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Não fazia nem uma semana que haviam enterrado Suki quando uma estranha reunião aconteceu na delegacia de Cidade República.

— Eu já tenho uma filha — ela respondeu, cruzando os braços aborrecidas, estava de costas para a janela — Porque preciso ser a babá de um homem que idade para ser pai dela?

As outras três pessoas na sala se entreolharam por um instante. Essa era uma das coisas que ela não podia sentir pela vibração do chão, mas pelo silêncio no ar. Estavam confabulando da única forma que ela não poderia interferir: como o olhar.

— Bem… — falou Aang, não era uma surpresa de que ele havia sido escolhido como o orador naquele momento — Nós não podemos deixar o Sokka sozinho agora, ele acabou de perder a parceira dele e pode fazer uma besteira.

Estava pronta para passar o trabalho para a irmã dele ou para o cunhado que estavam a sua frente, mas então a própria falou.

— Eu e Aang já estamos tendo muito trabalho com as crianças, o hospital e o equilíbrio do mundo — havia alguma coisa de ressentimento quando Katara citava “O equilíbrio do mundo”, mas ninguém pareceu muito interessado em investigar o porquê.

— E o Zuko tem que ficar na Nação do Fogo, garantindo que não hajam mais revoltas — disse Aang, justificando a única pessoa que a esposa não havia feito.

— A por favor — respondeu exasperada, encostando o corpo contra a mesa de metal e soprando a ponta da franja para longe dos olhos esbranquiçados — Não é como se toda a semana alguém tentasse colocar Azula no trono.

Ela estava certa, apesar do evento costuma acontecer uma vez a cada seis meses, como os solstícios. O que já era algo bastante freqüente em termos de “Alta Traição a Coroa”.

— Além disso eu já sou chefe de polícia e mãe da Lin — ela disse enumerando as duas coisas enquanto rebatia Katara — Eu também tenho muito trabalho.

Foi quando um estalo pareceu atravessar o rosto do Senhor do Fogo que pela primeira vez tomou a frente de um argumento naquele dia.

— E exatamente por isso deveria ir com ele — Aang e Katara o encararam com as testas franzidas por um instante, mas logo entenderam.

— Sim! — completou o avatar, os dois homens haviam se aproximado dela de modo que ela sabia que um ocupava o seu lado direito e o outro o esquerdo. — É o seu papel prender criminosos.

— E o assassino da Suki é um criminoso foragido.

O silêncio se instaurou por um longo momento, enquanto ela pensava em uma forma de escapar daquela missão desnecessária. Sabia que podia apenas delegar a função de prender o dobrador de fogo a outra jurisdição.

— Isso não resolve o problema de Lin — esse era o real problema, ou pelo menos o maior deles no fim das contas.

Sua filha contava com apenas cinco anos naquela altura e nunca havia a deixado realmente sozinha. Quando Lin era pequena a levava para a delegacia enquanto fazia o trabalho burocrático com ela presa ao seu peito e aos quatro anos ela já ficava em uma escola própria para a idade dela. Mas era apenas pelo tempo de trabalho de Toph.

Claro que havia sido um alívio voltar para o campo, mas era difícil ficar longe da filha tanto tempo. E quanto tempo levaria aquela viagem? 2? 3 dias? Definitivamente não podia ficar tanto tempo longe.

— A Lin é muito calma — disse Katara se aproximando para fechar o triângulo — Ela pode ficar conosco ou com seus pais.

— Ou ficar no palácio fazendo companhia para Izumi — completou Zuko.

— Eu não sei — disse, apertando os braços ao redor de si mesma, hesitante — Ela nunca ficou tanto tempo longe de mim.

— Agora você está falando como seus pais — acusou Katara.

— Não! — ela respondeu, aumentando a voz — é diferente.

— Quantos anos você tinha quando fugiu para aprender com as toupeiras texugo? — perguntou Aang ao seu lado.

— Seis, mas isso não — ela respondeu antes de suspirar mais uma vez. Mais uma vez não precisava enxergar para saber que todos a encaravam — Tudo bem. Eu vou nessa viagem, mas me avisem se qualquer coisa acontecer com minha filha ou vocês podem saber que vão mofar nessa cadeia.

— Lin — ela sussurrou enquanto acariciava o fino e macio cabelo da filha que se aconchegava sob as cobertas ao seu lado.

Lin tinha o próprio quarto há apenas alguns passos do da mãe, mas raramente dormia ali e Toph também não a obrigava. Gostava de ter a pequena em seus braços.

Ela fez um resmungo de que havia ouvido, mas não falou nada.

— Eu vou fazer uma viagem com o tio Sokka amanhã — ela disse. Lin não conhecia muito sobre Sokka ou Suki, apenas que eram velhos amigos da mãe e pessoas legai que ela via nos feriados.

Também sabia que o Tio Sokka era irmão da Tia Katara e tio legítimo de Kya, Bumi e Tenzin, mas nada muito além disso. Sua mãe às vezes contava as histórias de sua juventude para ela dormir e em muitas tinha ele, mas nunca Suki.

— É porque a tia Suki morreu? — ela perguntou de forma inocente. Sabia disso também, mesmo que não tivesse ido ao enterro.

— É. — respondeu Toph, a voz desaparecendo aos poucos. Não queria começar a falar com Lin sobre mortes tão cedo — Você vai ter que ficar com a Katara e o Aang por uns dias. — ela continuou quieta, brincando com os fios negros do cabelo da mãe, assim como a mãe fazia com os dela — E talvez a tia Katara não deixe você dormi com ela.

— Tudo bem — respondeu se ajeitando no travesseiro e bocejando profundamente — Eu ainda posso dormir com a Kya ou com o Bumi ou como o Tenzin. Ou sozinha — ela respondeu dando de ombros, antes de se aninhar contra a mãe.

Toph riu da animação da menina e então a abraçou e beijou o topo da cabeça, sentindo o cabelo lhe pinicar o nariz antes de dormir.

Sokka sentiu o corpo bater com força contra a parede. Não era a primeira vez naquele dia para ser sincero, mas dessa vez quem o atacara era a pessoa que deveria ser sua amiga e parceira naquela jornada.

— Eu sei que você tá desesperado — disse a mulher, batendo a porta atrás deles — Mas precisa se acalmar. Se ficar chamando atenção do jeito que está, vai entregar nosso disfarce.

Estavam disfarçados naquela viagem, seguindo os passos de um dobrador de lava que começara a atacar as guerreiras Kyoshi. Ainda não sabiam ao certo qual era a motivação do homem, mas sabiam bem a forma como ele agia, sempre separando uma delas do resto do grupo.

Foi isso que levou Suki a procurar o auxilio do Avatar e da seus amigos para conseguir arrumar uma emboscada contra ele, mas as coisas não deram certo e a líder havia sido morta enquanto o homem fugia.

— Eu pensei que você quisesse terminar logo isso — ele respondeu, esfregando as costelas enquanto encarava a mulher a sua frente.

— E eu quero — respondeu sentando na cama ao lado da porta — Mas prefiro voltar viva para minha filha.

Ele a observou envolver a barra da camiseta com os dedos e então, finalmente, se deu conta do que estava acontecendo e virou o rosto para o outro lado. Ele não havia pensado em Lin. Haviam pessoas que eram mães por natureza como Katara e havia Toph, ele levara vários sustos quando soube que ela seria mãe, primeiro porque nunca a vira como uma pessoa sexualmente ativa e segundo porque nunca a imaginou como mãe.

— Faz um bom tempo que eu não vejo a Lin — ele disse de forma casual, começando a se trocar também, enquanto a mulher se enroscava nas cobertas — Como ela está?

— Grande — respondeu ela, suspirando — Eu queria saber como ela está dormindo.

— Ela tem problemas para dormir? — perguntou Sokka.

Quase um metro e meio separava as duas camas do quarto e por isso era fácil conversar em um tom baixo. Toph havia virado o corpo para cima e encarava o teto com seus olhos esbranquiçados, já não conseguia sentir nada que acontecia ao redor dela no quarto, exceto pelo barulho de seu colega se movendo ao lado.

— Não sei — respondeu dando de ombros — Ela nunca dormiu longe de mim antes.

— Eu nunca imaginei você como esse tipo de mãe que dorme com os filhos.

— Você nunca me imaginou como mãe — ela respondeu.

Houve um silêncio estranho no quarto enquanto os dois apenas respiravam. Era estranho como haviam se falado tão pouco nos últimos anos, claro que havia um motivo. Um motivo que nenhum dos dois queria falar sobre.

— Eu acho que eu que não vou conseguir dormir sem ela aqui — concluiu se virando de lado e abraçando a ponta do travesseiro.

Foi quando o barulho da cama de Sokka quebrou o novo silêncio que havia se instaurado no quarto.

— O que você está fazendo? — ela perguntou, um pouco preocupada por não conseguir sentir as vibrações no chão.

— Eu também não tenho conseguido dormir sozinho — ele respondeu, se sentando na ponta da cama. De forma instintiva, Toph deu lugar para ele que se colocou sob as cobertas — Talvez possamos nos ajudar.

— Não sei — ela respondeu, um pouco desconfortável com a proximidade repentina, fazia quase 6 anos desde que havia dividido a cama com um homem pela última vez — Você é muito maior do que a Lin.

— Vai ser só dessa vez — ele respondeu, as mãos encolhidas junto ao corpo. Claramente incomodado também.

Mesmo assim acordariam abraçados na manhã seguinte.