamente.

Jordy coloca-s ao lado da esposa.

JORDY

Eu não estou entendendo o que esta acontecendo, Xerife. Meu filho por acaso fez alguma coisa errada? (Diz em tom desafiador)

TIMOTH

Talvez seja melhor ele mesmo responder a esta pergunta. Será que podemos nos acomodar na sala?

Todos vão para a sala. Os Soul estão sentindo-se extremamente constrangidos por receberem ordens do Xerife em sua própria casa, mas estarrecidos demais para discordar.

Após pedir autorização para o dono da casa, Timoth e Linda sentam-se no sofá. Tim tira o chapéu, e em seguida o seu revolver do coldre, colocando-o sob a mesinha de centro. Os Soul arregalam os olhos diante da visão da arma, reação já esperada pelo Xerife. Mal sabia a família que o revolver estava sem balas. Timoth cruza as mãos sobre o queixo, e diz com autoridade.

TIMOTH

E então, Rob? Conta você ou conto eu?

Rob mantém os olhos fixos no chão, mantendo-se em silêncio.

TIMOTH

Muito bem. Sr. e Sra. Soul, o seu filho e a...

ROB

Eu vou ser pai (Diz em voz baixa).

Todos voltam-se para Rob. O Casal Soul parece ter tido o rosto congelado em espanto.

TIMOTH

Desculpe Rob, eu não ouvi.

ROB

Eu vou ser pai! Linda Harris está grávida e o filho é meu! (Diz ele quase gritando).

Em um movimento rápido para o seu tamanho, Jordy Soul levanta-se e esbofeteia o filho. Selma Soul somente cobre o rosto com as mãos.

JORDY

Você tem merda na cabeça, seu garoto irresponsável? O que eu lhe falei sobre tira na hora, hein?!

ROB

Pai, eu...

JORDY

Cale a boca!

Jordy ergue a mão para dar uma nova bofetada no filho, mas alguém o segura com força pelo pulso. Ao se virar, o homem vê o Xerife, fitando-o com frieza.

TIMOTH

Acalme-se Jordy.

JORDY.

Por favor, Xerife, não se meta. Eu estou educando o meu filho.

TIMOTH

Não na frente da minha filha grávida. Quando formos embora, já não é mais problema meu, mas agora recomendo que volte pro seu sofá.

Jordy olha para o Xerife com raiva. Timoth pode ver a duvida correndo na cabeça do homem, que pondera entre obedecer, e acertar o homem que veio a sua casa jogar um neto em seu colo. Por fim, Jordy Soul voltou obedientemente ao seu assento, e Timoth fez o mesmo. Após se sentar, o Xerife olha diretamente para o filho dos Soul.

TIMOTH

A pergunta que eu tenho pra fazer a você é muito simples, Rob. O que pretende fazer agora?

ROB

Bem, eu acho... Eu acho que eu vou casar com a Linda.

TIMOTH

Você acha? Quer dizer que não tem certeza?

LINDA

Pai! (Diz Linda com uma nota de pânico na voz)

O Xerife volta-se para a filha.

TIMOTH

Você quer esperar lá fora?

A garota silencia. Timoth volta a olhar para Rob.

TIMOTH

Então, Timoth. Quero uma resposta direta.

ROB

Eu vou sim, Xerife Harris.

Timoth junta as pontas dos dedos, e as estrala.

TIMOTH

Muito bem. Agora a pergunta que realmente me interessa. Você quer casar com a minha filha?

JORDY

Bem, diante das circunstancias...

TIMOTH

Por favor, Sr. Soul, deixe o seu filho responder

Jordy faz cara de quem tomou um remédio ruim, mas permanece em silêncio

TIMOTH

Pode falar, Rob.

O jovem respira fundo, e então responde a pergunta do Xerife.

ROB

Eu amo a Linda, Xerife Harris. Eu quero me casar com ela. Eu não pretendia casar logo, mas as coisas mudaram. Mas quero que saiba que não é só por obrigação. Eu vou me casar com a sua filha, por que eu amo ela.

Timoth sorri satisfeito com a resposta.

TIMOTH

Bom, é um começo.

A Sra. Soul enfim tira as mãos do rosto e se manifesta.

SELMA

Mas eles não podem se casar. São só crianças!

TIMOTH

Crianças que fazem crianças não são mais crianças, Sra. Soul.

SELMA

Mas existem outras alternativas pra este problema. Certos remédios podem resolver, e ninguém precisaria saber.

Linda instintivamente leva a mão a barriga. E para surpresa de Tim, Rob levanta-se da cadeira em que estava sentado, com o rosto vermelho de fúria.

ROB

Mãe, não! Isso nunca!

Sem saber, naquele momento, Rob Soul ganhara um pouquinho do respeito de Timoth Harris.

JORDY

Não levante a voz pra sua mãe, garoto!

TIMOTH

Pensei que fosse uma pessoa católica, Sra. Soul.

SELMA

E eu pensei que o senhor não fosse.

Repentinamente, o silencio impera na sala. O ambiente é tenso. Mas repentinamente, ouve-se alguém batendo com força na porta.

JORDY

Com licença, eu vou atender (Diz Soul tentando recuperar a compostura)

Rob continua sentado em sua poltrona. Selma olha do Xerife para sua filha com raiva fulminante faiscando nos olhos, como se eles tivessem trazido a praga á sua casa. Neste momento, Jordy Soul retorna.

JORDY

São dois policiais. Querem falar com o senhor, Xerife.

Harris levanta-se, sendo seguido pela filha.

XERIFE

Bom, espero que possamos encontrar toda esta situação juntos. E Rob, espero você na minha casa amanhã a noite, se vai pedir a mão da minha filha em casamento, quero que faça isso direito.

Sem dizer mais nada, Timoth pegou Linda pela mão e a levou para a soleira da porta dos Soul. Ela só teve tempo de abanar discretamente para Rob antes de perde-lo de vista. Na varanda estavam Otis e Doyle.

DOYLE

Boa noite, Xerife. Fomos até a sua casa, e a Srta. Leigh disse que iríamos encontra-lo aqui.

XERIFE

Qual o problema, Rapazes?

DOYLE

Estamos com dois garotos sumidos, Xerife. Keith Winter e Wally Thorbald não voltaram pra casa.

Ótimo, pensou Timoth. Era tudo o que ele precisava para terminar a noite. Dois moleques irresponsáveis perdidos por ai.