Ela sentiu quando foi colocada na cama com delicadeza. Podia ter se arrastado até ali e não seria difícil depois de todas as vezes que havia feito, mas Sokka insistira que não deixaria a chefe de polícia de Cidade República rastejando como uma inválida e que não adiantava ela espernear.

Ainda estava irritada, não por ter tido os pés queimados por um dominador de lava qualquer, mas por ter sido carregada como uma criança birrenta pela rua, isso sim parecia mais degradante para a chefe de polícia do que engatinhar pelo chão de volta até a hospedaria em que estavam.

— Eu posso? — ele perguntou, o peso fazendo o colchão afundar junto aos pés dela.

— Claro, talvez você possa usar o seu bumerangue para curar as queimaduras — ela disse irônica, balançando as mãos. Talvez estivesse mais irritada do que imaginava, mas quem poderia culpá-la? Estava exausta e quase completamente cega e, muito provavelmente, estaria trancada ali até que Katara pudesse viajar. O que teria que esperar até o nascer do sol por causa das crianças.

Ela afastou os pés para perto de si, abraçando os joelhos e sentindo o incômodo do tecido grosseiro sob as solas e então resolveu apoiar apenas os calcanhares. Foi quando sentiu duas mãos pegarem seus tornozelos e puxá-los com calma.

— Sokka! o que você tá fazendo? — perguntou, lutando para se desvencilhar, mas sem qualquer sucesso. Poderia ter dobrado a terra para isso, mas nem ao menos pensou sobre o assunto.

— Katara deu um pouco de água curativa do norte para emergências — ele explicou enquanto ela sentia o líquido escorrer pelos dedos e pela planta do pé — Não é muito, mas eu espero que dê ao menos para aliviar.

Havia algo de diferente em sua voz. A raiva parecia ter atenuado bastante desde a noite anterior ou ele a estava mantendo controlada, agora ele já parecia muito mais o cara com um plano que ela havia conhecido por mais da metade da vida e muito menos com o viúvo inconsolado. Isso era bom.

Os dedos grandes passaram pelas feridas com pouca força, espalhando a água para ter certeza de que seria o suficiente. E então o incômodo das queimaduras passou para um calor confortável que se enrolava em suas pernas e se alojava no baixo ventre. Faziam ao menos 5 anos que não sentia aquilo. Na verdade, fazia muito mais, quase 31 anos que ninguém tocava em seus pés. Ela não havia deixado ninguém tocar seus pés desde o dia que saiu da casa dos pais.

— Então…— ela sabia que vinha uma pergunta, era algo social para tentar quebrar o desconforto de uma massagem nos pés — Você ainda sente falta dele?

Pergunta errada. Pergunta errada.

As duas palavras ecoaram entre os dois como um grande alerta para mudar de assunto. Sokka não precisava dizer o nome em sua mente para que soubesse de quem estavam falando, até tentou abrir a boca para se corrigir, mas de forma inocente ela lhe cortou.

— Não, eu acho que nunca senti de verdade — ela respondeu se apoiando nos cotovelos, os olhos direto para o teto — Claro que eu fiquei irritada quando ele foi embora e triste, mas foi mais pela Lin do que por mim, não era como se eu quisesse passar o resto da vida com ele.

Engraçado como ninguém nunca havia lhe feito aquela pergunta e ela nunca pensara nisso até agora.

— Nós teríamos caçado ele para você — ele disse, uma sugestão de risada enchendo o quarto, esperando pela resposta dela.

— Obrigada pela consideração, Capitão Bumerangue — ela respondeu, movendo o pé com delicadeza, sentindo os dedos deslizarem pelo calcanhar esquerdo, ele não estava queimado, mas não fazia diferença já que a água já havia até mesmo secado — Mas eu poderia fazer isso sozinha se quisesse.

Ele não respondeu, mas ela podia sentir a tensão na ponta dos dedos dele enquanto apertava os tornozelos, esfregando o dedão na espera de que ela o mandasse parar ou atirasse uma pedra nele. Qualquer coisa que o fizesse voltar para a própria cama, mas isso não aconteceu.

Eles estavam em uma zona perigosa agora. Sabiam que deviam recuar, mas os dois queriam testar os limites, saber até onde o outro iria e foi Toph quem fez o movimento seguinte.

— Você ainda me vê como uma criança que precisa de proteção?

— Você sempre deixou bem claro que não precisava de proteção — os dedos continuavam subindo pelas pernas, ela não podia ver, mas sentia em sua pele o peso intensidade de seu olhar e ela sentia falta de ser vista daquela forma — E tem uns vinte anos que não te vejo como criança.

Os dedos alcançaram a parte de trás do joelho, o corpo inclinado sobre o dela. Se lembrava de outro momento assim, há muitos anos durante um dos rompimentos relâmpagos entre ele e a namorada. Eles aconteciam o tempo todo naquela época, ele fora buscar refúgio por um tempo na escola dela, o que também era comum e foi quando começaram os eventos estranhos.

Ela estava cansada dele choramingando quando terminavam, não se lembrava das palavras exatas, mas de repente um rompante que deveria consolá-lo com seu modo grosseiro acabou com uma declaração desajeitada. Ela nem teve tempo de prever o beijo que ele lhe roubara de assalto, mas não resistiu e nem o afastou.

Foi a primeira e a única vez que se beijaram, foi um erro que agora estavam prestes a repetir.

— Mesmo assim nunca me viu engravidando — ela disse, tocando os dedos dele e alcançando o pulso para sentir o coração acelerado.

Se sentiu escorregar pelo colchão enquanto era puxada para mais perto até que suas pernas estivessem em torno dele, as mãos alcançando sua cintura e cada vez mais perto até que pudesse sentir a respiração dele sobre o seu rosto.

— Nunca é tarde para mudar de opinião — ele disse em um sussurro.

Ela teria sentido vontade de rir se não estivesse tão envolvida no momento. Segurando o pescoço dele e se impulsionando para beijá-lo.

Naquele momento havia esquecido de Lin e ele parecia ter esquecido que acabara de ficar viúvo pela forma como a apertou ainda mais, deslizando os dedos sob o tecido grosso da camiseta que ela usava.

— Isso é um erro — ela balbuciou, mais para si mesma do que para que ele escutasse enquanto suas mãos soltaram os cabelos dele. Sentindo as palavras se perderem em meio ao encontro dos dois.

Se afastaram por um instante, respirando devagar para recuperar o ar no meio do quarto pesado com a tensão. Ela tremeu quando o vento frio atingiu a pele nua e então se encolheu contra o corpo do homem que a envolveu com carinho em resposta, a mão subindo pelas costas, deixando um arrepiou pelo caminho enquanto os lábios desciam pelo maxilar até os ombros.

Ela acariciou os fios castanhos enquanto ele continuava a beijá-la na clavícula, sugando lentamente enquanto descia ainda mais e as mãos continuavam a descer por sua cintura, apertando seu quadril e sentiu os próprios fios negros cascatearam pesados pelas costas.

Ela tremeu como se fosse a primeira vez quando ele a deitou de volta na cama, sentindo o colchão tocar cada parte do corpo nu enquanto ele se posicionou sobre ela.

Nenhum dos dois falou nada enquanto acontecia, como se o menor som pudesse quebrar o momento, a ilusão que os envolvia, trazendo-os de volta para um mundo onde não fazia sentido estarem juntos.

Estavam deitados lado a lado, com a cabeça apoiada no peito dele enquanto a mão descansava um pouco mais a frente. Podia sentir os dedos enrolando e desenrolando os fios longos de seu cabelo e então a realidade começou a voltar aos poucos.

Ela não estava deitada com qualquer um, com um estranho. Aquele era o seu amigo de infância, seu amor de infância e ele havia acabado de perder a namorada de uma vida inteira.

Ele não estava lá por ela e não iria embora pela manhã.

— Você deveria ir para sua cama — ela disse, ainda enrolada contra o corpo dele.

Ele não respondeu. Estava com os olhos fechados e ainda não havia sido atingido pela realidade como ela, ou estava apenas a ignorando.

— Acho que Lin entenderia — ele respondeu, pensando na criança que havia sido deixada em cidade república.

— Não é ela o problema — respondeu, se virando para a parede e envolvendo as cobertas ao redor do corpo — Isso foi um momento de fraqueza — ela agradeceu aos espíritos que ele não podia ler as emoções da mesma forma que ela conseguia e por isso não veria a mentira nas palavras que viriam em seguida — Nós não sentimos nada assim um pelo outro e não vou iludir minha filha assim.



Já havia se passado quase 4 meses antes que o cansaço e os enjôos começassem a chegar. Tinha ouvido que isso era comum em mulheres grávidas, mas como Lin nunca havia lhe dado esse tipo de problema, foi pega completamente de surpresa quando Katara começou a apalpar sua barriga.

— Acho que eu devo lhe dar os parabéns, mamãe. — disse a morena depois de analisar com calma o estômago da amiga — Parece que Lin vai ter um irmãozinho.

— Isso nem é possível — ela respondeu rindo — Sabe quando foi a última vez que tive tempo para alguma coisa que não fosse a Lin ou o trabalho?

— Deve ter tido algum nos últimos cinco ou quatro meses — respondeu com a mesma risada nervosa dela — Senão isso não teria acontecido.

Foi quando as lembranças daquela noite voltaram em sua pele, fazendo-a se arrepiar novamente ao pensar no toque quente correndo pelo seu corpo e se enrolando nos cabelos longos.

Aquilo não poderia estar acontecendo. Havia sido apenas uma noite e havia sido completamente por impulso.

— Katara — ela chamou, segurando a mão da amiga com força — Me promete que se eu contar quem é o pai, isso não vai sair daqui? — ela perguntou, sentindo o coração da dobradora de água saltar com o susto.

— Toph… — ela começou falando lenta e pausadamente, claramente preocupada com o nome que viria logo — Porque? Quem é o pai do seu filho?

A cega respirou fundo, apertando aliviando o aperto ao redor do braço dela enquanto procurava as palavras certas.

— Eu acho que você vai ser tia.

Ela ficou confusa por um momento. Já considerava que Lin e Izumi eram suas sobrinhas, mesmo que não fossem filhas de seu irmão.

— Você e o Sokka — ela comentou, sentando-se ao lado dela em choque — Mas…

— Eu achei que depois de 3 filhos, não precisaria explicar para você como essas coisas acontecem — respondeu, cruzando os braços sobre os seios doloridos.

— Eu não preciso mesmo — ela respondeu, colocando a mão sobre a barriga dela. O irmão ficaria tão feliz se soubesse, mas ela já havia prometido.