Paixão Coibida

Capítulo 1: Bill Cipher


Era uma noite muito escura e fria. As estrelas reluziam no céu da pequena cidade do Oregon, Gravity Falls, que estava calma e extremamente silenciosa. A aproximadamente um quilômetro e meio da cidade, no início da floresta, ficava a grande atração turística conhecida como Cabana do Mistério. Não muito longe dali, adentrando mais profundamente os arvoredos, jazia a estátua que marcava o fim de uma terrível criatura que, cinco anos atrás, trouxe o caos e o desespero no que parecia ser o fim do mundo. Por algum tempo essa estrutura, quando descoberta por Wendy, se tornou uma preocupação para a população que temia o retorno da entidade triangular. No entanto cinco anos se passaram e nada nunca aconteceu. Pelo menos até aquela noite.

A estátua abandonada começara a brilhar em um forte tom amarelado. Quando uma enorme rachadura se formou a partir do centro um feixe de luz incidiu sob o negro horizonte, tomando-o em um forte clarão que, uma fração de segundo depois, se dissipou em pequenos pontos luminosos. Um rapaz de aproximadamente um metro e oitenta se materializou ao lado da estátua. Ele tinha cabelos loiros em sua maioria, porém apresentava algumas mechas negras e, no topo de sua cabeça, possuía um chapéu flutuante deveras estranho. Suas vestes eram tão peculiares quanto o próprio garoto. Um traje formal preto e amarelo vibrante, atado no pescoço com uma gravata borboleta intrigante, como o tapa-olho que cobria o lado direito de seu rosto. Suas mãos eram cobertas por luvas e ele segurava uma bengala, na qual buscava desesperadamente apoiar-se já que cambaleava de um lado para o outro com intensa dificuldade para manter as pernas firmes.

Conseguiu finalmente estabelecer o equilíbrio, ainda desengonçado, e soltou a bengala, levando as mãos à frente de seu corpo com as palmas estiradas para cima. Ele mexeu os dedos vagarosamente, tentando entender como funcionava o comando de seus músculos.

— Mas o que...?

Ele estapeou seu próprio rosto.

— OUCH! Espera aí... Dor?

Seu semblante tornara-se aflito. Ele encarou uma árvore e estalou os dedos, porém nada aconteceu. Estalou diversas vezes mais, de forma seqüencial, cada vez mais angustiado pois começava a entender que mesmo que passasse a vida inteira repetindo aquele movimento tudo permaneceria exatamente como estava. Deu um passo para trás e, por não ter total controle ainda sob seu corpo, acabou caindo. Ele levou as mãos à cabeça, assustado, buscando compreender o que estava acontecendo.

— Não... NÃO É POSSÍVEL! - Reclamou esmurrando o chão.

Um farfalhar de folhas surgiu à sua volta. O rapaz levantou-se às pressas, com bastante dificuldade, e apoiou-se novamente na sua bengala, trêmulo para manter-se equilibrado e com uma expressão bem relaxada no rosto, em uma tentativa de aparentar completamente hábil na estranha tarefa de ficar... Em pé. Por entre as moitas surgiu uma bela jovem de cabelos compridos e castanhos. Ela vestia uma saia godê bege por debaixo de uma blusa cacharrel lisa azul turquesa bem ajustada ao corpo, que combinava perfeitamente com a tiara em sua cabeça.

— Q-quem está aí? Eu vi uma luz forte vindo daqui e ouvi umas vozes e...

A garota percebeu a presença do rapaz e, ao reconhecê-lo, parou de falar, permanecendo em completo estupor.

— Olá Estrela Cadente - Ele a fitou de cima até embaixo e buscou não mostrar-se surpreso. Foi capaz de reconhecê-la mas percebeu que anos se passaram desde a última vez que a viu. Quantos anos é o que não tinha tanta certeza.

—V-v-você...

— Eu, eu, eu, eu. Sim, sou eu. O poderoso, incrível e maravilhoso Bill Cipher! - De forma presunçosa ergueu os braços para manifestar sua pose de vitória, porém perdeu o equilíbrio do corpo ainda estranho e tornou a beijar o chão.

Mabel franziu o cenho. Percebeu que havia algo errado com Bill. Ajoelhou-se ao lado do garoto estatelado na grama e tocou a bochecha dele com seu dedo indicador, tateando para saber se ele era real.

— Boop!

— N-não me toque! - Ele rastejou para afastar-se dela, fazendo-a rir.

— HÁ! Você voltou, mas voltou como um humano. E julgando pelo seu desespero eu diria que sem nenhum poder também.

Ele apertou os dentes, enraivecido. Ela apontou na direção da entidade como se fizesse uma pequena arma com a mão e piscou, "atirando".

— Ponto pra Mabel! Acho que nem preciso chamar o Dipper para resolver esse problema por que... Não existe problema algum - Ela riu, audaciosa.

Bill mal retornara e já expôs sua atual condição para alguém da família Pines, a principal responsável por sua queda. Não compreendia como conseguira retornar à terra após ter sua existência apagada e entendia menos ainda por que voltou como um humano inábil, considerando que era a entidade mais poderosa de todas as dimensões. Ser incapaz de responder essas perguntas o deixava extremamente desconfortável. Não tinha controle sobre o corpo de carne e osso, não conseguia responder as perguntas do universo mais, não conseguia se quer saber quantos anos se passaram desde sua derrota. Pela primeira vez em anos Bill Cipher se sentia mortal e frágil. Sentou-se na grama e dobrou os joelhos, onde apoiou seus braços. Mabel sentou-se ao lado de Bill. Não sentia medo já que ele não era capaz de fazer nada.

— Não sei como vocês conseguem passar por essa reles vida humana e sem graça. Estou assim a alguns minutos e já não aguento mais. Não ter poderes... Não ter respostas... Isso é uma merda!

Ela conseguia sentir a tristeza e o pesar nas palavras dele. É claro que aquela criatura tentou matar todos e destruir o mundo inteiro cinco anos atrás, mas agora parecia apenas um garoto assustado fazendo com que ela sentisse pena. Era tão humano que fizera Mabel se esquecer de todas as coisas horríveis feitas por ele. Ela se aproximou, levando a mão em direção ao seu rosto, curiosa para retirar o estranho triângulo preto que cobria o rosto do loiro, porém fora interrompida. Ele segurou a mão dela e disse, com certa frieza.

— Eu não faria isso se fosse você. Apesar de ter um corpo humano ainda mantenho características da minha aparência anterior. Hunf. Você não é capaz de notar algumas coisas do seu próprio corpo pois sua percepção já está adaptada. Eu não sou acostumado com um corpo humano então consigo ter sensações de cada pedacinho, cada centímetro dessa existência fraca. Esse tapa-olho está aqui por um motivo e você não vai querer ver o que tem debaixo dele, pois eu sei o que é e acredite... Não seria agradável.

Mabel recuou o braço em silêncio, assustada com a forma que um ser tão terrível estava conversando e lidando com ela. De alguma forma percebeu que o ato do garoto não era em defesa própria, mas sim para protegê-la de um possível trauma. Por que alguém que tentou destruir a existência humana se preocuparia assim com ela? Se questionava se junto com o corpo ele também tinha recebido sentimentos humanos. Ela jogou o corpo para trás, apoiando seus braços na grama e fitando o céu estrelado. Não conseguia entender mas lá no fundo, não tão fundo assim, estava curiosa para conhecer mais sobre o novo Bill.

— E o que você pretende fazer agora? - Questionou.

— Eu vou descobrir como conseguir meus poderes de volta e irei me vingar do que seja lá que tenha me castigado nesse corpo inútil - Ele se levantou com um pouco mais de facilidade agora. Mabel podia jurar que vira lágrimas se formarem em seu único olho, mas Bill virou o rosto antes que ela pudesse ter certeza. Um som emergiu de sua barriga, quebrando completamente o tom sério da conversa e a garota de cabelos castanhos não conseguiu conter a risada frente à situação, deixando Bill completamente constrangido.

— M-mas o que é isso?! - Palpou a própria barriga, envergonhado e confuso.

— Acho que antes de qualquer coisa você vai precisar aprender a lidar com seu corpo humano. Você tinha alguns sentimentos quando era uma entidade malígna. Raiva, ódio e euforia em sua maioria. Isso não vem ao caso agora. Mas você não tinha sensações. Você está com fome, bobo. E se não comer seu corpo físico não vai ter energia nem para mover um dedo.

A gêmea Pines se levantou em um salto, entusiasmada. Ela segurou a mão de Bill e o encarou com um brilho no olhar.

— Está decidido! Irei te ajudar a se acostumar com seu corpo humano. Mas vou ficar de olho em você a partir de agora para garantir que você não faça mal a ninguém - Ela piscou um olho e apontou para o outro, com um enorme sorriso estampado no rosto.

— ... Há, piada de olho. Não teve graça, tá bom? - Ele apontou para seu único olho, reprovando a brincadeira da garota.

O canto do lábio de Bill se mexeu, formando um singelo sorriso que deixara Mabel ainda mais alegre. Ela nunca o viu sorrir já que antes ele era só um triângulo esquisito. A perspectiva de terem a companhia um do outro era agradável para ambos e Bill sentia que seria interessante passar esse tempo ao lado de Mabel, mesmo naquela situação humana nada agradável para ele.