Out On The Town

Capítulo 19 - Klaus


3 de julho de 2022

Era domingo de manhã e eu tinha prometido a Hope que a levaria para aprender a dirigir mais uma vez hoje. Como tive tempo de organizar melhor as coisas e Esther tinha acabado de sair para o que com certeza seria uma de suas viagens infinitas, resolvi pegar logo o carro em que ela ficaria treinando. Ninguém sentiria falta dele.

Exceto, talvez, minha mãe, quando voltasse da viagem dela.

Deixei o pensamento de lado. Eu avisaria quando ela estivesse perto de voltar, o que provavelmente seria quando fossem ler o testamento do meu pai ou no fim do verão. As duas datas provavelmente iam coincidir, então eu ainda tinha um bom tempo.

Peguei o carro e fui para a frente do hotel. Avisei a elas que estava lá e desci do carro para esperar. Menos de 5 minutos depois, as duas saíram do prédio.

— Meu Deus do céu, é realmente azul. - Hope disse, claramente surpresa. Eu tive que rir.

— Eu tinha dito que era azul.

— Eu tinha imaginado um azul tardis, não que fosse tão azul assim.

— Gostei da cor. - Caroline disse. - Ao menos torna impossível de perder num estacionamento.

— Definitivamente. - respondi.

Entramos no carro, eu ainda como motorista, Caroline ao meu lado e Hope no banco de trás. Paramos na minha casa, já que Care tinha se oferecido para fazer o almoço enquanto eu saía com Hope. Fui mostrar a Caroline onde encontrar tudo que ela fosse precisar enquanto Hope dava atenção a Lupi na sala. Ela inspecionou o freezer, a geladeira e os armários e parou por um momento, analisando as possibilidades.

— Acho que vou fazer bife de panela, repolho refogado, arroz e salada. - ela olhou para mim. - O que acha?

Eu amava quando ela fazia bife de panela e repolho refogado, e o simples pensamento me deu água na boca.

— Você está tentando compensar 17 anos de sumiço com comida? - perguntei, brincando com ela.

— Você descobriu meu plano secreto! - ela respondeu, muito séria. - Droga. Eu queria te ganhar de volta sorrateiramente com comida.

— Não sei se era para ser tão secreto e não tem necessidade de me ganhar de volta. Sempre fui todo seu. Mas eu gosto da sua comida, então vou fingir que não descobri seu plano secreto.

— Você me quer de volta pelos meus dotes culinários?

— Não. Quero você de volta porque você é você. E eu descobri que tentar ficar com outras pessoas é perda de tempo porque eu sempre comparo elas a você e ninguém nunca é bom o suficiente.

Caroline apenas olhou em meus olhos e parecia estar prestes a dizer alguma coisa quando Hope apareceu na entrada da cozinha. Agradeci aos céus pela interrupção. Não podíamos conversar assim. Era perigoso demais.

— Já podemos ir? - ela perguntou.

— Acho que sim. - respondi, virando para Caroline em seguida. - Você consegue se virar daí?

— Sim. - ela sorriu. - Essa já foi minha cozinha um dia, acho que posso conquistá-la de novo.

Sorri para ela e eu e Hope saímos. Levei o carro para o lugar onde tínhamos praticado na sexta-feira e trocamos de lugar. Ela ajustou o que foi necessário e deu partida no carro. Apesar de não termos praticado a ponto de ela se acostumar a tudo, percebi ela batendo o braço na porta antes de acertar passar a marcha.

— As pessoas fazem isso parecer tão fácil. - ela disse.

— É só uma questão de hábito. Assim que você se acostumar, vai ser tão normal que você mal vai perceber quando estiver fazendo.

— Espero que sim.

— Algum dos seus amigos já dirige?

— Sim. Alguns dos meus amigos são uns meses mais velhos, então já aprenderam. Blaire, minha melhor amiga, foi a primeira da turma a tirar a carteira.

— Entendi.

— Você aprendeu assim que fez 16 ou demorou um pouco, como eu?

— Eu aprendi quando tinha 15 anos.

— E me julgando porque eu ia aprender no verão passado?

— Não estava julgando. Estava surpreso, principalmente porque sua mãe sempre seguiu as regras nesse sentido. E as duas situações eram bem diferentes. Eu aprendi numa cidade de interior nos anos 90. Sim, já tinham muitos carros, mas nada perto do caos que é uma metrópole global quase 30 anos depois.

— Justo. Quem te ensinou?

— O pai da minha antiga vizinha. Ele estava ensinando para ela e eu estava sempre por perto, então me ensinou também.

— Vocês eram próximos?

— Sim. Por muito tempo, ela foi minha única amiga, já que eu era educado em casa e não tinham outras crianças na vizinhança. Fora meus irmãos, claro, mas...

— Não é a mesma coisa. - ela disse, já ligando a seta para virar o quarteirão, indo para um lado diferente do que tínhamos seguido na sexta. - Seus irmãos teoricamente tem que gostar de você.

— Sim. Eu inclusive terminei o ensino médio um ano antes para ir para a faculdade com ela.

— Nossa. Eu não consigo... - ela parou por um momento. - Aquilo é um quebra-molas?

— Sim. - respondi. - Diminua a velocidade pisando de leve no freio e volte para a segunda marcha.

— Ok. - ela fez o que eu tinha instruído e conseguimos passar sem problemas. - Onde eu estava... - ela começou a se perguntar, mas logo lembrou. - Ah, sim. Não consigo me imaginar na faculdade daqui a um ano.

— Foi meio difícil no começo, mas eu fiz amigos bem rápido e se tornou mais fácil. Mas eu imagino que seria estranho para você. Só você na faculdade enquanto seus amigos ainda estão no ensino médio.

— Sim. - ficamos em silêncio por um tempo. - Estou pensando em que circunstância isso poderia acontecer e só tem uma possível.

— E qual seria?

— Eu ganhar uma bolsa em alguma faculdade de design muito boa.

— Você desenha? - perguntei, já curioso.

— Sim. - ela disse, com um sorriso tímido. - Começou como parte da minha terapia, mas eu gostei e continuei fazendo e me aprimorando.

— Isso é ótimo. Eu fiz algumas aulas de artes enquanto estava na faculdade.

— Sério? - ela estava surpresa.

— Sim. Tinha pensado em fazer disso minha graduação, mas eu fui pelo caminho mais fácil e me graduei em administração e negócios.

— Como você conseguia gostar dos dois? Para mim, são tão diferentes quanto água e vinho.

— E realmente são, mas eu gosto dos dois. Talvez não com a mesma paixão, mas eu gosto. E é aquela coisa, eu gosto de vinho, mas eu preciso da água para sobreviver. - percebi que aquilo estava mandando a mensagem errada e emendei. - Não que no caso que estamos falando não dê pra viver de vinho, mas... er...

Hope começou a rir da minha confusão.

— Eu entendi. Estou ciente de que é mais difícil viver de vinho do que de água, mas que é possível.

— Sim.

— Acho que água e vinho não foram uma boa comparação.

— Foram, porque realmente são muito diferentes, mas chega um ponto em que toda comparação falha. De qualquer forma, você devia ir para o vinho, se é isso que você realmente quer.

— Obrigada, Klaus. - ficamos em silêncio por alguns momentos. - Essa conversa sem contexto é bem esquisita, não?

— Sim. Por favor, se for contar à sua mãe sobre essa conversa, não diga a ela que eu estou te incentivando a viver de vinho.

Ela riu.

— Ok. Não sei se ela acreditaria que você estava me incentivando a beber.

— Bom, como alguém que quase chegou no fundo do poço por causa de bebida, eu posso dizer que não vale a pena e que realmente eu seria a última pessoa a incentivar.

— Você já foi etilista? - ela parecia chocada.

— Não cheguei a esse ponto, mas estive a um passo disso das duas vezes que perdi sua mãe.

— Nossa. Ainda bem que você se recuperou.

— Sim. Foi bem difícil e achei melhor erradicar isso da minha vida. Hoje eu já tenho mais autocontrole, então de vez em nunca me permito beber um pouco.

— Que bom que você consegue controlar agora. Voltando para o ponto inicial, eu também não falaria sobre essa conversa com as palavras que usamos porque eu gosto de passar tempo com você e acho que poderiam ser interpretadas do jeito errado e aí não poderia mais te ver.

Meu coração se aqueceu ao ouvir aquilo.

— Bom, eu também gosto de passar tempo com você e não quero ver isso destruído por um mal entendido. Só por via das dúvidas, vou falar o que eu quis dizer com todas as letras. Você devia investir numa carreira como artista.

Ela sorriu para mim e continuamos com a nossa aula.

●●●

4 de julho de 2022

Dizer que eu estava nervoso sobre ir ao festival com Hope e Caroline era um eufemismo. Eu queria que tudo corresse bem. Esse era um dos feriados favoritos de Caroline e fazia muito tempo desde que ela teve a oportunidade de participar de uma festa de 4 de julho.

Estávamos nos divertindo, apesar de eu tentar me manter distante de Caroline. Não imaginava como era difícil ignorar alguém com quem você está saindo, mas tentar fingir que está tudo normal, até ter que fazer isso. Dava para ver nos olhos dela que ela percebia que eu tentava colocar uma certa distância entre nós, mas que não entendia o que eu estava fazendo.

Quanto mais se aproximava da hora da queima de fogos, mais o lugar enchia e mais eu me preocupava com Hope, mas ela parecia estar bem, então eu não ia encher a paciência dela perguntando o que eu sabia que ela não queria que eu perguntasse. Acreditava que, se fosse ficar muito mal, ela diria. Ou que pelo menos mostraria algum sinal. Então quando ela parou no meio do nada e ficou encarando um ponto fixo, eu precisei intervir.

— Tudo bem? - perguntei, já tocando seu braço.

— Sim. - ela respondeu, quase como se estivesse saindo de um transe.

— Certeza?

— Sim. - ela sorriu. - Se eu estivesse aqui sozinha, a história seria bem diferente, mas estou bem. Ajuda que você e mamãe estejam aqui. Onde ela está?

— Saiu para ir ao banheiro. Você não tinha percebido?

— Tinha, mas acho que abstraí. Estava prestando atenção às pessoas na barraca de tiro.

Olhei ao redor e vi a barraca da qual ela estava falando. Tinha algumas fichas penduradas na parede e cada uma correspondia a um prêmio. Supus que algumas eram maiores e podiam ser um saco de pipoca ou um pacote de balas, mas fichas menores eram prêmios melhores, como bonés e bichos de pelúcia.

— Você quer ir lá?

— Não. - ela parecia desanimada. - Eu não sei atirar e provavelmente só faria papel de boba.

— Vamos. Eu te ajudo.

— Você me ajuda como em você me ensina ou você atira?

— Os dois, eu acho.

— Ok.

Fomos para a barraca, onde fui capaz de ver os prêmios e percebi que estava certo. Fichas menores, prêmios melhores. Tinha até um mp3 player como prêmio, e, mesmo que ninguém mais usasse mp3, com certeza era um prêmio disputado.

— Quem vai primeiro? - ela me perguntou.

— Eu posso demonstrar e depois te ajudo. Que tal?

— Pode ser.

— Ok, o que você quer ganhar?

Ela avaliou as opções

— Acho que vou tentar o mp3.

— Ok. Vou deixar isso nas suas mãos.

— Meu Deus, quanta pressão.

— Vai dar certo. Se eu fosse depois de você, você se esforçaria menos.

— Ok, bom raciocínio.

Comprei duas chances no caixa da barraca e sinalizei que eu seria o primeiro a atirar. Peguei a espingarda e tentei mirar num outro prêmio qualquer, ganhando, após acertar, uma ficha de nachos grátis na barraca de lanches.

Entreguei então a arma para Hope e comecei a instrui-la sobre como segurar direitinho a arma e mirar. Não tinha mais ninguém na fila, então ela podia tomar seu tempo. Quando ela atirou, não acertou a ficha que queria, mas a ficha do lado.

— Foi perto o suficiente! - ela disse, comemorando e já me abraçando.

— Sim! - dei um beijo em sua testa. - Você se saiu muitíssimo bem para um primeiro tiro.

— Seu prêmio, mocinha. - o atendente da barraca se aproximou, trazendo consigo um bicho preguiça de pelúcia. Hope examinou e abriu um sorriso.

— Eu amei! - ela disse, pegando o bicho de pelúcia. - Seu nome vai ser Suellen.

Saímos de perto da barraca e encontramos Caroline chegando no lugar de onde tínhamos saído.

— As filas para o banheiro estavam enormes. Estava começando a achar que ia perder os fogos. - Caroline disse. - Então, o que eu perdi?

— Fomos na barraca de tiro. - respondi.

— Por isso a preguiça?

— Exato. - Hope respondeu. - Eu ganhei uma preguiça e Klaus ganhou uma porção de nachos.

— Nossa. Me perdoe, mas o prêmio dele parece muito melhor no momento.

— Também está com fome? - perguntei.

— Sempre estou com fome. - ela falou, muito séria, mas o brilho de seus olhos era de diversão.

— Depois dos fogos, podemos ir resgatar meu prêmio e algo mais.

— Sim, por favor. Acho que as filas não vão estar mais tão grandes.

— Com certeza vão começar a se dispersar depois dos fogos.

— Olha, estão pra começar. - Hope disse, já andando em direção ao lugar onde algumas pessoas estavam começando a se juntar. Fomos atrás dela, que tinha conseguido um lugar bem perto da grade de segurança. Ela virou para trás e para os lados e percebeu que não poderíamos ficar todos juntos. - Ah...

— Se você não se importar ou se quiser uma visão melhor dos fogos, pode continuar aí. - Caroline falou. - Vamos estar bem aqui.

— Ok. - ela falou e virou para a frente. Logo depois, vi que começou a conversar com a moça que estava do seu lado.

— Ela vai ficar bem. - eu disse.

— Tenho certeza que sim. - Care respondeu. - Ela não lida bem com multidões, mas está tranquila hoje.

— Ela parece melhor do que quando fui buscar vocês no aeroporto, isso eu posso confirmar. Mas acho que aquele momento também foi uma mistura muito grande de sentimentos.

— Sim. Mal dá pra acreditar que foi 3 dias atrás.

— Só isso? - eu estava surpreso. Não tinha como ser só 3 dias. Pela quantidade de oportunidades que eu tinha achado para beijá-la e que tive que resistir, já deviam fazer pelo menos umas duas semanas.

— Por incrível que pareça, sim. Acho que foram 3 dias ocupados o suficiente para parecer 3 semanas.

— Considerando que eu estou tentando recuperar o tempo perdido, acho que você está certa.

— Desculpe por isso. De novo. - ela disse, numa voz um pouco cansada, mas que, ainda assim, exprimia pesar.

— Não encana com isso. - segurei seu rosto entre as mãos. - Sério. Não foi sua culpa. Além disso, não vale a pena ficar pensando no que teríamos feito de diferente se pensássemos como hoje 17 anos atrás.

— Você tem razão. Não adianta chorar pelo leite derramado, não é? - ela sorriu e eu tirei minhas mãos do seu rosto. Ela sorrindo assim e estar tão perto dela não fazia bem para minha sanidade mental. Ou pelo menos não para a parte do meu cérebro que tentava convencer todas as outras que beijá-la (agora) era uma péssima ideia.

— Não mesmo.

— Já estão desligando as luzes. - ela disse, após olhar para trás e ver que as barracas estavam fechando para a queima de fogos. - Já vai começar. - ela virou para a frente com uma animação palpável.

Tive que sorrir enquanto observava ela. Os olhos dela literalmente brilhavam com expectativa e alegria e eu simplesmente me apaixonei de novo.

Os fogos começaram a queimar e eu passei um braço pela cintura de Caroline. Foda-se a parte do meu cérebro dizendo pra não fazer isso. Nem que seja só pelos próximos 10 minutos, eu vou quebrar minhas próprias regras. Ela passou um braço por trás das minhas costas e me puxou mais para perto.

— Feliz 4 de julho. - ela disse, olhando para mim e sorrindo.

— Feliz 4 de julho. - respondi, sorrindo também

Observei ela dar uma olhada em Hope, que parecia focada nos fogos. Realmente era um bom espetáculo, mas eu não conseguia focar naquilo. Não com Caroline tão perto.

— Eu sei que combinamos que por enquanto não iríamos fazer nada, mas...

Não esperei ela dizer mais nada. Simplesmente abaixei um pouco minha cabeça e a beijei. Queria prolongar aquele momento para sempre, mas não podíamos fazer aquilo. Ficamos nos olhando por alguns momentos, até que ela afastou o olhar.

— Você tem me ignorado desde ontem de manhã. - ela disse. E era parcialmente verdade. Desde a nossa conversa na manhã anterior, eu tentava manter minha distância. Honestamente, é difícil amar alguém, querer estar com ela e não poder. Era mais fácil evitá-la por enquanto.

— Não é que eu esteja te ignorando. - ela apenas me encarou depois que eu terminei de falar. - Eu estou te evitando.

— E a diferença seria?

— Se você vier conversar comigo, eu vou conversar com você, não te ignorar.

— Bom saber que estou sendo evitada e não ignorada.

— Desculpe. É só que olhar nos seus olhos, ouvir sua voz, ver o seu rosto ou mesmo estar no mesmo ambiente que você me faz querer jogar todas as razões estúpidas para não estarmos juntos pro ar. E conversas como a que tivemos ontem não facilitam.

— Eu sei. Aquela conversa estava perigosa.

— Essa também. - falei, puxando-a um pouco mais para perto. - Eu proponho uma pausa.

— Pausa? - ela parecia confusa.

— Sim. Enquanto essa queima de fogos durar, nosso acordo não vale.

— Combinado.

Ela mal terminou de falar e só começou a me beijar. Eu a abracei e tive certeza de que, quando precisasse soltá-la, meu coração se partiria um pouco, mas a dor valeria a pena. Além disso, tinha esperanças de que logo logo não precisaríamos mais evitar distrações. E quando esse momento chegasse, eu não a deixaria ir embora de novo.