— Está tudo certo querida. Você vai sentir coçar pelas próximas horas, mas é parte da cicatrização. — Katara disse, usando os dedos para fixar as ataduras no rosto de Lin — Mas a cicatriz vai ficar.

A garota manteve o rosto fechado durante todo o tempo que passara na enfermaria da delegacia, mesmo quando Katara chegara para cuidar da afilhada e as enfermeiras pararam para assisti-la trabalhar. Não era comum que a esposa do avatar trabalhasse fora do seu pequeno consultório e muitas ali só tinham ouvido falar sobre ela, nunca realmente tendo a chance de vê-la trabalhar.

Talvez fosse por isso que algumas delas se reuniram um pouco distante, fazendo buchichos e comentando em tom animados, mesmo que baixo. A detetive tinha certeza de que logo que ela saísse, cairiam sobre a tia como pássaros sobre migalhas.

— Vai ficar tudo bem, Lin — disse a abraçando e beijando-lhe o topo da cabeça negra. Ela sentiu algumas poucas lágrimas grossas lhe molhando a roupa. — Vocês podem nos dar um minuto, por favor? — perguntou direto para as enfermeiras que apenas assentiram e começaram a sair com passos rápidos, mandando olhares brilhantes em direção a curandeira.

A porta nem havia se fechado ainda quando um outro agente apareceu, seguido por uma pessoa que Katara conhecia muito bem.

— Detetive Bei Fong — chamou o policial baixinho e ansioso, provavelmente era novo no cargo — A chefe gostaria de vê-la.

Lin secou os rastros úmidos com a palma da mão e saltou da maca para encontrar com a mãe sem dizer nada. Algumas gotas salgadas pareciam ter invadido o curativo e fazendo-o latejar, mas ela já não se importava aquela altura.

— Lin — ela ouviu o homem a chamando e então o abraçou brevemente, sentindo-o beijar os cabelos escuros — Como você está?

— Bom ver você, Tio Sokka — ela respondeu, se afastando de forma seca — Melhor não deixar a chefe esperando.

Ele a observou sumir no corredor antes de entrar na pequena sala, onde a irmã o encarava com os braços cruzados em frente ao corpo. Se aproximou com a mão na nuca e então beijou-lhe a bochecha de forma carinhosa antes de começar a falar sem graça.

— Oi mana, péssimo jeito de nos reencontrarmos depois de nove anos, não é?

Mas Katara não sorriu como ele gostaria e nem esperava por isso, mas não custava nada tentar.

A dobradora de água parecia até mais carrancuda do que Toph, que estava mais Katara do que nunca. O que havia acontecido em Cidade República nos últimos nove anos?

— Então você volta depois de todos esses anos e vem primeiro ver a Toph? — perguntou, o encarando séria.

Então a questão era ciúmes puro e simples. Sokka sentiu vontade de rir com aquela reação, claro que o relacionamento das duas sempre fora um cabo de guerra entre a amizade e a competição, mas nunca imaginou que ele seria parte de uma das disputas no fim das contas, principalmente entre duas senhoras entrando em sua meia-idade. Ainda mais que fora a própria irmã que o havia pedido para isso.

— Foi você quem me pediu para conversar com ela — respondeu, erguendo as duas mãos em forma defensiva. Estar perto de uma Katara irritada poderia ser pior do que qualquer coisa que ele já enfrentou antes, mesmo que uma frota de dirigíveis da Nação do Fogo.

— E custava visitar a família antes? — perguntou, abraçando-o — Nós sentimos a sua falta. Bem… Eu, o Aang e o Tenzin, já que Bumi e a Kya sairam de casa.

— Como vocês estão? — ele perguntou, olhando para a porta, preocupado com o que poderia estar acontecendo há apenas algumas salas dali.

— Bem, mas é muito silencioso sem os dois.

— Você sente falta das brigas? — perguntou o irmão, se sentando em uma cadeira próxima.

Em parte a pergunta era por causa dos filhos, afinal Bumi, Kya e Tenzin eram um trio barulhento e os dois mais velhos pareciam ter uma tendência a implicar com o caçula mais do que o normal, mas também falava por eles. Afinal, ele mesmo sentia falta de ter a família por perto.

— Você sabe como é a vida com irmãos, brigas são fundamentais — respondeu, se sentando ali perto — Principalmente quando eles chegam na cidade e não aparecem para uma visita.

— “Brigas são fundamentais” — ele respondeu, coçando o cavanhaque em seu queixo — Você quer conversar sobre isso com a Toph?

— Acho mais tranquilo ter uma longa conversa com Azula sobre os velhos tempos — ela respondeu rindo, mas então o riso morreu entre eles.

Era bom estar de volta e então ele deixou que seus olhos passeassem pela sala até encontrar a porta que levava até a sala de Toph, quase como se pudesse ver a cena se passando de longe. Estava preocupado com suas meninas, todas as três. Havia estado preocupado pelos últimos nove anos e não estava aliviado agora.

— Como a Lin está? — perguntou Sokka, voltando a atenção para a situação toda.

— Ela passou por muita coisa nos últimos meses — respondeu, desviando os olhos para os próprios pés — Eu não sei nem se ela me queria aqui, mas não podia deixar minha afilhada sem a melhor ajuda possível. — ele assentiu sem muita vontade, havia ouvido algumas histórias — E eu também estou preocupada com a Su. — ela disse esfregando as têmporas.

— Toph falou com ela — disse Sokka — Parecia bem perturbada quando falou comigo, mas estava decidida a manda-la para Gaoling.

Katara não respondeu, apenas assentiu. Era uma vitória para ela, mas tinha um gosto tão amargo que mais parecia uma derrota.

~~ ~~

— Eu sei que você não está dormindo, Lin — disse Toph parada na porta, nem tinha tirado a roupa do trabalho ainda, mas precisava ver a filha antes qualquer outra coisa.

Estavam os quatro em casa. Sokka havia insistido em ir com elas da delegacia, Toph não tinha muita certeza de como ele poderia ajudar naquele momento, mas acabou cedendo, mais por si do que por qualquer outra coisa, ele podia ser alguém para estar ao lado dela no fim das contas.

Ela se aproximou, sentando na ponta da cama de Lin e lhe tocando os ombros de forma carinhosa.

— Como você está? — mas a mulher não respondeu, apenas se virou na cama, se afastando do toque da mãe — Sua irmã já está com as malas prontas, você não vai se despedir dela?

Lin apenas resmungou e então ela percebeu que outra pessoa se aproximava do quarto, parando no batente da porta com os braços cruzados sobre o peito largo.

— Lin, eu tenho um quarto vago em casa, se quiser passar um tempo lá — disse o homem com a voz ecoando pelo espaço pequeno.

Toph sentiu quando a filha se levantou da cama e então o metal voou pelo ar parando nas mãos da jovem, não podia vê-lo, mas podia senti-lo riscando o ar. Não era difícil saber que aquela era a chave do apartamento de Sokka, um lugar que havia ficado fechado pelos últimos 9 anos e então a garota se levantou em um salto, se afastando da mãe sem cerimônia.

— Obrigada, Sokka — ela disse, abraçando o homem, antes de sair do quarto e passar pela sala até estar do lado de fora casa sem nem falar com a caçula que estava sentada na sala.

Toph acompanhou os passos com algum interesse, mas mesmo que não tivesse a intenção poderia sentir os impactos com mais clareza do que qualquer outra coisa de tão forte que a garota pisava ao andar. Só por isso podia dizer que estava mais do que irritada.

Não demorou para que Suyin aparecesse por ali. A cara emburrada quando se sentou na própria cama do outro lado do quarto, batendo os pés no chão sem falar nada realmente.

— E você, Su? — perguntou a mãe irritada, queria brigar com Sokka pelo que ele havia acabado de fazer com Lin, mas Suyin havia atrapalhado — O que aconteceu?

— Lin saiu sem nem olhar para trás.

— Eu não vejo qual o grande problema disso — ela respondeu com uma risada e então se aproximou da garota — Você não pode esperar que ela te perdoe assim tão rápido, Su. Dê um tempo a sua irmã. — ela beijou os cabelos da menina e então se levantou, indo em direção a porta — E agora vá dormir, você tem uma viagem longa amanhã.

Ela virou as costas para a dupla no quarto e então se voltou para acrescentar.

— Sem escapadas a noite.

— E você vai me prender aqui? — perguntou, mais emburrada do que antes, cruzando as pernas e os braços em uma pose claramente defensiva — Qual a diferença da cadeia?

— Agradeça que você tem uma boa mãe que não vai te deixar descobrir — respondeu, trancando as janelas com dominação de metal.

Pela primeira vez na vida, Sokka pensou em como deveria ser difícil ser pai de um dominador, claro que Toph havia trancado as janelas da casa inteira, mas isso não impedia que Su dobrasse-as aberta outra vez.

~~ ~~

Ela podia sentir Sokka andando logo atrás dela enquanto ia em direção ao próprio quarto, precisava trocar de roupa e cair na cama para que aquele dia horroroso acabasse de uma vez por todas e quem sabe ela pudesse esquecer tudo aquilo.

— Eu não quero assunto com você — respondeu se virando para o homem a sua frente.

— Toph… — ele disse se aproximando dela — Você também precisa dar um tempo para Lin. Ela não é mais uma criança.

Ele nem teve tempo de terminar a frase antes de dar de cara com a porta se fechando em seu rosto. Sokka parou com a mão apoiada na madeira enquanto Toph continuava a falar de dentro do quarto.

— Ela é minha filha, eu decido até quando ela é criança.

— E agora você está falando como a sua mãe.

Houve um silencio mais longo do lado de dentro do quarto, enquanto ele esperava pela resposta que certamente viria. Toph não deixaria assim ser comparada a sua mãe, principalmente depois de ter tentando de tudo para ser diferente. Na verdade ele estava mesmo surpreso que ainda não havia sido enviado voando para fora da casa, talvez sua amiga estivesse finalmente amolecendo, a antiga Toph teria feito isso quando ele entregou as chaves a Lin.

— Eu odeio quando você tem razão — ela disse voltando a abrir a porta, os cabelos negros caindo ao redor do rosto sobre o pijama largo e mal fechado — Nenhuma das duas é mais criança e eu to falando como a minha mãe.

Ele esticou a mão para ajudar a arrumar os botões da camisa, mas então sentiu o chão se erguer sob o seu pé e logo em seguida sumir, fazendo-o cair. Ele havia sido pego completamente desprevenido, era uma armadilha tão clara, e antes que pudesse se orientar de novo, ela já havia se afastado mais uma vez.

— O que não significa que não vai pagar por falar isso.

Ficou apoiado sobre os cotovelos por um longo tempo, tentando aceitar que havia caído em uma armadilha tão óbvia. Ela podia ser cega, mas nunca colocava o pijama errado. Observando-a escovar os longos cabelos negros antes de voltar a se levantar.

— Eu vou para casa ver se Lin precisa de alguma coisa — ele respondeu, beijando o topo da cabeça com carinho — Antes que você me mate.

— Não! — ela respondeu, puxando o braço do homem com as duas mãos e o fazendo voltar para perto, envolvendo os braços na cintura dele — Fica comigo essa noite, por favor. Eu não quero dormir sozinha.

Ele se pegou questionando se aquela não era mais uma armadilha, com Toph era sempre bom estar atento. Mas ela parecia tão vulnerável com a cabeça encostada em seu ombro e os braços em volta dele, talvez não fosse uma armadilha ou fosse alguma que valesse cair.

— Tudo bem — disse, retribuindo o abraço.

Não demorou para que se ajeitassem na cama, ela com a cabeça apoiada no peito dele e os braços em volta da cintura, enquanto ele acariciava os fios escuros e escorridos com delicadeza.

Ele podia sentir que ela estava quase dormindo quando começou a rir.

— O que houve?

— Eu achei que levaria pelo menos 4 meses antes de dormirmos assim de novo — ele respondeu, sussurrando contra a cabeça dela.

— Você é um idiota! — resmungou, acertando três socos seguidos nos braços, cada um ficando mais fraco antes que ela se virasse de costas para o homem, apertando o abraço dele envolta da cintura e ajeitando o corpo contra o dele. — É só para dormir comigo, não para fazer piada.

— Não é piada, é apenas uma observação — ele completou, a apertando mais perto, agradecendo a familiaridade de estar de volta em casa.