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— Você precisa levantar antes que Su acorde — sussurrou a mulher, deitada contra ele. O braço pálido descansando relaxado ao redor de seus ombros.

Em algum momento da noite ela havia se virado de frente para ele de novo e passado os braços envolvido em um abraço confortavel. Talvez tenha sido quando Sokka se levantou para tirar a camisa ensopada de suor, não estava acostumado a dormir tão vestido daquela forma e o calor de Cidade República não ajudava em nada.

Na verdade, até se lembrava de ouvi-la reclamar sobre isso uma vez durante a noite, talvez tenha sido essa permissão indireta que o levara a se despir de qualquer forma. Podia sentir o tecido fino e leve do pijama de Toph separando o contato direto entre a pele pálida e a dele, mas não o suficiente para impedir que o calor dela passasse para o peito de Sokka.

— Mais vinte minutos — pediu, apertando o corpo pequeno contra o dele e rolando até estar parcialmente sobre ela, o rosto encaixado contra a curva delicada do pescoço, respirando o perfume do longo cabelo negro.

Ele ainda se lembrava da primeira vez que reparara no quanto ela era delicada ainda. Por mais que evitasse pensar sobre isso na época, mas aquela imagem do vestido verde ainda estava gravada em algum lugar saudoso de sua mente, o dia em que Lao e Poppy resolveram renovar os votos de casamento depois de quase 4 anos separados.

Ela havia feito aquela concessão pelo dia especial dos pais, aquele era o primeiro sinal de como havia mudado ao longo dos anos, de como a família havia se tornado importante para ela, como havia sentido falta deles. Claro que o sentimento de abandono quando Lao falou que nunca tinha tido família e muito menos uma filha, naquele primeiro dia na refinaria havia sido um catalizador potente. Agora ele podia adicionar a liberdade de Suyin nessa conta.

Os dois sabiam que ela pagaria caro por isso em frente ao conselho, por mais que ele estivesse lá para intervir por ela, por mais que todos intervissem por mãe e filha, ela ainda iria sofrer uma punição dura. Não era tão fácil se livrar das provas de que sua filha era uma criminosa, como Lin havia dito, tinham testemunhas e Toph havia acabado de negociar sua alma com o diabo.

— Cinco, bonitão — ela respondeu, espalmando a mão contra o peito dele e o empurrando de volta, apenas o suficiente para que ficassem de frente um para o outro, não o suficiente para quebrar o contato.

Ela também queria esticar aquelas horas da manhã o máximo possível: era mais tempo que mantinha Su perto dela e mais tempo sem enfrentar a parte mais política de seu trabalho e ela sabia exatamente o que iam lhe pedir, justamente aquilo que ela vinha negando há tempos.

Perseguir e sufocar as manifestações por igualdade.

Ela nunca tivera qualquer problema em socar e prender criminosos e baderneiros, mas aquelas pessoas não eram nada disso. Eram não dominadores procurando serem tratados em pé de igualdade com dominadores, como Satoru, Kantoo e até mesmo Sokka, como seus próprios pais.

Ela se encolheu mais contra o corpo quente, apenas pensar nisso já lhe dava um frio na espinha e por um momento se sentiu arrependida. Su pegaria o que? No máximo alguns meses de prisão e ela poderia cuidar da filha ali, sem que mais ninguém pagasse por isso de qualquer forma.

— Tá, você precisa levantar — ela respondeu batendo nele novamente e então o empurrando para o chão. Haviam passado 25 minutos a mais deitados. — Você dá a desculpa de que chegou cedo para nos levar para a estação — disse, de forma ainda improvisada, rolando na cama para aproveitar mais alguns minutos de sono.

A vantagem de ser a dona da casa, mesmo que Sokka fizesse mais falta do que ela gostava de admitir na imensa cama vazia.

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Su estava se sentindo, na verdade miserável parecia se aplicar melhor, para dizer o minimo. Pensou mesmo em se arrastar no chão e implorar para que sua mãe reconsiderasse. Ela aceitaria ficar presa se isso significava não abandonar sua casa e seus amigos, mas sabia que isso não adiantaria, Toph não voltaria atrás, era dura como uma aço e por isso era a maior dobradora de terra do mundo - como gostava de lembrar - no fim das contas.

Pensou que talvez Sokka pudesse por algum juízo na cabeça dela, ele sempre conseguia suavizar o humor de sua mãe e haviam passado tão pouco tempo juntos. Era injusto que Toph a estivesse mandando para tão longe agora que o seu pai do coração havia voltado.

— Seus avós vão pegar você na estação de Gaoling — respondeu, segurando o ombro da filha, esperando que pudesse puxá-la para um abraço, mas Suyin apenas se afastou do toque dela e correu para os braços do homem parado não muito longe.

Tio Sokka havia chegado cedo naquela manhã para ajudar com as bagagens já que sua mãe não podia dirigir, na verdade ela tinha uma forte convicção de que ele nem ao menos havia ido embora na noite anterior, não era como se seus tios não tivessem o costume de dormir na casa de qualquer forma.

— Tudo bem — ela respondeu, deixando que o pai a envolvesse em um abraço — Eu queria poder ficar um pouco mais tio Sokka.

— Tudo bem, princesa — ele respondeu, escovando os fios negros para fora do rosto e então lhe beijou a cabeça com carinho — Quando você voltar eu prometo te levar em uma viagem para caçar meteoritos.

Ela sorriu fraco e então se afastou quando o apito soou e a voz metálica encheu o terminal avisando que o trem para Gaoling estava saindo em poucos minutos e que todos deveriam embarcar.

— Su... — ela chamou quando a menina passou por ela e então pegou o braço da menor com delicadeza — Boa viagem, filha.

Su apenas ignorou o toque em seus braços, puxando o braço com alguma violência das mãos da mãe. Não queria aquele toque e nem aquela compaixão.

A menina pegou a bolsa e então foi para dentro do trem, mesmo de lá ela podia senti-la. Mais um toque chamou a atenção para que os viajantes tomassem o lugar. Ela não iria embora até que o trem tivesse partido, mas já não esperava por uma despedida.

Suyin estava sentada no chão de metal do trem, de frente para a porta. Prometera a si mesma que não levantaria o rosto para encarar o rosto da chefe, mas não conseguiu. Sentiu o coração pesar em seu peito.

O terceiro do último sinal soou, logo as portas se fechariam e então Toph sentiu os passos retumbando de dentro do trem e pelo terminal, antes de apertar os braços de sua caçula apertarem pela cintura com uma força que nunca imaginaria que a filha pudesse ter, o tipo de força de alguém que está partindo para sempre. "Um pouco dramático demais" pensou, mas mesmo assim retribuiu o abraço, deixando que a cabeça tocasse os fios ondulados.

— Desculpa, mãe — ela disse e aquele foi o pedido de desculpas mais sincero que ela já havia feito na vida, Toph sabia disso melhor do que ninguém e não por saber que ela não estava mentindo.

Aquela simples palavra carregava muita coisa, a culpa por ter sido presa e por ter ferido a irmã, mas também por cogitar partir sem se despedir, deixando toda a bagunça para trás, para que a mãe arrumasse.

— Está tudo bem, meu amor — ela disse, ajoelhando no chão da estação, com a filha ainda nos braços, apenas uma criança ainda — Vai ficar tudo bem.

Então a menina se soltou e voltou correndo para dentro do trem, apenas alguns segundos antes das portas se fecharem e então tudo tremeu quando a máquina ganhou vida sobre os trilhos e partiu, enchendo o ar de fumaça.

Ela sentiu quando os pés de Sokka fizeram o chão vibrar perto dela, mesmo com a multidão do terminal, ele ainda conseguia se destacar, talvez fosse a familiaridade depois de tantos anos. Então os braços dele a envolveram pelas costas, segurando-a perto como havia feito apenas algumas horas antes na cama.

Toph deixou que a cabeça dela apoiasse no ombro e fosse consolada pelo cheiro familiar de mar e livros velhos, coisas que sozinhas normalmente a deixavam apreensiva, mas que misturados na pele dele eram completamente diferentes.

— Eu vou levar você para casa antes do trabalho.

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Estavam sentados lado a lado no carro de Sokka, parados em frente a casa de Toph, esperando para entrar e se arrumar antes do trabalho. Ainda estava a paisana com uma regata e calças largas, o mesmo tipo de roupa que usara pela maior parte de sua vida, desde que fugira da casa dos pais.

— Quer que eu venha te levar para o trabalho? — perguntou, não precisava ter a habilidade sísmica dela para sentir o coração batendo apressado ao seu lado, quase parecia saltar para fora do peito com a respiração descompassada.

O silencio se tornando desconfortável, enquanto ele batia com os dedos contra o volante. Quantos anos que não ficavam absortos naquele silêncio tenso, desde Yakonne, talvez? Nenhum dos dois sabia ao certo.

— Eu vou sondar o conselho, ver se consigo evitar a sua notificação — ele completou, apoiando a mão sobre a coxa dela, apertando suavemente para lhe passar confiança.

— Você não pode fazer milagres — ela respondeu, tirando o mão dele e saindo do carro.

Ficou parada na esquina, entre o carro e a entrada e podia sentir os olhos azuis cravados em suas costas e então ela se virou e apoiou os dois braços na janela do lugar onde havia acabado de descer.

— Você não quer entrar? — perguntou ela.

Um sorriso preguiçoso se esticou no rosto moreno quando ele tocou os dedos e então puxou a mão dela, segurando com carinho. Ela já não tinha as unhas sujas de terra como quando eram crianças e as unhas eram alguns centímetros maiores também, não sabia determinar o quanto, mas suas costas ainda lembravam desse detalhe.

— Eu venho no fim do expediente para ver como você está — ele disse e então ela apertou os dedos finos.

— Cuida da Lin — era um pedido feito com todo o coração e ele podia sentir isso pela forma como ela suspirara após aquilo e Sokka se aproximou, a abraçando de forma desajeitada.

— Toph, existem coisas que você não precisa me pedir — ele sussurrou no ouvido dela, tão baixo que mal podia ser ouvido — Eu sempre vou cuidar das suas meninas como se fossem minhas.

Ela tremeu nos braços dele, pensando em Su e em todo o medo de que ela ficasse parecida demais com o pai. Ela era muito parecida com o pai, mesmo que não pudesse conhecer o rosto dela, claro que tinha tido relatórios ocasionais de Katara enquanto a menina crescia e isso lhe dava uma vaga ideia dos olhos verdes até a pele escura, era a que tinha a pele mais escura depois de Kya, mas ninguém parecia suspeitar de nada.

Um parte de sua mente começou a se perguntar se não era hora de contar. Se iria esconder aquilo para sempre, mas ela empurrou isso para longe de sua mente. Sokka a odiaria se soubesse e não podia lidar com isso nesse momento.

— Sokka, eu to falando sério...

— Eu sei, eu sei — ele completou, escorregando as mãos pelos braços da mulher até estar segurando suas mãos — Se não você vai fazer algo muito cruel comigo, eu escuto esse discurso nos últimos 20 e poucos anos — respondeu, deixando-a ir e observando enquanto se afastava de vez, caminhando lentamente, deixando que os quadris balançassem de forma preguiçosa.

Tinha um sorriso grande nos lábios. Fazia anos que não via aquilo, mais tempo do que Lin tinha de vida. Aquele tipo tão aberto de provocação era como um fôlego de normalidade no meio da tormenta, como algo em que se agarrar dos bons tempos.