Paixão Coibida

Capítulo 2: Prazeres Humanos


O relógio se quer marcou oito horas da manhã e Mabel já estava acordada em completo êxtase. Corria pela cozinha de um lado para o outro carregando vasilhas, utensílios e ingredientes, fazendo diversas misturas e preparações em cada metro quadrado disponível no local. Após seu inesperado encontro com Bill ela ficou bastante animada e, na verdade, não conseguiu dormir à noite. Em sua cabeça seria como apresentar um mundo completamente novo e desconhecido para alguém que já soube tudo a respeito do universo, menos o que eram as sensações humanas, claro. Preferiu manter o fato em segredo de seu irmão. Dipper com certeza não entenderia e daria um "xilique".

— O que mais posso fazer? Já temos panquecas, waffles, ovos benedict com bacon e torradas... Será que cookies? Acho que dá tempo de fazer cookies - Conversava consigo mesma.

— B-bom dia Mabel... O que é tudo isso? - Dipper surgiu repentinamente, ainda de pijama e com os cabelos bagunçados. O barulho que vinha da cozinha o despertou e ele se quer se deu ao trabalho de acordar direito antes de descer. Mabel, absorta em pensamentos, não percebeu a presença do irmão e, ao escutar sua voz, assustou-se, derrubando uma tigela de farinha sobre a bancada. Passou a manhã planejando um enorme café da manhã para Bill porém se esqueceu completamente que outras pessoas também viviam ali, não se dando ao trabalho de encontrar uma justificativa para toda aquela preparação. Apesar de saber que Soos conseguiria comer tudo sozinho ela ainda precisava levar as porções para fora da Cabana, de modo que essa desculpa complicaria seus planos. Sem conseguir pensar rápido ela decidiu apenas mudar de assunto e passar a bola para o gêmeo.

— Bom diaaaa Dippeeer - O encarou maliciosamente - Como foi ontem? Quero saber todos os detalhes.

—Q-que detalhes? - Tentou disfarçar enquanto sentava-se.

— Vocês se beijaaaaaaaaram?

— Mabel eu não vou ficar contando esse tipo de coisa para você! - O garoto afundou o rosto sobre os braços apoiados na mesa, escondendo-se da irmã.

— Uhhhhhhhhhhhh eu sabia! Sabia que esse dia chegaria e meu irmão finalmente arrumaria uma namorada.

— Mabel! Você ainda não me respondeu por que isso aqui tá uma bagunça. E onde você estava ontem à noite? Não te vi quando cheguei.

Esse tipo de joguinho de desviar assuntos era extremamente comum entre os gêmeos, principalmente quando ambos tinham "culpa no cartório". Era um jogo que não podia durar muito, do contrário algum deles começava a desconfiar de algo e, nesse caso, apenas Mabel omitia uma informação realmente importante, porém ela já tinha ganhado tempo suficiente para encontrar um álibi.

— Ah bom...Err... Eu tive que... Ajudar a Grenda! Coisas de mulher, sabe como é. Você não ia querer saber. E hoje terei que sair cedo, vou encontrá-la novamente. Acredite Dipper seria muito complicado te explicar o que ela está passando. Preparei esse lanchinho para ela - Mabel ria a cada frase que dizia.

A expressão "rir de nervoso" para a pequena Pines era muito real e Dipper conhecia a irmã bem demais. Ele percebeu que a garota estava escondendo algo por trás de uma desculpinha esfarrapada, mas sabia que se questionasse poderia ficar em uma situação complicada também. Mabel jamais contaria o que realmente estava acontecendo sem antes perguntar mais e mais detalhes sobre sua noite com Pacifica. Pensou por alguns segundos e deu de ombros. Decidiu que nesse momento cada um poderia ficar com seu segredo pois não estava disposto a falar sobre o encontro.

Dipper tomou apenas um copo de leite e comeu uma porção de ovos mexidos que fez rapidamente em meio à bagunça. Considerou pegar algumas das panquecas fofinhas que estavam belamente empilhadas, mas estava ansioso com suas questões amorosas e preferiu comer menos naquela manhã. Seu corpo costumava rejeitar comida quando sua mente estava muito agitada. Nessas situações apenas uma coisa era capaz de acalmá-lo e fazer o tempo passar despercebido: "leituras longas e chatas", como diria a irmã. Ele decidiu então não comer mais do que o necessário e subiu novamente para enfiar o nariz em algum livro.

Novamente sozinha Mabel deu os toques finais no que já havia preparado e guardou cuidadosamente em uma cesta e rumou à floresta. Ela andava célere, analisando tudo ao seu redor e tentando se lembrar onde exatamente ficava a antiga estátua triangular. Não foi uma tarefa muito difícil pois alguns metros adentro do pinheiros uma risada a guiou até o jovem de cabelos loiros, bastou seguir o som.

— Mabel! Olha só o que eu consigo fazer! - Bill estava em cima do próprio "monumento", como gostava de chamar, equilibrando-se em sua perna esquerda. Em um salto hábil desceu ao chão e apoiou as costas na estrutura de concreto, descarregando seu peso ali. Cruzou as pernas e jogou uma mecha dos cabelos dourados para trás da orelha enquanto sorria presunçosamente - Já estou conseguindo total controle desse corpo humano.

Um palpitar acelerado surgiu no peito da garota. Ela permaneceu em silêncio, admirando-o. Não reparou na noite anterior pois tudo aconteceu rápido demais, mas agora que olhava mais atentamente percebia como Bill estava extremamente atraente. Sacudiu a cabeça, espantando aqueles pensamentos e sentou-se na grama, alguns metros de distância.

— Q-que bom que você tá aprendendo a controlar seu corpo hahaha - Ela abriu a cesta e começou a retirar cada prato que havia preparado.

— Hm? Você tá falando de um jeito engraçado.

Bill se aproximou e observou, curioso, tudo o que saia da cesta. Ele inspirou fundo, sentindo a mistura doce de aromas que fez seu estômago apertar. Mabel evitava olhar diretamente para ele pois tinha medo de se sentir atraída por uma entidade demoníaca e cruel. Não seria estranho considerando seu histórico. Ao longo dos últimos cinco anos seu velho hábito de se apaixonar rapidamente por caras estranhos —e bonitões- não mudou. Mabel separou uma porção de panquecas em um prato e despejou uma quantidade generosa de xarope de boldo no topo da pilha.

— Aqui. Você está pronto para descobrir os prazeres da comida?! - Ela ofereceu o prato a ele.

Instintivamente Bill passou a língua pelos lábios, desejando desesperadamente saciar a estranha vontade que o cheiro despertara nele. Pegou a primeira panqueca da pilha, com cautela, e levou à boca. Seu único olho brilhou. Ele apanhou todas as panquecas do prato com as mãos e as enfiou forçadamente dentro da boca, mastigando e engolindo em uma velocidade assustadora.

— Uau. Você podia até ganhar um concurso de comer panquecas.

— EU PRECISO DE MAIS DISSO.

— Na-na-não, cadê a palavrinha mágicaa?

Bill segurou a mão de Mabel e aproximou seu rosto do dela, olhondo-a no fundos dos olhos - Por favor, Estrela Cadente - Suplicou.

Ela entregou a cesta para o garoto e escondeu o rosto, que estava vermelho como um tomate, por entre as mãos. "Se concentra Mabel, se concentra... Ele é lindo mas tentou destruir o mundo" — pensava. Bill não reparou na reação da garota pois se concentrava na cesta, devorando cada delícia que ali havia. Levaram poucos minutos para que ele acabasse com a comida que daria para pelo menos cinco pessoas e em breve ele entenderia os perigos advindos dos prazerosos vícios humanos. Quando terminou de comer sentiu uma pontada em sua barriga e Mabel explicou sobre os problemas de comer muito de uma vez, mas por sorte ele iria sobreviver e entendeu que precisava apenas esperar passar.

Os dois caminharam um pouco pela floresta e chegaram a um lago. Sentaram debaixo de uma árvore na beira da água e descansaram as costas no largo tronco. Bill contou algumas das coisas que viveu milhares de anos atrás, explicou sobre as dimensões que visitou e como era ser uma criatura que vagava pelas mentes. Mabel percebeu um pesar no olhar dele ao lembrar-se de como era sua vida poderosa e, para deixá-lo mais animado, ela resolveu contar um pouco mais sobre como era viver uma vida simples e humana. Bill achava bastante sem graça o estilo de vida mortal, mas algumas histórias lhe chamaram atenção. Ao doce som da voz de Mabel ele caiu no sono. O peso do seu corpo adormecido repousou gentilmente no ombro da garota e, alguns segundos depois, em seu colo. Ela sorriu enquanto observava a paz no rosto do loiro, que dormia profundamente. Afagou os cabelos dele e fechou seus olhos, sentindo a brisa suave tocando sua pele até que, finalmente, adormeceu.