Toph rolou na cama, parecia dura demais e fria demais agora, era quase como dormir em um cubo de gelo.

Quase podia sentir os braços dele ao seu redor para aquecê-la, o cheiro de mar quando se enrolou junto ao lado de Sokka da cama, mas estava vazia. Há quantos anos ela não dormia sozinha?

Ela se levantou suando no meio da noite depois de muito soluçar, o rosto ensopado enquanto ela tentava muito respirar fundo, sentia que haviam tirado o ar direto de seus pulmões, o nó em sua garganta tornando tudo mais difícil.

Chutou as cobertas para longe das pernas, de repente irritada com sua tristeza. Entendia o luto, já havia passado por ele muitas vezes quando Iroh e seus pais morreram, havia sentido a perda de Appa e Momo, tinha lutado uma guerra e perdido mais amigos do que podia contar em seus dedos. Aang havia partido há tão pouco tempo, mas não era a mesma coisa. Ninguém havia a feito perder noites de sono.

Era a primeira vez que dormia em sua própria cama desde que havia ido para o Polo Sul e pensou em como parecia uma piada aquela senhora de cabelos brancos chorando na madrugada como uma adolescente de 15 anos.

Nem aos 15 havia chorado daquela forma, mas perder um garoto para outra menina era muito diferente de perdê-lo para sempre.

Colocou os pés no chão, a pedra fria a recebendo com a mesma familiaridade de sempre. Pelo menos isso continuava o mesmo com o passar dos anos, sua velha amiga terra permaneceria a mesma quando todos tivessem partido.

Deixou que sua mente vagasse por pensamentos pouco coesos. Sentada sobre uma das pernas com o outro pé firme no chão, tentava sentir Lin, sempre acreditou que como mãe deveria poder fazer isso independente da distancia, mas seus sentidos a traiam.

A filha poderia estar na estação agora, sentada sob sua pilha de papéis, Lin parecia devotar sua vida aquilo. Mas torcia que ela estivesse em casa, dormindo o sono dos justos.

Pensou em Su, na filha que crescia rapidamente. Ela tinha tido uma menina agora, já deveria ter 1 ou 2 anos agora. Cinco crianças, pensou empolgada, ela mal havia dado conta de duas e era apenas uma policial.

Ao seu redor a cidade começava a cidade mantinha um ritmo lento, como se dormisse. Ela também queria dormir, mas não conseguia se obrigar a deitar lá sozinha, então se abaixou e pegou a caixa de daguerreótipos, o podia sentir o pequeno colar em seu fundo, mas o que queria agora eram lembranças.

Os sulcos pouco profundos do metal mostrava a ela aparências que nunca havia conseguido ver de verdade.

As fotos dos primeiros testes na oficina de Teo, as fotos arruinadas pela incapacidade de ficarem tempo suficiente parados para serem capturados pelas lentes. Talvez por isso o inventor tenha começado a usar lentes maiores e mais luz. E também testado métodos mais rápidos.

Haviam fotos da Fogo e Terra, algumas que ela sabia que Satoru havia tirado quando ainda estavam juntos. Havia uma com borrões, pessoas que não pararam de se mexer e então ela sabia que era um de seus treinos com Suki para preparar a policia da antiga Crane Fish e que mais tarde se tornaria Cidade República.

Fotos em grupo e fotos dos dois sozinhos. Havia uma do casamento político de Aang e Katara, aquele em que todos os padrinhos eram pessoas importantes das nações, em que Zuko fez par com a esposa e ela com Sokka, o que resultou naquela foto dos dois abraçados, dançando uma valsa lenta com 50 cabeças fantasmas morrendo de rir e vultos passando ao redor.

Seria aterrorizante se não a fizesse rir.

A foto seguinte era uma da pequena Lin com apenas alguns meses, um bebê gordo no colo de Sokka, mordendo a bochecha do homem com a boquinha banguela enquanto ele sorria.

Depois uma de Lin em seu colo com cerca de 3 anos, um quepe com o simbolo da policia de Cidade República caindo em seus olhos e ela sorria, no canto estava escrito "pequena chefe Bei Fong". Naquele dia Sokka havia pego ela na escola e levado-a até a estação para que jantassem juntos.

Depois de inúmeras fotos de Lin vieram as fotos com Su. Suyin bebêzinha, mais velha, Lin e Su como amigas, uma das duas dormindo abraçadas em Amber, mas a que realmente chamou sua atenção foi a última.

Su já adulta sentada em uma cadeira, um bebê recém nascido nos braços e outras quatro crianças ao redor dela. Os dois mais velhos com uma das mãos em seus ombros, e os dois menores sentado aos seus pés. Ela não precisava de muito para saber que eram seus netos.

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Lin chegou no escritório mais tarde do que de costume. Seu mau humor era praticamente palpável e a ela pode sentir a secretária se encolhendo na mesa quando ela passou.

Havia dormido mal na noite anterior e agora estava pagando o preço. Sua cabeça doía tanto que mal conseguira prender os cabelos que caiam em fios soltos sobre seus ombros, grandes demais. Precisava se lembrar de cortá-los ainda essa semana quando estivesse mais calma.

Seus papéis ainda a esperavam em cima da mesa, os mesmos do dia anterior e por um minuto desejou ser cega também, talvez, se alguém lesse os documentos sua cabeça pudesse ter algum descanso.

— Chefe — chamou a mulher aparecendo, emoldurada pelo batente da porta de metal — Chefe Beifong esteve aqui de manhã.

"Chefe Beifong" ela recitou na própria cabeça, as vezes se sentia uma intrusa sentada naquela cadeira. Parecia que aquele lugar sempre seria de Toph, independente do que fizesse sempre seria pretensão demais querer ocupar o lugar dela.

Sua mãe havia criado toda uma sub-dobra, parado uma guerra, fundado uma cidade e, por anos, conduzido a força policial mais efetiva do mundo enquanto criava duas filhas. Aquele era um legado esmagador para qualquer um, só perdia para o legado do próprio avatar e dos nômades do ar.

Ela nunca admitiria isso em voz alta, mas, naquele momento, agradeceu por Pema ter aparecido em seu caminho e tirado mais aquele peso de suas costas.

— E o que ela queria? — a resposta fora seca, quase amarga. Não havia um "minha mãe" ou sequer um "chefe".

Torceu que não fosse mais uma tentativa de faze-la tirar férias ou se afastar um pouco do posto como havia sido nos últimos anos.

— Ela pediu para avisar que estava saindo em busca de iluminação espiritual.

Quase riu com a ironia. Sua mãe era uma das pessoas menos ligadas a espiritualidade que ela conhecera em sua vida, se tivesse que traçar um gráfico, certamente sua mãe estaria em segundo lugar, perdendo apenas para se cúmplice fiel.

Pensar em Sokka lhe trouxe aquele aperto no peito outra vez e então ela baixou a cabeça e respirou fundo. Agora Toph era, definitivamente, a pessoa menos ligada a espiritualidade que ela conhecera.

— Ela deixou uma coisa para você — disse a secretária, escorregando um envelope branco sobre a mesa, sem desviar os olhos de Lin, como se a chefe fosse um animal selvagem pronto para o ataque.

— É só? — perguntou com uma sobrancelha erguida, deixando claro que não queria ser incomodada mais.

— Sim, senhorita — disse a jovem, se encolhendo mais uma vez, distante o suficiente da mesa.

— Obrigada, já pode se retirar — Lin abaixou a cabeça antes mesmo de terminar a sentença, voltando os olhos verdes para o papel em suas mãos.

Pilhas e pilhas de relatórios que ela precisava analisar e assinar antes de enviar para o conselho, manter a policia na linha era como sua mãe chamava quando ela entrou para o esquadrão. "Eu preferia quando isso era problema do seu tio" ela reclamava, arrumando os papéis ao chegar e Lin ria discretamente.

Desviou o olhar rapidamente para o pequeno envelope de papel se perguntando o que poderia ter lá dentro, principalmente considerando que sua mãe não gostava muito de papel. A lembrança aguçando sua curiosidade.

Tentou mais uma vez focar no relatório que lia, mas acabou desistindo e esticou a mão para sentir o relevo sob o papel claro do envelope. Não precisou de muito para que percebesse que ali havia vidro e metal, nunca havia visto algo como aquilo.

Segurou o papel e então retirou a placa fina de metal coberta por vidro que havia lá dentro. Havia vidro apenas sobre a imagem impressa, de modo que o metal estava livre para ser tocado por trás.

A imagem era uma reprodução de uma foto que Lin nem lembrava que existia, mas lembrava do dia com clareza, era a sua lembrança mais antiga, a primeira vez que fora buscar a mãe no trabalho.

Ela acariciou a frase escrita na parte de baixo da foto, sentindo o baixo relevo do metal: "Pequena Chefe Beifong".

Ela sorriu, sentindo as lágrimas encherem seus olhos outra vez. Estava chorando demais por esses dias. Guardou a plana no envelope e a colocou na primeira gaveta da mesa e então ergueu a cabeça para impedir a as lágrimas e respirou fundo.

Tinha muito trabalho a fazer para sentimentalismos.

~~176 Ag~~

— E em poucos meses você estava nos portões de Zaofu — disse Su, cruzando as pernas e olhando para a mãe que não respondeu. — As fotos do papai fizeram você perceber que queria se reconciliar com sua família?

Era uma pergunta genuína. Toph sempre fora difícil de ler e todos aqueles anos escondida da sociedade não a tornaram mais fácil.

A idosa esticou os pés, um riso frouxo dançando em seus lábios enrugados enquanto ela pensava em com responder aquela pergunta.

— Não — nenhuma das meninas ficou surpresa, ela sabia que estavam esperando por isso — As fotos de Sokka me fizeram perceber que eu precisava contar a verdade.

Ela fez uma pausa longa, sabendo que os dois pares de olhos verdes estavam sobre ela.

— Ele amava você — disse com os olhos fixos no teto — Vocês duas — ela completou com a cabeça longe demais — E nós perdemos tempo demais esperando o momento ideal e eu não quero levar isso para o fundo da terra.

— Mãe... — as duas disseram ao mesmo tempo, se erguendo nas poltronas e isso fez a mulher rir com gosto.

— Isso não significa que eu vá morrer amanhã — respondeu, antes de apontar para as duas, sem virar o rosto para elas — Eu ainda vou enterrar vocês duas.

Ela estava tentando parecer casual, uma brincadeira como sempre, mas dessa vez não havia qualquer firmeza em sua voz. Mesmo que não pudessem ler a verdade como Toph, sabiam que a mãe estava mentindo.

Havia algo que ela ainda estava escondendo delas.

— Isso não explica porque você levou mais de 20 anos para contar — disse Su, uma tentativa de humor em sua voz, uma tentativa de reerguer o animo depois de tantas mortes e da notícia não dada de Toph.

A mãe sorriu por um instante.

— Eu tentei — disse como se fosse nada — mas eu não consegui. Eu acho que naquele momento eu entendi porque Katara fazia tanta questão de estar perto de Korra, todos eles tinham tanto de seu pai que era como ter um fantasma dele sempre por perto e eu fui deixando para mais tarde.

O silêncio preencheu o espaço da sala novamente. Talvez só não tivessem mais nada para dizer umas as outras.

— Lin! — chamou percebendo que a filha ergueu a cabeça — Você está quieta demais. Não tem nada para dizer?

— Não.

— Então, se nossa conversa aqui acabou, eu vou indo embora — disse a Toph se levantando com as mãos nas costas, nunca a haviam visto daquela forma. — É cansativo estar entre pessoas, mesmo entre vocês — Deu dois tapas nos ombros das filhas.

Elas riram enquanto a mulher passava pela porta, mas foi só quando o chão tremeu aos seus pés que elas perceberam que havia algo de errado.

— Mãe! — as duas se levantaram para segurar a idosa que se agarrou em seus braços em busca de apoio.

— Eu to bem meninas — ela respondeu, mas o aperto em seus pulsos era algo que nunca haviam sentido, nem quando saiam distraídas pela rua e a mãe precisava puxa-las para não atravessarem a rua. — Foi só uma tonteira, eu já estou melhor.

Podiam sentir a batida acelerada do coração mesmo sem a habilidade de ler a verdade.