~~ 176 A.G ~~

— Aquele não foi um ano fácil — respondeu Lin, soltando a xícara vazia sobre a bandeja de brilhante de metal. Não era muito, mas era tudo que conseguia pensar para preencher o vazio do silêncio entre elas.

E o vazio se fazia mais pesado a cada instante que ninguém falava nada. As três tinham os olhos cheios de água e sabiam que nem haviam chegado na pior parte ainda.

— As gangues surtaram por toda a Cidade República e fora dela não era mais fácil — respondeu Toph, brincando com a borda extremamente fina da porcelana delicada — A Lótus Vermelha parecia estar marcando todos os lugares com abundancia de dobradores de água e tivemos que colocar todos os recém nascidos em observação constante.

— Sokka queria ir para o Polo Sul — contou Lin, encarando a irmã. — Mas tia Katara interveio, ela disse que podia cuidar sozinha dos recém-nascidos.

— Nós não queríamos que ela fizesse isso, mas ninguém diz a rainha açucarada o que fazer — resmungou Toph, uma risada triste escapando por entre suas palavras. Nós fomos muitas vezes ao Polo Sul ver se estava tudo bem, mais vezes do que eu gostaria de ter ido, talvez até mais do que possa me lembrar — completou, finalmente largando a xícara e assumindo uma posição mais condizente com a forte e independente dobradora de metal original — Mas alguém tinha que garantir que ele conheceria os netos.

Uma risada contida cruzou a sala, um entendimento entre as três do quão inusitada era aquela situação toda.

— Quem poderia imaginar uma coisa dessas — respondeu Su, também abandonando sua xícara vazia sobre a mesa — Toph Bei Fong uma esposa devota?

A dobradora não se importou com a descrença da filha, continuou limpando o ouvido com o mindinho enquanto dava de ombros antes de responder.

— Talvez o tempo tenha me amolecido um pouco para algumas coisas — respondeu como se não fosse algo d grande importância — A verdade é que o seu pai assumiu muita coisa quando Aang morreu, ele e Zuko, nós precisávamos segurar as pontas por ele e por Katara e eu nunca fui uma pessoa política — ela se apoiou no encosta da cadeira outra vez, os olhos pálidos perdidos em algum lugar do teto — Ser a "esposa devota" foi a forma que encontrei de ajudar.

Toph deixou que a cabeça pendesse nas mãos entre as pernas. Aqueles não haviam sido nem de perto os piores anos que passara e pensar nisso só a deixava pior.

O movimento repentino pegou as duas filhas de surpresa e correram para aparar o corpo franzino da mãe, mas Toph estava bem, tremia um pouco com batida inconstante que as lembranças traziam ao seu coração, mas fora isso estava tão bem e forte como sempre.

— Não tinha nada que você pudesse fazer, mãe — respondeu Lin, passando os braços ao redor do pescoço da mulher.

Su imitou o gesto da irmã, afundando o rosto no pescoço estreito da idosa. Sentindo o cheiro de terra e metal que ela sempre associara a mãe e que sempre lhe acalmara mesmo quando estava longe.

Os braços de Toph envolveram suas filhas já adultas como se ainda fosse crianças que pudessem caber em seu colo. Quando elas haviam crescido tanto? Aparentemente ela havia perdido muito disso.

— Talvez eu pudesse — ela resmungou, nos últimos tempos remoía muito o passado, não com tristeza ou arrependimento, só com a saudade. — Talvez, se eu tivesse ido...

~~ 153 A.G ~~

— Su ainda não respondeu a sua última carta? — perguntou, se ajeitando na cama ao lado do homem.

Ele não respondeu de imediato. Quase podia sentira todos os músculos do corpo dele tensos como rocha quando a envolveu em seus braços, a puxando para perto e descansando o rosto cansado nos cabelos brancos da mulher.

Se deixou ficar apenas ali, inspirando o cheiro que os fios longos exalavam. Andava pensando em muitas coisas que não o faziam bem nos últimos tempos. Em como o tempo estava passando rápido para eles.

Já fazia 3 anos desde a morte de Aang, o próprio Sokka estava com seus 72 anos e Toph também não estava muito longe, ele pensou a apertando mais perto. Parecia cada vez menor e mais frágil, mesmo que ele soubesse que isso era apenas uma aparência.

Sua parceira sempre parecera pequena e frágil e ainda assim sempre fora a pessoa mais forte e extraordinária do mundo.

— No que você está pensando, idiota? — perguntou, acomodando os pés gelados junto as suas coxas, se protegendo do frio do inverno — Você ao menos ouviu a minha pergunta? — ela disse, mas não havia irritação em sua voz, muito pelo contrário — Acho que não vamos poder continuar juntos se você estiver ficando surdo.

Ele riu da observação e então rolou sobre o corpo pequeno, a mantendo presa sob o corpo dele.

— A senhorita nem pense nisso — ele resmungou, selando a distancia entre eles com um beijo apaixonado — Você me prometeu que veríamos os netos dos nossos bisnetos juntos, lembra?

Ela riu, sentindo a pressão do corpo do amado sobre o seu e os lábios descendo por seu pescoço, a barba raspando a pele delicada e pálida.

Já não tinham mais 30 anos e muito do fogo da juventude havia se tornado um amor terno. Os toques e as caricias sexuais haviam dado lugar ao conforto dos carinhos de um amor mais dócil, mas ainda não estavam mortos no fim das contas.

Toph sentiu quando as mãos do amante correram por suas panturrilhas até atingir a parte de trás de seus joelhos, erguendo o tecido macio e delicado de sua camisola.

Havia perdido completamente a vontade de fazer piadas com homem quando ele envolveu as mãos em seus quadris e a puxou de encontro ao corpo dele.

Ela suspirou quando o corpos se encontraram no meio do caminho, enroscando as mãos em volta do tronco dele, sentindo os músculos ainda firmes sob a pele quente. Sokka poderia estar envelhecendo, mas ainda estava tão em forma como na primeira que estiveram juntos como homem e mulher.

— Eu te amo — ele sussurrou contra o ouvido dela, erguendo as pernas macias para que elas pudessem se cruzar em torno da cintura — Eu te amo tanto.

Eles se afastaram para que a camisola pudesse passar por sobre a cabeça. Ela suspirou quando o vento frio alcançou o corpo nu e então puxou o amado para mais perto, usando ele de cobertura para o seu próprio corpo tremulo.

— Sokka, eu... — mas a fala ficou perdida no meio quando uma batida se fez soar na janela da sala

Eles pararam por um instante, preocupados em escutar o barulho estranho. Logo o homem já estava pronto para ignorar o que quer fosse, mas então a batida soou mais uma vez, dessa vez com um clarão inconfundível de fogo que chegou a iluminar o corredor escuro.

— Zuko — ele sussurrou com o rosto encostado no da amada — Eu vou ver o que ele quer.

Sokka podia sentir o vento frio batendo em seu peito nu quando abriu as janelas da sala. Ainda não conseguia acreditar que havia largado a mulher e uma cama quente para resolver problemas políticos no meio de uma noite de inverno.

Sentia muita falta de Aang todos os dias, mas naquele momento mais do que nunca. Se o avatar estivesse vivo, certamente não seria Sokka que largaria o conforto dos braços de sua amante.

— Senhor do Fogo — ele cumprimentou, observando o grande dragão vermelho que voava contra a noite negra de Cidade República.

— Conselheiro — Sokka notou os olhos dourados se estendendo pela casa — Onde está Toph?

— Aqui! — respondeu, aparecendo pelo corredor. Os cabelos ainda bagunçados e um robe grosso amarrado firme ao redor do corpo.

Sokka não tinha muita certeza se ela havia tido tempo de recolocar a camisola desde que ele havia a deixado, mas não iria perguntar isso na frente de Zuko.

— Atrapalhei alguma coisa? — perguntou o homem, ainda planando junto a janela.

Conhecia bem a dominadora de terra e sabia que ela raramente usava roupões quando podia apenas usar um pijama. Costumava dizer que não via a necessidade de procurar mais roupas quando já estava vestida.

— O sono de dois idosos — respondeu com impaciência — Qual é a emergência, Faísca?

Zuko riu do antigo apelido. Nos últimos anos havia visto muito os amigos, era verdade, mas sempre havia um clima de emergência e tristeza que não dava espaço para brincadeiras, um reflexo do tempo. Isso só comprovava que havia interrompido algo.

— Me desculpem por isso — ele disse, limpando a garganta — Mas a Lótus Branca entrou em contato, parece que Zaheer armou uma emboscada para pegar a Korra, se nos apressarmos podemos chegar antes deles.

— Eu vou pegar meu casaco e podemos partir — ele respondeu, sumindo para dentro do quarto.

Zuko assentiu antes de se voltar para a mulher sentada no meio da sala.

— Você não vai conosco, chefe? — perguntou, encarando os olhos vazios e se arrependendo no mesmo instante.

— Eu não sei como seria de grande ajuda voando em cima do gelo — respondeu, chutando o ar com os pés descalços — Acho que você pode entender. — resmungou.

— Desculpe — ele murmurou, observando em quanto Sokka se enfiava dentro do casaco pesado — Tenzin já está de guarda, vai nos encontrar lá.

Ele passou reto pela mulher, pronto para saltar pela janela nas costas do dragão do velho amigo quando sentiu a mão pequena de Toph segurando seu pulso com delicadeza.

— Sokka... Se você morrer eu busco você no mundo espiritual e faço você pagar por isso — ela resmungou, os olhos brancos pregados nos dele como se pudesse enxerga-lo. Pode ouvir o homem rindo a sua frente — Eu te amo.

O silêncio se espalhou na sala e pela primeira vez em muitos anos, Sokka tremeu e a puxou para um abraço apertado, segurando o rosto delicado entre suas mãos e beijando os lábios pela maior quantidade de tempo que conseguia.

— Eu prometo que vou fiar bem — era mais uma promessa de tantas outras que se empilhavam em um tempo que estava se acabando — Nós temos um acordo, não temos? — ele falou, beijando o topo da cabeça grisalha antes de soltá-la.

Toph sentiu quando os dedos calejados deixaram os seus, o coração apertando com força em seu coração enquanto tentava se acalmar.

Tudo iria ficar bem e ele iria voltar e então não perderiam mais um segundo para visitar Su e as crianças, era uma promessa no fim das contas.