— Virar a bombordo, preparem os canhões! – A voz rouca da Capitã estava quase inaudível por conta da movimentação e gritaria no convés do Dama de Ferro. O navio já havia perdido um mastro, e os canhões do Corsário não estava dando trégua e o Capitão do navio inimigo não apresentava índices de render-se. Marie Ann segurava o timão com força enquanto sua tripulação se preparava para atacar a embarcação inimiga.
— Não vamos conseguir Capitã, já perdemos dois canhões... – Jane, a primeira imediata, estava ao lado de Marie aflita com a possibilidade de naufragar ou pior, serem rendidas.
— Desamarrar as velas, soltar as amarras... A todo pano! – Gritou a Capitã em resposta as reclamações da parceira. Correu para o convés e começou a carregar os canhões.
Uma tempestade estava se aproximando, a garoa já caia sob a pele queimada das piratas e o mar se agitava com violência. Jane assumiu o timão e tentava levar o navio o mais distante possível do inimigo. A movimentação no convés não cessava, todas as tripulantes trabalhavam arduamente para saírem vivas e salvar o navio.

No corsário, Lorde Garth estava decidido a afundar a embarcação pirata. Comandava o timão enquanto seus homens trabalhavam no convés carregando os canhões.
— Senhor, estão na mira. Aguardando ordens. – O contramestre anunciou calmamente ao capitão. O homem sorriu brevemente.
— Ordens aceitas... – Respondeu.
— Fogo! – Gritou o contramestre para os marujos, que atenderam no mesmo segundo atirando no navio pirata.

As balas acertaram a poupa e Marie não conseguia ganhar distancia para sair do alcance. Os buracos no navio começaram a ser um problema, e ela sabia que logo iria naufragar.
— Capitã... O deposito já esta inundado – Gritou uma mulher da tripulação, e a Capitã do Dama de Ferro sabia que não havia nada que poderia ser feito.
— Abaixar a bandeira... – Respondeu com tristeza no olhar. Todas as trinta mulheres da tripulação pararam com os afazeres e a encararam em silêncio.
— Marie...
— Acabou Jane... Ou nos entregamos ou afundamos. Abaixar a bandeira! – Gritou frustrada. A bandeira pirata foi baixada, e o Corsário cessou fogo, pois sabia que a vitória tinha sido deles.
Marie Ann deu ordens para amarrar as velas, e em poucos minutos o corsário alcançou o navio da pirata. Ao cair da chuva forte o convés do Dama de Ferro estava repleto de homens uniformizados apontando suas armas para toda a tripulação. A capitã permaneceu atrás do timão vendo suas mulheres serem rendidas. Lorde Garth caminhou lentamente pelo convés indo ao encontro da moça.

— Admiro sua astucia, embora fosse em vão – Disse o homem, com um sorriso provocante nos lábios.
— Atacando navios em alto mar... A realeza ultimamente vem surpreendendo. – Retrucou Marie de forma ríspida.
— Não há mais espaço para vocês no nosso mundo, senhorita. Os justos herdarão a...
— Justiça? – Interrompeu a mulher – Não... Não há justiça em seu meio. Seremos julgadas sem defesa, o qual resultara em forca.
— Naturalmente... E isso não é justo? – Respondeu o capitão.
— Acredito que tenha conhecimento sobre o código dos Piratas, Lorde. – Marie estava aparentemente calma, mas em seu interior desejava cravar sua espada no coração do carrasco.

— Não é um assunto no qual eu domine. Mas o que isso tem a ver com justiça? – Garth se aproximou da capitã, que permaneceu parada de cabeça erguida.
— Temos um termo... Uma palavra simples a qual usamos quando somos rendidos por inimigos. E temos a proteção dessa palavra, não podemos ser mortos ou molestados sem antes ter o julgamento do capitão do navio...
— Parola... – Sussurrou Jane, já presa nos grilhões junto de suas companheiras.
O Comandante do corsário encarou Jane e sorriu, voltou a olhar para a Capitã de forma irônica.
— Não somos piratas. Seu dialeto imundo não tem qualquer sentido sobre as ordens reais.
Marie Ann sorriu, e deu um passo a frente.
— Deveras... Eu sempre soube que os mais cruéis piratas andavam de peruca.
O Lorde lhe deu um tapa da cara assim que terminou a frase, não admitia ser comparado com aquela raça que aprenderá odiar desde criança em Port Royal.
Marie cuspiu um pouco de sangue, mas não tirou o sorriso do rosto, o que deixou o Lorde ainda mais irritado. Rendeu a Capitã a colocando nos grilhões e levou toda sua tripulação para as celas no interior do Corsário. Antes de partirem para Port Royal Garth deu ordens para que afundassem o formoso navio de velas vermelhas. O Dama de ferro estava no fundo do oceano antes do fim da tempestade.

Com o avanço da civilização e recursos, Port Royal tinha se desenvolvido rapidamente em áreas de segurança e controles marítimos. Era quase impossível surpreender o porto real com invasões e saques. As piratas foram postas juntas na mesma cela, a população comemorava mais uma vitória sobre os ladrões do mar. Ao cair da noite, Marie e suas garotas observavam o luar por entre as grades, aproveitando a ultima noite antes de irem para a forca pela manhã.
A capitã carregava consigo um cantil de couro, e dividiu com suas companheiras o pouco rum que restava.
— Não podemos desistir assim... – Diana murmurava em seu canto. Diana foi resgatada junto a sua irmã a beira da morte por Marie em Singapura. As loiras fugiram da Espanha após serem acusadas de afiliação com pirataria. Marie suspirou, não sabia o que fazer para acalmar sua tripulação.
— Escutem bem... – Começou ela, depois de dar um gole no rum – Não tenho certeza se veremos novamente o por do sol. Mas sou muito grata por todas vocês...
A capitã não demonstrava seus sentimentos abertamente, mas esta era uma ocasião que não valeria esconder. Sentiu seus olhos ficarem húmidos e voltou a encarar o luar antes que desabasse a chorar. Jane a abraçou timidamente. A imediata estava com a Capitã á muitos mares, quando Marie decidiu entrar parar a pirataria Jane foi quem a ajudou a conquistar o navio e a bela tripulação de damas.

— Fomos atacadas duas vezes em um curto espaço de tempo... Talvez esse seja mesmo o fim. – Daiana, a gêmea de Diana, comentou tentando aceitar o fim. – Prefiro a morte a velejar a comando do rei.
Marie não disse nada, concordou em silêncio. Também preferia a morte. Poderia pedir para que suas garotas escolhessem viver e servir ao rei, mas sabia que seria em vão. Mulheres não iriam para o mar nos costumes reais e ela sabia que as almas aventureiras das piratas não suportariam apenas observar o horizonte de um porto qualquer.

Fechou os olhos e se concentrou no barulho do mar distante. As ondas quebrando na praia, o som da maresia quando o vento forte soprava. Jurou que poderia ate sentir o cheiro salgado que se misturava com a madeira do navio. Sempre quis morrer na sua casa... O mar. Sentiu vontade de chorar, queria seu navio de volta, e desejou com toda a força ter afundado com ele na mesma manhã.

A madrugada caiu silenciosa. A comemoração dos moradores de Port Royal sessou cedo, e só se ouvia o latir de cachorros e alguns cavalos passando de tempos em tempos. Marie estava debruçada na janela gradeada enquanto suas parceiras dormiam. Via o horizonte azul escuro e sorria pra si mesmo, não se arrependia da vida que levou. Por trás da personalidade forte e determinada, Marie Ann era uma linda mulher. Tinha o corpo esbelto e curvas acentuadas; a pele branca era maltratada pelo sol, mas mantinha sua cor original por debaixo dos panos. Os cabelos negros iam até a altura da cintura, ondulados como as ondas. Os olhos eram castanhos claros, e teria um rosto delicado se não fosse pela cicatriz no olho esquerdo, que a deixou cega do mesmo. A cicatriz descia até os lábios, e a Capitã usava um tampão a deixando mais suave.

Jurou matar o pirata que fez isso com ela, mas ainda não tivera a oportunidade de reencontra-lo. E provavelmente nunca teria.

Cansada, a Capitã decidiu dormir e parar de sonhar com aventuras que nunca mais viveria. E em uma ultima olhada pro horizonte ela deixou uma lagrima escorrer. Deitou-se ao lado de Jane e adormeceu rápido, sonhando com a liberdade.

Assim que ela saiu da janela um navio de velas negras apontou no horizonte, em direção ao porto, seguido por outro navio que emergia do mar.