Petrion, o Dovahkin

Capítulo 4 - A fenda entre as dimensões


Os esgotos da cidade estavam mais frios e escuros do que quando entramos. Não havia luz vindo dos bueiros no teto. Parece que ficamos inconscientes tempo o suficiente para anoitecer, o que seriam umas 5 horas. Caídos no chão, ainda inconscientes, estavam meus amigos. O primeiro a acordar foi Pladius.

–Aaaaaaaaaaaai... Mas que porra que aconteceu aqui?

–Nem ideia, mas parece que sobrevivemos. E parece que dormimos por horas, já anoiteceu.

–Ótimo... Vamos acordar essas duas.

A última a acordar foi Shara. Após recobrar consciência e relembrar os últimos eventos, a Elfa Negra se debulhou em lágrimas.

–N-não pode ser... Mandis, Roben e até... – Seu lamento foi novamente engolido por suas lágrimas. Pladius e Izidor apenas inclinaram suas cabeças com pesar. – Snif. E Liand? Não o vi desde que entramos na cidade.

Essas palavras me causaram arrepios, pois me fizeram lembrar de meu sonho. Liand não estava lá.

–Eles estão bem. – Eu disse.

–Hã? Como você pode saber?

–Eu não tenho como explicar agora. Eu apenas... Sei.

De repente ouvimos um grunhido fraco vindo dos corredores escuros do esgoto e em um reflexo único nos posicionamos para batalha. Exceto Pladius.

–Que paranoia toda é essa? Galera, eu andei nesses esgotos minha vida toda e nunca achei nada que fosse realmente perigoso. Relaxem. – Dito isso, guardei minha espada e suspirei.

–Ok, vamos sair daqui, esse cheiro tá me matando... – mas quando tentei abrir o bueiro ele nem se mexeu. – Mas o q..?

–E você se diz um Dovahkin? – falou Izidor ao me empurrar para o lado. Ela socou a tampa do bueiro com tanta força que as paredes tremeram. Mas a tampa não cedeu. – Mas que por..? Tem um gigante sentado na gente?!

–Eu não acho que seja peso o que está nos prendendo aqui...

–E o que você sugere que a gente faça Dovah NUZ? – Ela perguntou desafiadoramente.

–Eu... Enfim, parece que nossa única opção é seguir pelos esgotos. Esperar aqui não vai ajudar. – Todos concordaram e começamos a andar assim que Shara conjurou uma esfera de luz. Estranhamente a luz parecia lutar para não ser suprimida pelas sombras. Depois de andar por um tempo ouvimos outro grunhido, dessa vez um mais alto.

–Pladius, você tem certeza de que nunca encontrou nada aqui não é? – Ele, que estava nos guiando, se virou, andando de costas e respondeu:

–Estou te falando, são provavelmente ecos de água caindo ou um rato grande. De uma forma ou de outra, não tem absolutamente nada que... – Foi aí que eu vi. O brilho refletido de uma lâmina, pairando no ar próximo a um par de olhos amarelos, inexpressivos e sem pupilas, observando as costas de meu amigo. Subitamente, a uma velocidade estonteante, a criatura atacou o pescoço do ladino. O segundo seguinte se passou lentamente. Não havia tempo para protegê-lo. Tempo. Essa palavra ressoou em minha cabeça, vibrando pelo meu corpo, fervendo meu sangue e tomando controle de meus membros, forçando pela minha garganta as palavras que ecoavam antigas como a Terra na minha cabeça:

–TIID KLO UL! – E então tudo parou. Quase. Tudo e todos a minha volta se moviam a uma velocidade mínima, quase imóveis. Eu quase pude sentir o fluir do tempo em minhas mãos. Minha atenção se voltou para o monstro. Não sabia quanto tempo A Voz iria durar, então precisava tirar Pladius de perigo. Eu o empurrei, mas ele estava rígido. Então usei minha espada para desviar o golpe. Assim que ficou claro que Pladius estava a salvo o tempo voltou ao normal. A força que eu fiz para empurra-lo se manifestou toda de uma vez e ele foi lançado contra a parede e o monstro passou direto chocando-se contra o chão. Ao perceber que estávamos sob ataque, Shara adiantou sua esfera de luz para iluminar o inimigo. O que vimos foi um vulto negro, disforme, de tal forma que seu corpo parecia se retorcer a todo o momento. Seus olhos amarelos não tinham pupilas e de seus... “braços” saíam lâminas e garras afiadas e imaculadamente limpas. O ser parecia sair do chão, se fundindo com as sombras que dominavam o lugar. Apesar da luz, a criatura não produzia sombras. Antes que eu dissesse qualquer coisa, três facas e uma esfera de madeira em chamas passaram ao meu lado. Pladius havia pegado sua adaga e Izidor corria furiosamente com suas espadas em punho.

Ao me voltar para a pilha de sombras a minha frente, golpeei um de seus membros e o cortei fora e a assassina deu um salto mirando seu ataque entre os olhos do monstro. A espada dela ficou presa e nesse momento o feitiço de Shara ficou pronto. O ser tentou esfaquear Izidor com seu outro “braço”. Eu aparei o golpe, mas fui desarmado no processo.

–Izzy, sai daí! AGORA!

Ela finalmente conseguiu libertar sua espada, caindo pra trás devido a força que tinha feito. Nesse exato momento Shara conseguiu uma mira limpa e sua bola de fogo (uma genuína, feita inteiramente de fogo desta vez) atingiu a criatura em cheio fazendo-a se debater e grunhir um som alto e angustiante, como eu nunca havia ouvido. Ferida e em clara desvantagem, a Sombra, como passamos a chamar esses seres, se retirou para a escuridão e desapareceu, deixando para trás a parte mutilada de seu corpo, que começou a se desintegrar e se fundir à negritude que a magia de Shara era incapaz de iluminar.

Pladius ainda estava em choque, parado no mesmo lugar com sua adaga em punho. Então Shara deu-lhe um tapa na nuca.

–“Nunca achei nada que fosse realmente perigoso. Relaxem.” – ela disse em uma péssima imitação da voz do ladino. – Você quase foi morto seu idiota!

–M-mas eu não entendo! Eu andei por esses esgotos a minha vida toda e nunca vi nada parecido! O máximo que vi foi um rato grande como um cachorro...

–Certo... – Eu disse – Pense melhor da próxima vez. O Grito que usei pra salvar o seu pescoço me custou muita energia. Não vou poder usar a Voz por algum tempo. Você está bem?

–Sim, graças a você. Foi mal.

–De boa. E você Izzy?

–Não pedi sua ajuda. Ele estava na minha mão e teria acabado com aquela coisa sozinha se não fosse por você.

–É. Ela está ótima.

–Por falar nisso, O QUE ERA aquela coisa?

–Não tenho certeza. Temos que achar uma forma de sair daqui para achar os outros.

–Você não sabe se eles estão vivos – Ela disse, cética – O que te faz acreditar que eles não foram feitos em pedacinhos outra dessas... coisas?

–Eu os vi. Não todos, Liand sumiu.

–O que?! Como? – Perguntou Shara.

–Em um sonho. Eles parecem estar em um lugar chamado Reino das Sombras. – Nesse momento ela caiu de joelhos. Com as mãos na cabeça ela disse:

–Isso é ruim... Isso é muito, muito, MUITO RUIM!

–Eu sei, eles estão em perigo, é por isso que temos que nos apress...

–Eu não estava falando deles. Nós não estamos mais na Terra, mas parece também que não fomos carregados para o Mundo das Trevas, ou não estaríamos nos esgotos. É pior. Os dois mundos se sobrepuseram e nós viemos parar em uma espécie de limbo entre as dimensões. Se os mundos se separarem e ainda estivermos aqui, seremos apagados da existência. Estamos em uma Fenda Dimensional.

Após derrotar a Sombra Viva no labirinto escuro que eram os esgotos da cidade, ouvimos um ruído vindo de uma tampa de bueiro, seguido de uma pequena chuva de poeira. De repente a tampa caiu do teto com um estrondo, deixando aberto o caminho para a superfície. Trocamos olhares nervosos e nos dirigimos à saída sem pronunciar palavra. Saímos do buraco com os olhos cerrados para que o sol não nos cegasse. Mas a luz não veio. Quando abri meus olhos, me descobri olhando para um céu cinza, com um sol negro. Eu parecia estar no Mundo das Trevas, mas os prédios e tudo mais a minha volta continuava exatamente como antes, o que provou a teoria de Shara de que não estávamos em nosso mundo nem em outro, mas entre eles.

–Parece que você estava certa Shara. Mas quanto de cada mundo veio conosco?

–Eu disse que estávamos em perigo por um motivo. Nós estamos nos dois planos simultaneamente, então estamos sujeitos a sofrermos dano de ambos os lados, mas não podemos interagir com aqueles que foram arrastados totalmente para o outro mundo. Ou seja, podemos ser mortos pela espada de um humano, ou pela lâmina de uma Sombra, mas só pudemos lutar contra a Sombra porque é natural dela viajar entre as dimensões.

–É, parece que qualquer humano com ressentimento contra nós vai ter uma vantagem injusta. – Concluiu Pladius com um sorriso torto no rosto.

–Sim. Temos que passar para o Mundo das Trevas o mais rápido possível.

–Por que não voltamos pra casa?

–Porque se o que Petrion viu é verdade, temos muita gente para salvar.

–Tudo muito bem, tudo muito bom, mas como, pela Mãe Noite, nós vamos mudar de dimensão? – Izidor perguntou.

–Temos que encontrar uma fenda – Shara começou a explicar – Eu percebi agora que as nuvens negras eram um feitiço massivo de transporte, mas com precisão e eficácia instáveis. Há uma chance alta de ter alguma conexão desprotegida em algum lugar, e é por lá que vamos sair.

–Alguma ideia de onde isso pode estar? – Perguntei – Como você disse, pode estar em qualquer lugar.

–Existem maneiras específicas de procurar falhas em feitiços, mas elas são diferentes pra cada tipo de magia, então vou precisar ir até a biblioteca. Talvez a gente encontre algo lá.

–Muito bem, agora que temos um plano vamos... – E tudo a minha volta ficou branco quando eu novamente fui puxado para a minha forma etérea no Mundo Negro.