Paulina e Carlos Daniel - Perdoa-me

Deus poderia ser tão cruel?


Carlos Daniel dirige como um louco pelas ruas escuras da cidade. Seu peito bate freneticamente e ele só consegue pedir em silêncio que esse pesadelo acabe logo.

Na casa, Lizete conta a família o que aconteceu. Vovó Piedade, Adelina e Lalinha oram na sala em busca de respostas divinas. Carlinhos, desconhecendo e assustando a todos é pego em um dos corredores chorando baixinho.

Nada pode ser feito, não existem perguntas exatas para que as respostas sejam concretas.

Carlos Daniel chega a delegacia praticamente em estado de choque. Aos gritos ele adentra o lugar, jogando o celular na mesa implorando por fazerem algo.

O dia começa a amanhecer. As olheiras se formam debaixo dos olhos dele e as lágrimas acabam formando um nó em sua garganta.

"Por favor Deus... Nossa história, nosso amor... Não pode acabar assim."

—Senhor Bracho!

O delegado Contreras aparece em sua porta com uma folha em mãos e antes de seu cérebro voltar a funcionar, Carlos Daniel já está em uma cadeira frente ao senhor.

—Não conseguimos rastrear com precisão a localização da chamada que o senhor recebeu. Sabemos que se encontram em média há uns 190 km daqui. Porém, não podemos realizar deslocamento sem a precisão. -informa temeroso.

Quanto mais o delegado falava, mais a angústia no peito de Carlos Daniel crescia. Eles deveriam estar preparando-se para levantar, tomar café com a família e simplesmente serem felizes... Tão felizes como estava sendo nos últimos tempos.

—Sinto Muito, Senhor... Tentamos efetuar uma chamada codificada aos números que foram realizado o contato mas não tivemos retorno nem disponibilidade de rastreamento. Ele parece estar usando um número por vez.

—O que posso fazer para ajudar? Não posso ficar sentado esperando por notícias... -Vocifera Carlos Daniel. -Ela gritou meu nome, eu ouvi na chamada... Ela realmente está em perigo!

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"Como posso pensar em minha vida sem ver meus filhos crescerem? Como posso pensar em não ver os passos de Lupe? Quero ver Lizete e Carlinhos se Casando... Quero ver meus filhos pessoas de bem... Quero envelhecer ao lado do homem que amo, rodeados de netos e felizes... Como posso pensar que tudo isso, todos os nossos desejos mais almejados podem estar mais distantes do que nunca?"

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Paulina acorda mais uma vez com o arder do relho em sua pele.

—Pensei que não despertaria mais... -Diz Diego largando o relho ao chão. Os dois homem seguem ao lado dele mirando com respeito ao homem cada agressão dele ao corpo de Paulina. -Pensei que já estava morta... Fico feliz que isso não aconteceu.

Aquele sorriso tão assustador reaparece e apenas o temor late no peito daquela mulher praticamente sem esperanças.

Nenhuma palavra sai de sua boca, ela já não é capaz de protestar, de amaldiçoar... sequer é capaz de implorar por piedade.

—Sabe Paulina... Acordei bonzinho hoje.

O diabo em forma de gente caminha ao redor do corpo dela e baixinho sussurra em seu ouvido:

—Vou lhe soltar por exatos 15 minutos. Será o tempo para que possa pensar o que quiser, relaxar talvez... Como quiser. Deixarei comida e água pra você.

Ficando outra vez ao alcance dos olhos dela ele apenas conclui.

—Não faça nenhuma gracinha. Preciso de você bem para o que vem a seguir... O show não pode parar, querida.

Um dos homens sai do galpão e regressa com um pão e um copo de leite, largando-o sobre a mesa já vazia.

Diego se afasta e os dois homens lado a lado desatam os pulsos de Paulina.

Seu corpo cai com um baque seco ao chão e um grito escapa de seus lábios.
A dor rasga por cada centímetro de pele.

—Vamos lá, Bracho... Levante daí... Vamos brincar um pouco.

As lágrimas escorrem dos olhos de Paulina intermináveis e pesadas.

Diego se aproxima e empurra o corpo dela sobre as cinzas da fogueira da noite passada.

—Levante, querida... Estamos loucos por ver você de pé.

—Vá para o inferno. -sussurra Paulina mais para ela do que para que ele escute.

Antes que ela possa pensar em algo, ele pisa forte sobre suas costas e a joga com o peito no chão, prendendo-a. Um dos capangas toma o lugar de Diego e ele agarra mangueira, molhando-a sobre as cinzas.

Como se não bastasse, levantando-a pelos cabelos eles a prendem pelos pulsos outra vez enquanto Diego observa tudo ao longe, segurando o relho em mãos.

—Quer brincar, Paulina? Vamos brincar, então.

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Era aproximadamente meio da tarde quando o celular de Carlos Daniel vibra no colo dele. O copo de café é esquecido e ele tembla ao ver Paulina ainda pendurada, coberta de uma sujeira escura, hematomas e sangue no rosto. A imagem lhe parte o coração, a alma... Lhe corrói por dentro.

Quando ele pensa em levantar para dizer algo, uma nova mensagem aparece na tela. Um vídeo é iniciado e tudo parece desabar. Paulina grita em desespero enquanto um dos homens a puxa pelos cabelos e o outro bate em seu corpo com o relho. Se não bastasse, o jato de água fria é direcionado para a pele dela, limpando a sujeira e dando a Carlos Daniel -e agora os policiais ao seu redor- dimensão do estado de Paulina.

—Pelo Amor De Deus! -Grita. -Eles vão acabar matando-a! Menos de um minuto de vídeo e um sofrimento incapaz de ser medido.

Antes que algo mais possa ser dito, uma das policiais entra a passos largos na sala de espera.

—Consegui a localização. -diz esperançosa. -Busquei mais uma vez os dados de Diego e acabei procurando por seus familiares também. O falecido pai dele era dono de uma fazenda que praticante foi abandonada após sua morte. Pelo que encontrei, Diego e o pai não se falavam há 20 anos. O local se encaixa nas imediações do rastreio.

Carlos Daniel praticamente não respira. Dizer que Paulina foi encontrada seria vitória demais, seria esperança demais depois do que acabara de ver.

O sol começava a se pôr quando toda a equipe de busca estava pronta. Neste meio tempo, Carlos Daniel ligou para casa e informou que o paradeiro de Paulina foi descoberto.

Depois de quase duas horas de estrada e mais uma hora de caminhada, o coração desesperado de Carlos Daniel não consegue pensar nada além de acreditar que tudo vai ficar bem, que ela vai ficar bem.

Já nas proximidades, ele é obrigado a vestir um colete e ficar mais distante dos policiais armados.

Mesmo relutante, ele acaba aceitando.

De repente, totalmente fora de controle e do planejado, um tiro ecoa ao redor das árvores e logo o som de uma explosão vem acompanhada com a claridade em meio a escuridão.

Carlos Daniel no mesmo instante corre junto a um dos grupos de policiais em direção ao som. Ao se aproximarem obrigam ele que fique distante. Paulina grita em desespero enquanto as labaredas sobem pelas paredes do lugar.

Descontrolado ao ouvir os gritos de sua mulher, ele não consegue manter a calma.

—Como pode esperar que eu fique parado aqui sabendo que ela está lá dentro?

Como se todos os sons ao redor desaparecessem, os gritos de Paulina cessam em meio aos estalos dá madeira queimando.

Olhares preocupados são trocados pela equipe e Carlos Daniel simplesmente ignora tudo e entra no lugar.

A primeira coisa que ele vê é o Corpo de sua esposa pendurado como nas fotos. Como se nada mais existisse, ele corre em direção até ela mas é impedido quando Diego sai do fundo do galpão com seu clássico sorriso dos infernos e um revólver em mãos.

—Chegou bem na hora do Show, Dan.

As pernas de Carlos Daniel parecem amolecer por dentro. Seu peito ameça explodir enquanto seus olhos não se desviam de Paulina, sua doce e amada esposa em uma situação tão desastrosa.

—Deixe-a ir... Por Favor Diego... O que queres que eu faça para que a solte? -implora Carlos Daniel vendo as labaredas possuírem as paredes aos poucos.

—Quanto amor, quanto amor... -diz Diego mirando Paulina. -Sabe Bracho... Estava pensando... Entendo o que te fez se apaixonar por essa mulher... Ela realmente é linda.

Com passos lentos, mirando Carlos Daniel, Diego se aproxima de Paulina e acaricia seu corpo machucado.

Carlos Daniel em fúria, ameaça se aproximar dela mas trava totalmente quando ele ergue o revólver e o apoia ao debaixo do queixo de Paulina.

—Se eu fosse você, ficava quietinho aí...

Ele pára remoendo-se sem saber o que fazer.

—Como eu dizia... -segue Diego. -Ela realmente é linda... Seus gemidos... Cada som, cada lágrima... Foi lindo. Uma pena você não ter visto tudo no vídeo... tive que parar de filmar... não pude terminar o vídeo pra você. Mas, sem dúvidas posso lhe adiantar que ela estava maravilhosa aos gritos enquanto eu socava dentro dela.

—Seu Desgraçado... Infeliz. -Vocifera Carlos Daniel.

—Obrigado por tantos elogios, mas... -Sem pena alguma, Diego afasta as pernas de Paulina e desliza o revólver por sua pele, parando exatamente entre o meio das pernas dela.

—Vamos Fazer um acordo. -conclui.

—Fale de uma vez...

—Você Irá lá na rua, vai falar com seus amiguinhos, retira-los daqui, todos eles... Então, depois disso, penso em soltar tua amada.

O peito de Carlos Daniel falha uma batida.

—Eu os retiro daqui e você a solta.

—Se qualquer coisa sair errada, você demorar a tirar esse idiotas daqui, além de levar um tiro na nuca, tua amada vai carbonizar aqui dentro. Já fiz o que eu queria com ela... Ela pode voltar pra você... Ou eu a mato. Você decide. Pense Bracho... Ande de uma vez.

Sem saber o que fazer e sem mais opções, Carlos Daniel sai do lugar deixando todo mundo apavorado e furioso.

—Você não devia ter entrado! -Grita o Delegado.

—Diego está ali. Vocês precisam sair daqui, ou ele a mata. Deixem ele ir... Prefiro ele solto do que minha mulher morta... Por favor... Por favor. Vai desabar tudo em chamas aqui... Por favor...

—Você tem 3 minutos... Não podemos esperar mais.

Carlos Daniel corre para dentro do galpão, encontrando Paulina jogada ao chão e Diego de pé ao lado dela.

Seu corpo trava pela milionésima vez desde que esse inferno começou.

—Então? -Pergunta Diego se agachando e acariciando os cabelos de Paulina.

—Você tem 3 minutos.

—Quando eu sair daqui por aquela porta, -Diz Diego apontando o fundo escuro do galpão. -Você pode se aproximar dela. Do contrário, atiro em vocês dois.

—Certo. Agora saia daqui!

Os passos de Diego parecem lentos aos olhos de Carlos Daniel. Além dos estalos da Madeira, o único som que sua mente absorve é o latir do seu coração praticamente clamando o nome de Paulina.
Diego some na escuridão levando com ele seu sorriso de diabo e sem mais pensar Carlos Daniel corre até ela.

—Lina... Por Deus... Paulina...

Seus dedos trêmulos desatam as cordas enroladas ao seu pulso revelando os cortes.

Antes que ele pense mais, vendo o estado do lugar prestes a desabar e o modo como ela está, Carlos Daniel a ergue nos braços e corre para fora dali.

Seu mundo parece cair quando uma equipe armada vem em direção a ele e ameaça tira-la de seus braços. Ele não a solta e uma coberta é jogada sobre o corpo de Paulina.
Carlos Daniel senta ao chão, encostado a uma das viaturas quando uma equipe médica corre até ele, verificando os sinais vitais dela.

—Precisamos tira-la daqui... Está muito fraca. -Diz um dos médicos.

O inferno seria pouco comparado a angústia que se espalha dentro de Carlos Daniel.

Vinte minutos se passam e Paulina se mantém desacordada. Uma das viaturas chega até o local para que possa levar Paulina até o hospital enquanto a equipe de polícia realiza uma ronda total pelo lugar em busca dos homens envolvidos.

Carlos Daniel entra na viatura com ela ainda desacordada e nos seus braços.

O trajeto até o hospital parece não ter fim.

Assim que chegam ao hospital uma equipe médica espera.

Um dos médicos conversa com Carlos Daniel enquanto retiram Paulina de seus braços e a levam para dentro. Devido a fumaça e risco, Carlos Daniel também é examinado e em poucos minutos Senta-se a sala de espera por noticias de Paulina.

Sua mente se da conta de que precisa avisar a familia. Quando olha o relógio, percebe que passa das duas da manhã, mas mesmo assim realiza a chamada. No terceiro toque, Carlinhos atende.

—Pai?

—Sim filho.. Sou eu.

—Pai, a mamãe...

—Sim... Estamos no hospital. Não tive resposta dos médicos ainda... Mas... Ela ainda está desacordada. Ninguém falou comigo ainda... ela está muito fraca.

Carlinhos cai no choro do outro lado da Linha e o pai não é diferente.

—Você conhece a sua mãe, ela é quase uma mulher maravilha. -diz ele com um sorriso em meio as lágrimas.

—Eu sei.

—Te amo, filho. E avise todos por aí.

—Não deixe de ligar, estarei esperando notícias. E... Pai?

—Sim?

—Desculpe pelas coisas que lhe disse... Sei que muitas palavras lhe machucaram profundamente, e... Bem, eu percebi que a vida não funciona assim. Amo você Pai, amo a mamãe e... Fui um egoista preocupando-me apenas com os meus sentimentos. Em um passado não tão distante te disse coisas horríveis e... Peço que me perdoe.

Carlos Daniel se cala. Não existe muitas palavras a serem ditas.

—Filho, seu avô me disse um dia, sua avó também, e agora... Bem, digo a você. Independente do ato, amor de pai e filho é um laço interminável. Posso não concordar com seus pontos de vista, pode não ser o que eu esperava, mas... Nunca vou te amar menos. Você só vai entender isso quando tiver os teus filhos. Não tenho o que lhe perdoar... Acho que nós dois aprendemos a lição.

Um silêncio se estende na linha. Em meio a tanta dor, um pequeno brilho nasce no peito de Carlos Daniel.

—Assim que tiver notícias ligo novamente.

—Certo.

—Cuide de seus irmãos.

—Tudo bem.

Carlos Daniel desliga a chamada e quase como se fosse um choque de realidade, as lágrimas voltam para seu rosto.

Tudo estava em um paraíso perfeito. Sua família estava outra vez completa. Seus filhos mais velhos estavam se tornando pessoas de bem, os caçulas estavam cada vez mais espertos, e a pequena Lupe... Essa era o renascimento de tudo. Tudo começou com uma tragédia, uma mentira. Um ato de descontrole e mais dois anos de dor e sofrimento para uma família. A família deixou de ser família, o amor virou rancor e a angústia continuou fazendo seu papel. Mas, como dizem, o mundo gira... E ele girou. Girou tão intenso quando o brilho que aparece nos olhos de Carlos Daniel ao ver sua mulher lhe confessar amor. Girou tão cheio de promessas quanto quando ela observa o jeito em que ele lhe desperta em todas as manhãs. Girou.. trouxe de volta dores, desespero... Batalhas... E claro, uma vitória. Um momento vivido apenas com o coração deu vida a um pequeno ser que hoje Carlos Daniel chama de Filha.
Paulina implorou a todos os céus que aquilo não podia ser real... Mas era. Vivia dentro dela, tanto a bebê quanto seus sentimentos por ele. Mesmo ferida, acreditando em suas promessas, ela se deixou levar pelas palavras bonitas de Carlos Daniel; E bem, ele nunca lhe mentiu. Curou cada uma daquelas feridas, apagou cada uma das pésimas lembranças e não deixou em momento algum ela esquecer o quando ele a ama, o quanto é grato por sua existência e sua reciprocidade.

Saindo de seus devaneios, Carlos Daniel levanta e vai até a lanchonete do hospital em busca de mais um café duplo.
Regressa, senta no mesmo lugar e não consegue pensar como seu dia teria sido diferente se ele tivesse insistido mais para que ela ficasse na cama com ele naquela manhã. Ele tinha pensamentos tão intensos na mente... Desejos tão atrevidos e que só queria viver com ela. Reviver cada um deles apenas nos braços dela. Podia ter sido diferente, mas não foi. Relembra o último beijo, as carícias no corredor e o jeito como ficou vermelho o rosto de sua amada quando Lizete os pegou desprevenidos. Ela se foi... Foi para provar o vestido de seu casamento e não regressou para o almoço e muito menos para seus braços no final da noite.

Agora a dor era simplesmente um buraco em seu peito que apenas crescia sem notícias dela. Sua mente não conseguia parar de relembrar o vídeo, as fotos, todas as palavras de Diego e muito menos a maneira como juntou seu corpo inconsciente do chão.

Deus não podia ser tão cruel fazendo isso depois de tudo.