Pele

Balde de gelo



Desejo


Sam ainda estava confuso e perplexo. Qual seria a melhor palavra? Excitado. Ele achou que sol demais e muita adrenalina estavam embotando sua percepção. Tomou um banho gelado e usou seu roupão, sem se incomodar com outras roupas. Pôs comida para descongelar e pegou suco na geladeira. Atirou-se no sofá da sala e ligou a TV para assistir uma maratona de sense 8. Na verdade nem prestou atenção ao que ocorria na tela. Seu pensamento estava longe. Em um certo loiro de olhos verdes, lábios cheios como fruta madura, voz rouca e sexy, um sorriso encantador. Segurando-o e atirando-o ao chão como se fosse uma pluma. Dominando-o completamente, como se fosse seu destino, ou uma força da natureza. Ainda podia sentir um leve odor de loção após barba e ... Old spicy? Sério? Sam sorriu. Dean parecia mesmo um homem das montanhas, mas afeito ao convívio com animais perigosos e monumentais. Era um macho alfa. Sem perceber começou a se tocar, e logo estava se masturbando e gozando diante da TV, gritando o nome de Dean, esquecido do microondas avisando que a comida estava pronta.

Após uma soneca, acordou lasso e tonto. Sacudiu a cabeça pra organizar as idéias e a imagem de Dean Winchester inundou a sua mente. O mesmo fogo de antes ameaçou joga-lo de volta no mundo de sensações e desejos incontidos. Já estava anoitecendo, e ele julgou que o vento frio da noite o ajudaria a acabar com aquele ardor que o consumia. Nem se incomodou com roupas decentes e pudicas. Foi só de roupão para a lage e aproveitou o máximo que pôde. O vento frio eriçou seus pelos e foi como um balde de gêlo sobre a chama do desejo que se alastrava em seu corpo. Por sorte não havia ninguém e tudo voltou ao normal.

Ao voltar para o apartamento, a verdade o atingiu como uma marretada: estava apaixonado. Isso era doce e trágico ao mesmo tempo. Amor. Que palavra fácil e inconsequente. E poderosa e demolidora. Não se incomodava de ter um amor homossexual. Nem ligava se fosse vítima de preconceitos por amar outro homem. Mas ele sabia que o amor não foi feito para ele. Tinha uma noção extremamente realista e exata de que nunca seria correspondido e amado da mesma maneira, e que só receberia um misto de piedade e benevolência misericordiosa, uma coisa que lhe dava asco. Então o que fazer? Tira-lo da mente e evita-lo. O que os olhos não vêem o coração não sente. Eles só tinham se visto umas 3 vezes. Seria fácil esquecê-lo.

Nos próximos dias tentou voltar a sua rotina solitária, mas nada apetecia sua alma ou o satisfazia. Encontrara Dean ao tentar se abrir para a vida, misturando-se às pessoas do mundo real. Por que não tentar novamente essa experiência de integração? Afinal a vida não é feita só de relacionamentos amorosos. Poderia simplesmente vagar por aí e observar os humanos em sua lida diária. Decidiu então sair e ir a um local novo, estranho e desafiador: o mercado de peixes.

Usou poucas roupas pois intuiu que o cheiro de peixe o impregnaria durante sua jornada. O ambiente de forte odor, barulhento e com homens fortes e intimidadores não lhe pareceu muito acolhedor. Sentiu náuseas e desconforto, mesmo assim, ele vagueou pelo local por uma hora. Encontrou um ou outro humano interessante, com suas roupas suadas, expondo músculos retesados, ou simplesmente pele flácida, curtida do sol, com manchas e cicatrizes, por vezes lembrando-o de sua doença. Ele registrou tudo com sua máquina digital. Se tivesse um canal no youtube, com certeza postaria um video desse passeio. Em uma ou outra banca perguntou sobre os peixes, coisas como o nome, o tipo de prato que se poderia cozinhar, preço, etc. Não comprou nada, exceto interação humana. Aos poucos ia perdendo o medo de dirigir a palavra, sustentar um olhar, e até mesmo suportou a curiosidade humana, nas vezes em que algum deles percebeu que ele tinha uma doença de pele.

Voltou para casa para banhar-se e trocar de roupa. A seguir rumou para o planetário. Videos e fotos espaciais para escolares bem poderiam alimentar sua ilusão de ser um alienígena no planeta terra. Quem sabe no sistema solar Trappist-1 poderia encontrar um planeta nas condições ideais para controlar sua doença? Afinal Psorya poderia ter um equivalente na realidade. Sentiu-se solitário, como se fosse o único de sua espécie. Um amigo como Dean lhe fez falta. É, mas não poderia se apaixonar por ele. Ou nutrir qualquer pensamento idiota de que fosse correspondido. Bem, pelo menos, parecia que finalmente se livrara do seu muso, porque ele não apareceu magicamente em todo lugar que ia. Nesse momento, como se fosse um espírito esperando uma invocação, o telefone tocou. Era Dean. Sam pôs o aparelho no mudo e ficou olhando o telefone chamá-lo insistentemente, até que desistiu, mas então o símbolo do voicemail indicou uma nova mensagem. Morto de curiosidade, Sam ligou para o voicemail, e então ele escutou a mais sexy voz do mundo convidá-lo para jantar. É claro, Sam não iria aceitar, mas isso foi o mais próximo que ele sentiu de ser cortejado e desejado.

Distante dali, Dean sentiu-se frustrado. Estava tão empenhado em sua campanha de salvação daquele homem do fundo do poço em que o encontrara, que o fato dele continuar evitando-o era desanimador. Ele se questionava se não estava sendo insistente demais. Afinal, todo mundo tem direito à privacidade e algumas pessoas eram mais introvertidas que outras. Vai ver Sam Mills precisava de mas tempo para se libertar do casulo em que vivia. Força-lo a viver mais socialmente talvez fosse errado, e tivesse um efeito oposto ao pretendido, e se ele se isolasse ainda mais, a culpa seria toda de Dean. Teria que respeitar seu espaço e seu tempo. Talvez eles se encontrassem de novo no futuro, mas Dean não iria mais forçar a barra.

Marcou um cinema com Lisa, e lá foram os dois enamorados agarrarem-se assustados ante à aparição de Annabelle. Dean ficou desconcertado por se distrair facilmente e seu pensamento voltar novamente para Sam Mills, fazendo-o se esquecer de sua linda namorada que demandava sua atenção. Por algum motivo inexplicável não quis compartilhar com ela sua experiêcia com o unabomber. Calculou que talvez ele e o grandalhão não voltassem a se ver e que não valia a pena alimentar um falso vínculo de amizade que nunca existiu, mas a lembrança de Sam seria só sua.