Navegando a todo vapor, um navio se dirige por águas profundas. O sol ilumina os rostos dos marinheiros e a madeira nova e reluzente usada em sua construção. Seu capitão tem cerca de cinquenta anos, cabelos grisalhos, tapa-olho, roupas cinzas e azuis, permanece tomando conta do timão, enquanto um marujo limpa o chão ao redor.
—Icem as velas, marujos. Não quero perder esses ventos por nada.
—Capitão, o senhor ouviu os boatos, não?- perguntou um pirata com lenço amarrado na cabeça careca.
—A respeito do Pérola Negra? Ouvi apenas que um dos tripulantes foi arremessado no mar, amarrado a uma bola de canhão.
—Foi o Bootstrap - contou o marujo com pena.
—Pobre homem, pobre homem. Que Netuno o tenha- O marujo fez o sinal da cruz e beijou uma tatuagem de tridente que possuía no braço.
—Houve mais boatos. Dizem por aí que houve uma rebelião no Pérola, e que seu capitão foi deixado numa ilha esquecida por Deus- O marujo se arrepiou todo depois de falar.
—Merecido, nunca gostei dele. Jovem, covarde, infortunado e oportunista. É bom que esteja onde merece.
—Sabe, agora que falou acho que está certo- decidiu-se o homem- deve estar na companhia do encardido a essa hora.
—Eu acredito que não.
—Por que senhor?- indagou o marujo confuso.
—Por que ele tinha um acordo com David Jones. Ele não terminou o débito- o marujo se arrepiou de novo e, agarrando seu terço, rezou preces ao ex-capitão do tal navio. Ao ver a ação do servo, o capitão ficou descontente:
—Não desperdice seu tempo dessa forma, marujo. Uma vez no baú de Jones, você prefere mil vezes o inferno o marujo que limpava o chão, um homem aparentemente jovem, com cabelos longos, loiros, amarrados e entrelaçados com uma faixa vermelha amarrada na cabeça, camisa branca, calça marrom e botas pretas se levantou, sacou sua espada e apontou-a para o capitão.
—Apesar de não ter entrado no baú amaldiçoado, ainda agradeço pelas preces.
—Você?- perguntou o capitão, incrédulo.
—Ele?- perguntou o marujo mais incrédulo.
—Eu?- perguntou o marujo a si mesmo, verificando seu corpo para ter certeza de que ainda estava no corpo certo- É, parece que sou eu- confirmou o marujo.
—Abaixe essa espada, sim? Você não vai conseguir me vencer nem tomar o navio.
—Por que?
—Por que você está sozinho e sabe que há um lugar especial no inferno para os traidores e amotinados.
—É...tem razão- admitiu o intruso- mas está se esquecendo de um pequeno detalhe.
—E qual seria?- questionou o capitão, arrumando seu chapéu preto com pena branca, colocando seu bigode para cima e tirando sua espada de dentro da bainha.
—Eu sou o capitão Jack Sparrow- declarou o pirata confiante. De repente, metade da tripulação sacou as armas e espadas e mirou nos colegas.
—Motim é?- notou o capitão sorrindo com claro ódio. Ele andou até a escada e parou no começo da mesma, pigarreou e gritou- Saibam que todos vocês todos estão destinados ao inferno.
—Tem um problema com o que falou capitão, sua liderança já é nosso inferno- o marujo negro, alto, cheio de cicatrizes nas costas, atirou no colega da frente. Este tombou e seu sangue encharcou suas vestes de cetim.
—Atacar- gritou Sparrow.
—Atacar- gritou o capitão em resposta. Os marujos iniciaram uma batalha violenta, golpes de espada fizeram jorrar sangue e pedaços de órgãos para todo canto. O capitão e Jack se encararam, enquanto o marujo ao lado capitão retirava sua espada.
—Tem certeza que quer me desafiar? Eu, o capitão Emir Du Feau?
—Hããããã, se o senhor estiver disposto a negociar, eu terei clemência de sua tripulação- explicou Sparrow na cara de pau.
—Sei, veremos como se sai- os dois lutaram com Jack, que enrolava no chão, girava de um lado para o outro e desviava de novos ataques. Sparrow desarmou e acertou o marujo no rosto, fazendo seu nariz sangrar.
—Pronto para se render, capitão Du Feau?- Sparrow digladiou com o capitão por um minuto quando acertou a mão do adversário, tirando sua espada. O capitão estava parado, indefeso, com a mão sangrando e com a espada inimiga apontada para seu pescoço.
—Agora se rende capitão?- o capitão desatou a rir vividamente
enquanto Jack se indignava- acha que estou brincando? Ou se rende ou enfio essa espada no seu peito- ameaçou o pirata, mas o capitão continuou rindo. Então Sparrow percebeu a razão da graça, a maioria dos piratas, tanto do lado de Sparrow quanto do capitão, apontando seus revólveres para a cabeça do jovem capitão, que largou a espada e ergueu os braços na altura da cabeça. O capitão Du Feau se levantou, pegou a espada jogada no chão e apontou-a para o peito do adversário.
—Onde estávamos? Claro, que lapso meu. Pronto para se render, marujo?

Após dois dias sem comer ou beber, a insanidade brotava da cabeça de Jack Sparrow. Apesar de ansiar pelos dois, o pirata não falava, permanecia em seu canto no convés, suportando o fedor de carne estragada e os ratos em sua cela. O capitão Du Feau desceu e caminhou até a cela, mandou o guarda abrir a cela e ele o fez, mas permaneceu atento para o caso do prisioneiro tentar algo, o que seria difícil.
—Acredito que tenha aprendido a lição. Eu conversei com minha tropa algum tempo atrás para que caso alguém tentasse convencê-los a se rebelarem, viessem falar comigo. Felizmente sou bom com meus marujos, o que obviamente fez os que o seguiram traí-lo depois de me trair. Sabiam que haveria uma pena mais severa da minha parte se o motim não funcionasse, eles me conhecem, e conhecem você também. É claro, não é legal ter fama pelas falhas e pela gentileza, não quando se é um pirata, não é Jack?
—Concordo. Já matei um desembargador britânico, sabia?- argumentou Sparrow sem se concentrar.
—Dizem que o matou, mas também dizem que o maldito ajudava piratas na passagem pelo golfo, dava vantagens aos piratas. Que feio Jack, matar alguém que está do seu lado, dizem que a Marinha mercante lhe pagou muito bem, mas que o plano era te por numa cilada, no entanto você percebeu e roubou o dinheiro antes- contou o capitão como um exímio contador de histórias.
—Verdade, tudo o que disse é verdade.
—Você é uma vergonha para qualquer filho da mãe que se diz pirata. Aliás, você não é pirata.
—Nisso concordamos em discordar- declarou Jack, cheirando o feno que estava no chão.
—Uma curiosidade minha, como escapou da ilha?- confessou o pirata.
—Tartarugas marinhas.
—Sei. Para todos os efeitos, iremos desembarcar em breve, como a Marinha ficará decepcionada em não ter nos capturado enquanto estávamos ao seu alcance, vamos deixá-lo como recompensa- pela primeira vez, Jack fez uma expressão de espanto.
—Não pode fazer isso. O senhor acabou de dizer que um verdadeiro pirata não mata quem está do seu lado.
—Como eu também disse que você não é um pirata. Tentou amotinar minha tripulação contra mim e tem excesso de clemência. Quer que eu continue?- indagou o pirata num tom debochado.
—Certo. Eu permito que me deixe na praia, eu distraio a Marinha enquanto vocês escapam. Pelo menos pode me dar algo para beber?
—Para minha sorte e seu azar, eu não sou você e não tenho piedade, sou um pirata francês de sangue frio- declarou o capitão com orgulho- quando a Marinha encontrá-lo, peça comida á eles, talvez eles comprem com o ouro que roubou deles.
—Estou vendo que o que dizem é verdade, o senhor realmente não tem clemência- afirmou Sparrow surpreso.
—Isso é um mito.
—Prove ora.
—Simples, eu costumo cortar algum membro dos marujos amotinados, já você não. Veja bem, eu o entregarei á Marinha, considere um ato de clemência- então o capitão ordenou para o guarda que fechasse a grade e ele o fez, enquanto o capitão voltava para o deque ás gargalhadas.
—Terra á vista- gritou um marujo do alto do mastro.
—Enfim- berrou o pirata cuspindo no chão. Jack ouviu os gritos e o barulho dos piratas se preparando para o saque, então olhou pelo buraco no casco que cobria sua cela, tomando noção da distância entre a atual posição e a praia. O pirata certificou-se de que não estavam observando-o, pegou um prego no chão e enfiou-o no.buraco da corrente que o prendia, tentando arrancar o parafuso.
—Se preparem marujos, vamos aproveitar esse vento na direção oposta para esconder o Traição atrás daquele monte. Então seguiremos a pé. Podem matar se necessário, mas evitem faze-lo onde percebam.
—Sim, capitão- gritaram os piratas em uníssono. Controlando o timão, o capitão Emir levou o navio até a costa, então parou quando se aproximaram das rochas.
—Abaixem as velas, cortem as amarras e soltem a âncora- os marujos obedeceram e, alguns minutos depois, o barco parou- Tragam os amotinados para cima, eles serão devidamente castigados e tragam também o Sparrow, quero que ele veja o que suas ações desencadearam e quero que eles percebam que beberam muito ultimamente- ironizou Du Feau. Alguns piratas retornaram com os prisioneiros, amarraram seus membros e os prenderam por una corrente ao mastro. No deque, Jack continuava tentando se livrar do parafuso em sua corrente quando um marujo de roupas verdes, surradas e dentes amarelados desceu.
—O capitão quer o líder dos amotinados assistindo a punição.
—Certo. O capitão te odeia mesmo, não é Jack Sparrow?- concluiu o marujo, abrindo a cela. De repente, o pirata de dentes estragados sacou a espada, tampou a boca do guarda e atravessou a espada em seu estômago, a ponta cheia de sangue e restos de intestino. Jack apertou o prego com força, abrindo uma ferida no polegar, mas conseguiu tirar o parafuso, se desvencilhando da corrente.
—É capitão Jack Sparrow- Corrigiu o marujo com orgulho.
—Obrigado- agradeceu Jack, pegando seu chapéu e o restante dos pertences- Foi esperto, aprendeu comigo, não foi? Fingiu não ter traído o Du Feau para me libertar no momento mais oportuno.
—Obrigado, capitão.
—Se fizer isso de novo vou cobrar pelo plágio.
—Sim, senhor- No convés, os prisioneiros tinham seus membros expostos, alguns uma mão, outros uma perna, mas todos tremiam e choravam de pavor, não queriam ter seus membros cortados, mas quem gostaria?
—Fossa não está demorando para trazer o Sparrow?- perguntou o capitão para seu ajudante.
—Com toda a certeza, senhor- Nesse momento, Fossa saiu correndo de dentro do deque e parou em frente ao capitão com uma expressão de pânico.
—Me perdoe, me perdoe capitão, não quero ter minha mão cortada- implorou o marujo gemendo.
—O que aconteceu, marujo?- indagou o capitão preocupado.
—Sparrow fugiu.
—Sei. Olha ele ali, cavaleiros, apontem suas armas para o senhor Sparrow- disse o capitão calmamente, tinha visto Jack no instante que iria pular do navio.
—O que?- Berrou Fossa, incrédulo com a demora de Sparrow, como poderia ter ajudado um jegue amalucado? O que Sparrow ainda fazia no navio? Jack subiu de volta para a proa, levantou as mãos, que foram amarradas por um outro pirata, que puxou Sparrow de forma que este pudesse ver todos os amotinados, uns sete ao todo.
—Olha só, como o senhor é observador capitão, meus parabéns- elogiou Jack, desviando o olhar dos piratas acorrentados.
—Aceito seus elogios, agora, amarrem Fossa-o pirata olhou de um capitão para outro e fixou-o em Sparrow, como se implorasse para fazer algo, mas os marujos ainda o amarravam ao mastro.
—JACK, ME AJUDE- berrou o pirata em desespero- POR FAVOR, EU TE LIBERTEI, POR FAVOR.
—Sinto muito, amigo- disse Sparrow com frieza e calma- mas foi você quem quis me libertar, eu não o forcei a me ajudar.
—MAS E O TESOURO? DISSE QUE ME DARIA UMA PARTE DEPOIS DE FUGIR.
—Tesouro?- perguntou o capitão se interessando- De que tesouro é esse que ele está falando, Sparrow?
—Nenhum, está enlouquecendo de tanto tomar rum. Meus caros Du Feau e Fossa, tomaram meu navio, como esperam que EU TENHA UM TESOURO SE NÃO TENHO AO MENOS UM NAVIO?- gritou o pirata, indignado com a situação. Em seguida se acalmou e continuou- Sim, eu enganei vocês e pagaram por acreditarem em mim com seus membros. Não sei se minha cabeça vale alguns membros, mas sei que sou um pirata, e que piratas enganam qualquer um- quando terminou, todos começaram a xingá-lo e a ameaçá-lo:
—Vou te caçar até os confins do inferno, seu miserável...
—Filho de puttana, vou pendurar sua cabeça na baía das saias justas...
—Vou comer você vivo, está encrencado, Sparrow.
—Viram marujos? Como alguém como ele pode se proclamar pirata? Agora marujos, ergam mãos e pernas de seus antigos companheiros de viagem. Gritos e gemidos foram abafados enquanto o capitão cortava a mão de um, a perna de outro, e acrescentava uma série de chibatadas. A maior diversão de Du Feau era ver a cara de horror que Sparrow fazia ao ver os membros no chão, o sangue espirrando dos locais dos cortes, ossos e músculos expostos ao vento contínuo, causando mais dor e ardência ainda.
—O que achou Sparrow?- perguntou o capitão ironicamente, Jack esbanjou o sorriso mais falso de sua vida, teria vomitado, mas não tinha nada em seu estômago, então suspirou:
—Achei pouco, você realmente é misericordioso. Um verdadeiro pirata, como eu cortaria a outra mão- Os marujos aleijados encararam Sparrow com a expressão de mais profundo repúdio, nojo e ódio para o jovem capitão.
—Não seja por isso, ergam os membros restantes- ordenou o capitão furioso.
—Me desculpe, eu estava apenas testando o senhor, capitão. Queria saber até onde sua malvadeza iria- Revelou Jack com receio e enjoo.
—Então saiba, senhor Sparrow, que sou um legítimo pirata e, como tal, não tenho misericórdia. Se quer misericórdia reze para o deus cristão- falou De Feau com absoluta frieza- Entrem na cidade e tragam o que puderem. Principalmente pólvora e ouro. Os piratas desceram em silêncio, adentrando a cidade e iniciando seu saque secreto.
—Senhor- chamou o assistente do capitão francês- seria mais prudente deixar Sparrow fora do navio, aproveitamos para deixá-lo num local onde a Marinha o encontre, nos dando tempo de fugir.
—Bem lembrado marujo, Sam, leve Sparrow daqui, desamarre-o e ande com ele até avistar a Marinha, então deixe-o para morrer.
—Sim senhor, capitão.
—Leve Gui convosco, não quero erros nem fugas inesperadas.
—Sim senhor- os dois levaram Jack para fora do navio, desamarraram as cordas que o prendiam e entregaram seus pertences.
—Se pensar em tocar na bainha ou no revólver, lembre-se de que há um revólver apontado para um lugar que vai sentir muita saudade, ouviu?
—Ouvi marujo- os três percorreram o porto, os marujos furtaram dezenas de moradores e enfiaram os conteúdos num saco de grãos. Logo começaram boatos e discussões de pessoas acusando outras de furto, todos estavam perdendo joias, moedas, alimentos e roupas. Tanta baderna chamou a atenção da Marinha mercante, que espalhou grupos de três a cinco marinheiros pelo povoado para averiguar e, se necessário, prender suspeitos. Os três continuaram caminhando pelo povoado quando, ao virar uma esquina, Gui avistou um grupo de marinheiros, voltou para junto do colega, fez sinal para ele e empurraram Jack para a esquina, que tropeçou e não caiu devido o seu incrível equilíbrio.
—Foi muito rude de sua parte cavalheiros, me empurrar dessa for- mas, sem aparente razão, os marujos haviam corrido feito coiotes, no entanto, ao se virar, Jack descobriu a razão da fuga, havia caído no plano de Du Feau- ma. Olá senhores marinheiros, sabem onde tem rum decente?