Paulina e Carlos Daniel - Perdoa-me

-Acha que eu serei a mesma? Não, você se engana...


O sol começa a raiar lá fora mais uma vez quando o médico chama o nome de Carlos Daniel.

—Como ela está?

—Acaba de despertar, e sim... Está bem.

—Graças a Deus... -agradece Carlos Daniel aos céus.

—Senhor... -interrompe o médico. -Devo informa-lo que encontramos resquícios de Clorofórmio e Ketamina no organismo de sua esposa.

—O que seria isso?

—O clorofórmio é um anestésico volátil bastante tóxico, não mais utilizado na medicina. Provavelmente foi o líquido usado para ceda-la após o sequestro. -Explica. -Já a Ketamina é um forte anestésico, muito utilizado para anestesiar cavalos.

Carlos Daniel fica pálido.

—Olha Senhor, não quero que se assuste, mas uma dose a mais de Ketamina e ela poderia ter sofrido uma parada cardiorrespiratória. Estamos controlando todos os sinais vitais dela. Ela está confusa e cheia de perguntas. Tenha calma e explique a ela apenas o necessário por hora. Assim que o restante dos exames estiverem prontos, lhe chamo para conversar.

O Doutor leva Carlos Daniel até o quarto de Paulina.

Os olhos dele pinicam ao ver sua amada recostada a cama praticamente irreconhecível. Um curativo na testa, o hematoma se formando ao redor da boca, o iv com soro introduzido em seu braço e os punhos enfaixados.

—Oi... Oi meu amor.

Paulina o mira por um breve instante e então as lágrimas grossas e pesadas voltam a correr por sua face.

Carlos Daniel se aproxima e então agarra suavemente a mão de sua amada.

—Como se sente? -pergunta sem saber o que dizer, como agir, o que fazer sem poder toca-la.

Paulina nada diz... Seus olhos se fecham com força e as lágrimas escorrem enquanto ela tenta em vão não chorar.

—Hey meu amor... Hey.. está tudo bem... Já passou, acabou.

—Fiquei com tanto medo... Tanto medo... -diz ela baixinho, os lábios trêmulos.

—Eu sei... Mas acabou. Você está aqui, está segura, já acabou.

Carlos Daniel acaricia o rosto dela e as lágrima já se fazem presentes em seu rosto também.

—Fiquei com muito medo de te perder... Todos nós ficamos. -Confessa ele alisando os cabelos dela.

—E Manuela? -pergunta aflita.

—Ela está bem. Um pouco em choque, confesso, mas bem.

—E... ele?

Carlos Daniel respira fundo, busca as palavras em um lugar que não conhece mas não as encontra.

—Fiz um acordo com ele. -Diz.

—Acordo?

—O que você lembra?

—Ele me bateu... -Diz baixinho. -então largou o chicote e mexeu em uma bolsa jogada no chão. Só lembro dele jogar gasolina pelo galpão, deixar um galão ao chão e atear fogo. Gritei, mas logo depois senti a agulhada em minha coxa e praticante mais nada. Lembro do fogo... Da dor...

As lágrimas parecem incessantes no rosto dela. Carlos Daniel seca seu rosto com cuidado e deposita um beijo em cada um dos lábios de sua amada.

—Vou poder ir pra casa logo? -pergunta ela.

—Infelizmente não, amor meu. Vai demorar um pouco.

Paulina suspira e então fica mirando-o por um determinado tempo.

Em sua mente, a dor se mistura com a angústia, o nervosismo, o medo e a duvida de não saber o que fazer, o que dizer.

—Você vai contar-me o que aconteceu por fim ou não? -questiona ela limpando a garganta, engolindo o choro.

—Você precisa mesmo saber? -diz ele praticante cuspindo as palavras, soltando os dedos dela. -Precisa mesmo saber disso agora?

—Eu estava lá, Carlos Daniel. Eu vivi aquele inferno sei lá quantas horas. Acho que sim, eu preciso e tenho direito de saber o que aconteceu de verdade comigo!
Paulina praticamente grita.

—Lina... Eu... Sinto muito, sinto muito. -Chora ele. -Eu só não queria te fazer relembrar isso, queria que pudéssemos esquecer por algumas horas, sei lá...

—Carlos Daniel... -interrompe ela. -Olhe como estou... Olhe como está meu rosto... Meus braços...

Paulina respira fundo e então agarra novamente os dedos dele.

—Eu não vou conseguir esquecer. Preciso saber... Preciso que me diga o que aconteceu enquanto eu estava desacordada.. por favor, meu amor.

Carlos Daniel encara ela com certo temor, como dizer que deixou que ele fosse embora?

—Fizemos um acordo.

—Você já disse isso. Que acordo?

—Ele deixava você livre e eu e a polícia o deixaria também.

—Vocês... O quê? Ele...

—Eu não podia arriscar, meu amor... Não podia arriscar te vendo daquele jeito. Você acabou de falar... Olhe como você está...

—Onde estão nossos filhos? -pergunta ela inquieta.

—Em casa, mas...

—Ligue para casa... Não deixe que eles saiam...Por favor Carlos Daniel... Por favor... Os nossos filhos...

Paulina chora em desespero. As mãos tremem e implora com os olhos que Carlos Daniel faça algo.

—Hey... Hey... Está tudo bem. Acalme-se meu amor... Por favor. Não vai acontecer...

—Não vai acontecer o quê, Carlos Daniel? O que não irá acontecer? Já aconteceu! Deixei que aquele imundo saísse livre de todo o inferno que vivemos... Saia daqui, saia Daqui... Por favor, me deixe sozinha...

Carlos Daniel não se moveu um passo. Não conseguia entender o que se passava na cabeça de Paulina. Ele sabia o quão horrível, traumatizante e desgastante tudo ocorreu... Mas... Ele? Contra ele?

—Por Favor... Por favor... Me deixe sozinha. -implorou entre lágrimas.

As miradas do casal se encontrou em um breve momento quando Paulina suplicou que ele a escutasse.

No momento, além de estar com o coração partido, ele ardia por não entender o que se passava.

—Paulina, eu... Jurei que não ia te deixar, e que...

—Nós juramos muita coisa, muita coisa Carlos Daniel. -interrompe ela. -Mas você acha mesmo que eu vou seguir bem sabendo que o cara que destruiu minha vida, renasceu do inferno apenas para me sequestrar, torturar e me estuprar está solto? Acha que serei a mesma? Não... Você se engana... Preciso pensar... Por favor... Respeite meu tempo.

Abalado por fora e destruído por dentro, Carlos Daniel sai da sala com lágrimas nos olhos e o coração na mão.

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Paulina chora descontrolada quando Carlos Daniel sai porta à fora. O que ela mais desejava naquele momento era simplesmente se aconchegar ao peito dele, sentido seu cheiro e acreditar mais uma vez que aquilo foi só um pesadelo.

Ter dúvidas do que aconteceu com seu corpo enquanto estava desacordada era o que mais atormentava Paulina. Os hematomas falavam mais do que ela gostaria de saber. A cólica que ela sentia não era normal e a preocupava. Os músculos ainda doíam de forma intensa, mas nada comparado com ficar pendurada em um galpão vazio. Ela sabia o que viu... Sabia o que aconteceu enquanto sua mente estava acordada... Mas... Drogada... Não foi a mesma coisa. Foi como ser morta e reviver diversas vezes.

A manhã começa a se arrastar e Paulina fica no hospital sob o cuidado dos médicos. Depois de uma medicação para a dor nos músculos, ela apaga de cansaço.

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—Ela simplesmente me pediu pra ficar sozinha... -conta Carlos Daniel a Manuela.

—Carlos Daniel... Eu...

—Manuela, eu estou apavorado. Se não bastasse, tudo indica realmente Diego abusou dela.

As lágrimas escorrem do rosto de Carlos Daniel como cachoeiras.

—Teremos que esperar o laudo dos exames... Não adianta se martirizar por isso.

—Você sabe o que vivemos... Sabe o inferno que foi... Não posso deixar as coisas assim.

—Carlos Daniel... Você precisa descansar...

—Não posso, tenho que...

—Não tem nada. -interrompe ela. -Você vai tomar um banho, comer algo e vai dormir. Irei para o hospital ver como ela está e falarei com ela, certo?

—Eu...

—Vá descansar... Você precisa.

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Manuela chega ao hospital e vai diretamente falar com o médico. Ele não diz a ela nada além do que informa a Carlos Daniel e logo ele a leva para o quarto de Paulina. Quando ela entra Paulina ainda está dormindo. Manuela não consegue controlar o que sente ao ver sua amiga em um estado tão frágil.

Sentada ao lado de Paulina, Manu deixa de as lágrimas que não caíram enquanto ela estava desaparecida, sejam colocadas para fora.

—Hey... Já estou bem.

—Lina...
Manu não se contém. Chora simplemente segurando a mão da amiga.

—Fiquei com tanto medo de perder você Lina...

—Vou ficar bem logo, logo.

Paulina e Manu se encaram por um tempo. Paulina sabe que ela está cheia de perguntas carregadas de preocupação. Também sabe que vai perguntar sobre Carlos Daniel...

—Você não está bem... Eu te conheço. É óbvio que depois do que aconteceu você não está bem. -Diz Manuela encarando-a.

Paulina apenas baixa o olhar e por um momento breve, buscando forças no além olha seu soro gotejando.

—Você quer conversar?

As lágrimas vem antes que as palavras cheguem.

—Ow Lina...

—Eu não sei o que fazer Manu... Não tenho como ficar bem sem saber o que realmente se passou lá... Ele disse que ia fazer... Ele disse que ia tirar de mim de qualquer jeito o que de um jeito fácil ele não conseguiu há mais de três anos... e... Eu estou toda dolorida. Estou com medo. Estou preocupada por ele estar solto, estou com raiva por tudo o que ele fez. Raiva, ódio... Tudo. Acho que nunca tinha realmente vivido e criado sentimentos ruins dentro de mim, mas agora... Eu sinto por ele uma coisa tão ruim.

Paulina chora como se tentasse colocar toda sua dor para fora através de lágrimas.

—Queria tanto poder te dar um abraço... -murmura Manu.

—E eu a ti.

As duas se entreolham e esboçam um pequeno sorriso de conforto.

—Você não comeu o seu café. -protesta Manu.

—Não consigo comer... Não desce.

Manu repensa as palavras para dizer mas nada parece se encaixar. Como sempre, independente, ela prefere usar a franqueza.

—O que aconteceu com Carlos Daniel por aqui?

Paulina respira fundo e então se dispõe a falar.

—Ele me disse que tudo ia ficar bem... E eu acabei me descontrolando. -confessa.

—Como assim, se descontrolou?

—Como você acha que estou me sentindo sabendo que outro homem me tocou enquanto meu marido me chama de amor e me olha nos olhos?

—Lina... Não!

—Manuela... Eu não consigo. Estou me sentindo suja, estou... Com nojo de mim.

—Lina... Você não transou com ele por livre e espontânea vontade. Ele te drogou...E outra coisa, nem temos o laudo médico pra confirmar que isso aconteceu. Ainda não, pelo menos. E se aconteceu... Foi um abuso. Pelo amor de Deus...

—Ele disse que faria, Manu...

—Mas... Onde mais que o Carlos Daniel entra nisso?

—Olha... Eu sei que ele deve estar pensando que sou a pior pessoa do mundo, que... Não sei. Eu estou me sentindo a pior pessoa do mundo.

—Você acha mesmo que Carlos Daniel deixaria de te amar pelo que aconteceu?

—Eu não sei...

—Lina... Pelo amor de Deus, não se julgue tanto. -repreende Manu. -Ele me contou o que te falou, e bem... Você sabe quem te tirou do galpão?

Paulina move a cabeça em sinal de negação.

—Sabe quem te tirou de dentro do galpão, quem estava até agora sem dormir, desesperado?

Paulina nada diz.

—Foi ele Paulina.

Manu levanta da cadeira, serve um copo com água e o alcança para Paulina.

—Você está se julgando. E você está errada. Sei que não é o melhor momento para lhe dar sermões... Mas... Você não teve culpa de absolutamente nada do que aconteceu, entendido? Nada! Diego é um louco, doente mental. Converse com o Carlos Daniel... Fale pra ele como você está se sentindo.

—Eu não sei se...

—Lina... Olhe pra você. Você podia ter morrido. Você morreu mil vidas em dois dias... E... Está aqui. E ele está ali, pronto pra te fazer feliz.

—Eu acho que estou com medo, Manu...

—Medo?

—Passou tanta coisa em minha cabeça... Tanta coisa... Repensei como ficamos juntos, como tivemos nossos filhos... E eu não queria morrer ali. Não queria. Mas agora... Estou com medo de machucar ele. Eu vi nos olhos dele o quanto estava doendo nele me ver assim... Tanto quanto meu corpo dói.

—Eu sei...Mas você não pode julgar a dor dele diante de isso.

Manu senta e agarra a mão de Paulina outra vez.

—Você mesma me contou que a muitos anos atrás Carlos Daniel foi baleado.

—Sim. -relembra Paulina brevemente.

—E como você se sentiu com isso?

—Mal... Muito mal. Fiquei com medo de perde-lo. De nunca poder ser dele... De não poder dizer que sim, que o amava mais que a minha própria vida...

—Então. - interrompe. -É exatamente isso que ele está vivendo. Mais tarde ele vira aqui e então vocês podem conversar melhor... OK?