176 Ag

— Bisa! — chamou da porta um pequeno menino no alto de seu primeiro aninho, ainda tinha aquele andar cambaleante de bebê com o corpo muito grande para as pequenas perninhas rechonchudas.

— Desculpe interromper, mãe, tia Lin, vovó! — disse Baathar Junior da porta — Kuvira está tentando fazer ele dormir, mas ele não quer ir antes de se despedir da bisa.

— Venha cá, pequeno encrenqueiro — disse a senhora se abaixando para pegar o bebê nos braços.

— Você deveria tomar mais cuidado com suas costas, Chefe — exclamou Lin, os braços cruzados sobre o peito, mas Toph apenas recusou a observação com um aceno de mão.

— Se eu não puder segurar o meu próprio bisneto então eu estou pronta para ser enterrada — respondeu.

— Não diga isso, mãe — respondeu Su antes de se voltar para o filho mais velho — E você pode deixar o bebê, nós levamos ele quando terminar aqui.

O homem apenas assentiu antes de fechar a porta e então a caçula se aproximou e tentou pegar seu primeiro neto, mas foi impedida pela mais velha, enquanto a criança ria nos braços dela.

— Você ouviu a parte que ele quer a bisa? — perguntou, voltando a se sentar na poltrona, com o pequeno aninhado em suas pernas.

— Você disse que contou a ele sobre Su — continou Lin, ignorando a pequena disputa pelo mais novo herdeiro Bei Fong — Isso foi quando? Logo no começo do relacionamento de vocês?

— Espera, você e o papai tiveram um relacionamento? — perguntou a caçula. Claro que entendia que algo havia acontecido 50 anos, mas do jeito que Lin falava parecia algo muito maior do que isso. Maior e mais recente que isso — Quando foi isso?

— Algumas semanas depois que você foi mandada para Gaoling — respondeu a chefe de policia.

— Na verdade foi ideia do seu pai e de sua tia que você fosse mandada para lá — respondeu a matriarca, brincando com os dedinhos rechonchudos do bebê — Katara já tentava me convencer disso desde que você tinha 12 anos, na verdade.

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142 Ag

Já fazia semanas que ela e Katara discutiam sobre Suyin. A dobradora de água chegou a ameaçar contar sobre a paternidade da menina quando Toph falara que Su era sua família e não da amiga. Foi um erro de principiante, mas não aconteceria de novo.

Ela havia acabado de chegar na delegacia e pediu que lhe viessem passar os relatórios dos casos e das rondas que estavam acontecendo. Estava com dor de cabeça depois de mais uma discussão especialmente acalorada das meninas na noite anterior, Lin estava reclamando das companhias de Su e claro que ela também não gostava dos baderneiros de gangue com que ela se envolvia, mas a chefe não era exatamente o melhor exemplo de bom comportamento na adolescência.

Apostava que era só uma fase e passaria, logo se ela tivesse sorte. Por outro lado, tinha certeza que a mãe e Katara riam do carma que ela estava pagando com a caçula sendo tão parecida com o que ela mesma, fazendo ela passar por tudo que havia feito as duas passar.

— Chefe! — chamou a moça encarregada de ser seus olhos.

— Sim, estou pronta pros relatórios — respondeu, se ajeitando na cadeira e tentando parecer o menos cansada possível.

— Antes tem alguém que gostaria de lhe falar a sós.

Naquele momento ela sentiu a espinha gelar. Esperava que Su nunca se metesse em um problema real, mas sempre esperava que esse dia chegasse e saber que alguém queria falar a sós com ela, bem, sua cabeça só a fazia pensar nisso.

— Pode mandar entrar — ela respondeu.

O corpo voltou a tombar sobre a cadeira, os dedos passando pela longa franja lisa enquanto se preparava psicologicamente para o choque que seria ter que defender a filha de um cidadão irritado. Mas não foi isso que aconteceu.

— Chefe! — a voz conhecida chamou da porta e então foi um alívio, no mesmo momento ela se levantou.

— Conselheiro Sokka! — ela comprimentou, se levantando e se aproximando — Obrigada, eu chamo assim que acabar aqui! — ela respondeu, sentindo o metal da porta arrastar sobre o chão enquanto se fechava.

Então ela fechou a distância entre os dois, acertando um soco no braço firme do conselheiro que, em reflexo, esfregou o braço dolorido e fez uma careta em resposta antes de responder.

— Também senti a sua falta Bei Fong — e então ela envolveu os braços no pescoço do homem, sentindo-o a abraçar de volta.

— 9 anos! — ela respondeu, se afastando um pouco para que ele pudesse olha-la no rosto e ver a indignação.

— Eu disse que ficaria longe por muito tempo — ela lhe deu mais um soco no ombro antes de se deixar envolver de novo — Mas eu não vim aqui para matar saudade. Eu recebi uma carta da minha irmã.

— O que ela falou? — perguntou, quase preferindo que fosse alguém lhe entregando Su em um par de algemas.

— ela disse que Su tá um pouco rebelde — ele respondeu se sentando no tampo da mesa ao lado da mulher — Quer que eu tente te convencer a mandá-la para os seus pais. Por algum motivo ela acha que você vai me ouvir!

Não era por algum motivo, eram por todos os motivos. Muito mais do que o pai de Su, Sokka ainda era a única pessoa que conseguia fazê-la escutar o mínimo de bom-senso, isso desde a guerra de 100 anos. Ele era seu melhor amigo no fim das contas é a única pessoa com quem ela conseguia realmente ser vulnerável o suficiente.

— Que bom que nós dois sabemos que sua irmã é ingênua. — respondeu, batendo na mão dele antes de voltar para a sua cadeira. — Mas ela tem razão, eu não sei mais o que fazer com a Su.

Ela sentiu o homem cruzar a sala até parar em suas costas e então as duas mãos grandes sobre seus ombros, os apertando com delicadeza e no mesmo instante ela reagiu, sentindo o arrepio descer por suas costas.

— Eu não quero mandá-la para os meus pais — ela respondeu, tocando os dedos grossos que ainda repousavam em seus ombros — Eu posso fazer outras pessoas passar por dor e pressão, mas não as minhas filhas.

— Sério? — ele perguntou, com uma risada mal contida em sua voz.

Uma lembrança latente dos anos de treino das meninas na escola de dobra de metal passando por entre eles como uma descarga elétrica.

— Bom, pelo menos não enquanto elas não estiverem treinando.

Eles não tiveram tempo de continuar a conversa porque do lado de fora da sala, Toph já podia ouvir uma confusão que começava a se formar com um agente exigindo entrar e falar com a chefe.

Ela levantou e abriu a porta de supetão, sem nem ao menos tocar o metal, fazendo todos do outro lado saltarem com o susto.

— A detetive Bei Fong teve um problema!

— Lin! — naquele momento ela se esqueceu completamente que estava no trabalho.

A sorte era que Sokka estava por perto para segura-la no ombro, impedindo que ela saísse em disparada pela porta para tentar encontrar sua filha e quem tivesse lhe feito mal, mesmo sem qualquer informação, acharia o culpado nem que precisasse revirar Cidade República inteira.

Claro que havia se preocupado com ela nos primeiros meses, mas então ela se provou uma agente muito cautelosa e inteligente que nunca se colocava em risco sem necessidade e então relaxara nos cuidados com a mais velha, talvez até mais do que deveria. Mas agora ela “tinha um problema”

— O que aconteceu com a minha filha?

Naquele momento não importava todas as vezes que havia sido a Chefe, porque não era mais Detetive Bei Fong e sim sua pequena Lin que estava com problemas.

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— Lin já foi encaminhada para a enfermagem — disse outro agente, fechando o espaço e impedindo que a chefe passasse por eles, claro que ela poderia usar dominação contra todos e estava pronta para fazer isso quando alguém disse — Mas acho que você vai preferir encontrar quem fez isso com ela.

Toph ainda não sabia o que era o “isso”, mas não faria diferença, só o fato de terem machucado a sua menininha já era o suficiente para que ela redirecionasse toda a sua raiva para o estranho, então se deixou guiar até a sala de interrogatório.

Estava tão abalada com tudo que nem pensara em olhar dentro da sala antes e quando a porta se abriu e ela encontrou sua caçula sentada do outro lado da mesa, com o rosto escondido entre as duas mãos, toda sua raiva passou por seu corpo direto para o metal do chão.

— Nos deixem sozinhas — ela disse com a voz séria, vendo os homens se moverem atrás dela. Estavam ansiosos para sair do meio do fogo cruzado quando ela se sentou em frente a menina, os dedos esticados na mesa de metal — Suyin Bei Fong, o que você fez?

— Mãe… — ela falou de forma pausada, o medo e o desespero transparecendo em sua voz — Eu não queria… Eu não sabia.

Toph fechou os olhos, queria poder não enxergar a filha naquele momento. Podia não saber como Su era, mas conseguia ver seus batimentos cardíacos rápidos e inconstantes, a reação de uma criança assustada, que havia passado por algo muito maior do que podia aguentar. Ela conhecia bem essa sensação, tinha passado por isso há 40 anos.

Esfregou as mãos no rosto e então parou os dedos contra as têmporas, esperando que aquilo pudesse a acordar do terrível pesadelo que as meninas a haviam enfiado. Talvez, com alguma sorte ainda poderia acordar em sua cama e ser recebida com uma discussão corriqueira, mas inofensiva.

— O que aconteceu com sua irmã?

— Ela ia me prender… — ela respondeu embolada, havia esquecido a parte em que ela estava ajudando na fuga de um assalto, mas havia sido realmente sem querer, simplesmente havia esquecido como tudo começara — Eu cortei o cabo. Mãe… Tinha muito sangue.

Queria ficar irritada com Su, realmente queria, mas naquele momento ela era só uma criança assustada que havia cometido um erro. O que ela podia fazer? Pedir que bloqueassem o chi de sua filha? Levá-la até Aang para que lhe tirasse a dominação? Já haviam deixado criminosos mais perigosos passar com muito menos. Era só a sua filha, uma menina inocente que havia sido mimada por todos todos os tios e talvez esse tivesse sido o erro deles.

— Vem aqui, criança! — ela chamou e logo Su estava ajoelhada a sua frente, com cabeça em seus joelhos como ela costumava fazer quando era criança, ela tinha só 15 anos, ainda era uma criança — Eu vou resolver isso — ela disse correndo os dedos pelos cachos negros, havia puxado os cabelos da tia, mas nada da maturidade daquele lado da família — Eu não sei como, mas eu vou. Só preciso pensar um pouco.

— A tia Katara vai conseguir curar ela? — perguntou com a voz embargada.

— Talvez — respondeu. Nunca tinha visto machucado que Katara não conseguisse curar. — Eu vou pensar no que fazer e mando chamar você e a Lin para conversar, vai ter gente na porta, não faça nada que piore a sua situação, entendeu? — perguntou, mas Su não respondeu, não era difícil saber se ela havia apenas acenado com a cabeça — Me responde, Suyin, eu não vou saber se você só balançar a cabeça.

— Sim, mamãe — respondeu a menina.

— Ótimo.

Então a chefe saiu da sala de interrogatório até a própria sala, onde Sokka ainda a esperava.

— O que aconteceu?

— Eu acho que sua irmã está certa — respondeu, se lançando contra o peito do homem, não tinha sequer forças para tentar implicar com ele — Talvez seja a hora de mandar Su para os meus pais.