Out On The Town

Capítulo 10 - Klaus


1° de julho de 2005

Eu já tinha cogitado a ideia de tocar fogo na casa toda umas duas ou três vezes no mínimo. Não conseguia aceitar que ela tinha sumido da minha vida de novo de um jeito ainda mais súbito do que da primeira vez. Uma vez era horrível, mas duas? Era simplesmente insuportável. Eu já estava na cozinha, procurando um prato ou xícara pra quebrar. Precisava descontar essa raiva em alguma coisa que não fosse tão cara quanto a minha vida. Claro que, a essa altura, eu já tinha bebido quase uma garrafa de tequila. E não eram nem 9:30.

Puta que pariu. Fazia mais de um ano que eu não bebia antes das 11. Talvez eu fosse voltar ao meu padrão antigo. Não que isso fosse algo que eu queria, mas parecia bem provável que acontecesse.

— Klaus?

A voz de Caroline soava tranquila, de um jeito que eu pensei que nunca mais ouviria. Quer dizer, eu pensava que nunca mais ia ouvir a voz dela, e, ainda por cima, ouvir assim... eu estava quase em êxtase. Nunca me cansaria de ouvir ela falando.

— O que aconteceu? - ela perguntou, seus olhos examinando toda a bagunça que eu tinha feito.

— Eu pensei que você estava morta. - praticamente me joguei em cima dela, segurando-a o mais próximo do meu corpo que eu podia. Ela parecia ter o mesmo objetivo. Não sei. Ao mesmo tempo que era um abraço como qualquer outro, ela parecia diferente em meus braços. Beijei sua testa.

— Eu estava só dando uma caminhada.

Engoli em seco.

— Eles te ameaçaram, Caroline. Disseram que iam te matar se eu não aceitasse casar com a Camille. Tipo, pra valer. Sem enrolar mais. Me perdoa?

— Você fez isso por mim? - ela parecia prestes a chorar.

— Claro. Eu daria a vida por você.

— Eu te perdôo. - ela murmurou, seu rosto enfiado em meu peito. - Só quero que me perdoe pelo que eu vou fazer.

Franzi a testa. O que diabos ela queria dizer com isso?

— Caroline, o que você quer dizer com isso?

— Vamos só arrumar essa bagunça, ok? - ela falou, olhando nos meus olhos, definitivamente desviando do assunto. Ela tinha um certo toque de melancolia no olhar.

— Certo.

Beijei seus lábios delicadamente. Ela se afastou depois de pouco tempo. O que estava acontecendo?

Como o mini furacão que ela é, Caroline foi, aos poucos, arrumando toda a bagunça que eu tinha feito. Eu não podia dizer que não estava ajudando, só podia dizer que o clima estava pesado, como se uma tempestade fosse cair sobre as nossas cabeças a qualquer momento. E isso era o que eu menos precisava nesse momento. Não pude deixar de notar que, sempre que eu tentava me aproximar e perguntar o que estava acontecendo, ela se afastava ou me pedia para fazer ou pegar alguma coisa. Que inferno, ela não ia falar nada.

Depois de uma hora e meia, a casa já estava toda de volta ao lugar, tudo em seus devidos lugares, perfeito, do jeito que ela gosta… exceto as malas. Um nó se formou na minha garganta. Por favor, que isso não queira dizer o que eu penso que quer. Sentei na cama e chamei ela para sentar do meu lado. Pelo menos, dessa vez, ela sentou praticamente encostada em mim, o que supria um pouco a minha necessidade de estar perto dela.

— Caroline, o que está acontecendo? - perguntei, minha voz no tom mais calmo que eu poderia deixar nesse momento.

Ela respirou fundo uma ou duas vezes, como se estivesse tomando coragem para o que precisava dizer. Então me olhou nos olhos e começou a falar.

Sempre achei engraçado como toda a sua vida pode virar de ponta cabeça em uma conversa. Nunca tinha passado por uma dessas e até duvidava que elas pudessem existir, mas, por alguma razão, antes mesmo que ela começasse a falar, eu sabia que essa era uma dessas conversas.

— Eu acho que o teste ontem foi um falso positivo. - eu ia perguntar por que, mas ela logo prosseguiu. - Ou isso ou eu sofri um aborto espontâneo, porque minha menstruação chegou hoje de manhã.

Senti meu coração afundar no peito, então engoli em seco e fiquei em silêncio por alguns segundos. Passei um braço pelos ombros dela e comecei a afagar o seu braço.

— Tudo bem. Eu estava animado com a possibilidade, mas essas coisas acontecem. O bebê não é a razão pela qual eu estou com você. Eu quero você por quem você é, não importa qual seja a opinião das outras pessoas. É para ser eu e você contra o mundo. - peguei na mão dela e tentei entrelaçar nossos dedos, mas ela simplesmente a afastou.

— Poderia ser eu e você contra o mundo. Mas eu não acho que eu consigo fazer mais isso, Klaus. - tirei o braço que estava passando pelos ombros dela. Não conseguia processar direito o que estava acontecendo. Ela virou para mim e me olhou nos olhos novamente. – Não sei se consigo continuar fingindo que está tudo bem. Não é por você, não é por ter perdido o bebê pela segunda vez. É por eu não conseguir mais fingir que estou bem com tudo o que está acontecendo. Eu estou farta de ficar disputando seu futuro com a Camille e eu acho que agora, já que não tem nada que me ligue a você, seria uma boa hora pra sair do jogo de vez.

Levei um segundo para entender o que ela estava dizendo.

— Caroline, por favor não me diga que quer dizer o que eu estou pensando.

— Eu acho que você me entendeu, Klaus. Eu vou sair da equação. Deixar vocês dois resolverem todo esse assunto. Eu nem deveria estar viva, então por que me intrometer em algo que devia acontecer de qualquer jeito?

— Não devia acontecer. - protestei. - Eu não quero que aconteça e não vai acontecer.

— Realmente, não vai acontecer se eu estiver aqui, mas isso só vai trazer dor para todos os envolvidos. Não me entenda mal, nós temos uma ligação. Você me entende como mais ninguém e sempre sabe o que dizer quando eu não estou bem. Eu te amo. Te amo como eu nunca amei alguém e como provavelmente nunca vou amar, mas, eu sinto que eu tenho que te deixar ir. - Deus, ela estava chorando. Odiava quando ela chorava. Limpei suas lágrimas e ela começou a rir. - Eu odeio aquelas pessoas que dizem que só sabemos se amamos alguém quando deixamos ela ir. Eu não entendia muito bem o significado disso até hoje. Eu estou te deixando ir, porque eu sei que, se eu continuar aqui, você vai continuar lutando por mim, insistindo em nós e eu simplesmente não vou aguentar a culpa quando estivermos com um problema maior ainda, tudo porque você escolheu lutar por mim. Eu me sentiria péssima por atrapalhar sua felicidade e sua vida desse jeito.

— Minha felicidade? Caroline, o único tempo realmente feliz da minha vida, foi aquele que eu passei com você. Você não faz a menor ideia de como eu fiquei miserável depois do acidente. De como eu perdi o rumo e de como só achei de novo quando você voltou. Você é a minha vida. E isso não vai mudar.

Ela respirou fundo.

— Klaus, eu estou te pedindo pra viver sua vida sem mim. Só não esqueça de mim, por favor. Eu nunca vou te esquecer, mas… eu não posso ficar. Só trouxe problemas pra você, pra nós e para sua família desde que eu voltei.

Desci da cama e fiquei de joelhos, de frente para ela, segurando forte em suas mãos.

— Você é a minha família, Caroline. Não vá embora, por favor. Sem você, eu sou só um idiota, riquinho, bêbado com um pedaço do coração faltando. Eu te imploro. Não vá, Caroline. Nós vamos dar um jeito em tudo e vamos dar um jeito de fazer isso tudo dar certo. Eu prometo.

Ela tinha um olhar melancólico.

— Nós não já fizemos essa promessa umas três semanas atrás? E ontem, também? Olhe aonde nós estamos. Nós nunca conseguiremos fazer isso dar certo. Não com Mikael ameaçando Deus e seu mundo pra conseguir o que ele quer. E você sabe disso. Eu… - ela fez uma pausa. - Eu cansei de lutar para fazer isso dar certo.

— Você está mesmo desistindo de nós?

— Eu acho que se seguirmos caminhos diferentes a partir de agora, vamos sofrer um pouco menos. Se vai doer agora? Com certeza vai doer como o inferno, mas, se continuarmos enrolando, vai ser pior. - ela desceu e ficou de frente para mim, me beijando logo em seguida. Não era um beijo normal. Era um beijo de adeus. - Eu vou para a Inglaterra. Fazer uma nova vida pra mim lá. Não vou tentar te esquecer porque isso seria bem mais do que eu consigo aguentar.

Eu estava em choque.

— Inglaterra? - perguntei.

— Sim. Quanto mais longe, mais fácil, não acha?

— Mais fácil pra eu morrer de ciúmes.

Ela teria rido em outras circunstâncias, mas ela só deu um sorriso fraco e encostou a cabeça contra o meu peito.

— Vou sentir falta disso. - ela falou, cheirando minha camisa. - Seu perfume… esses momentos… E eu não acho que qualquer outro cara deixaria a namorada escolher flores como papel de parede do quarto.

Ri com a lembrança. Se eu chegasse mesmo a casar com Camille, ela com certeza ia querer arrancar o papel de parede fora. Isso se não quisesse ir morar em outro lugar, o que era bem provável. Eu não morava em um bairro rico e a casa não era gigante ou chique. Era uma casa normal, onde eu vivia desde que saí de casa aos 18 anos, tentando escapar de toda a ostentação da qual eles faziam questão.

— Não é só você que vai sentir minha falta. Eu também vou sentir a sua. Quem mais limparia toda a bagunça que eu fizesse depois de um ataque de raiva? - ela riu.

— Ei. Agora eu estou de mal.

— Se esse fosse o único motivo, eu contrataria uma empregada. Eu vou sentir falta das suas risadas, do seu sorriso, do jeito que você fala quando está com sono, seus fetiches, suas manias… de tudo que te envolve, Caroline. Nem pense que eu vou conseguir parar de pensar em você.

Ela me beijou de novo, desta vez com mais intensidade.

— Agora isso sim é meu beijo de adeus. Por favor, não me leve pro aeroporto, nem me veja indo embora. Eu preciso ser forte, ok? Eu não conseguiria fazer isso se eu soubesse que você estaria por perto.

— Tudo bem. - eu disse. Eu ainda não entendia muito bem o porquê dela estar indo embora, mas eu tinha que aceitar. Minha loirinha era muito cabeça dura pra eu continuar discutindo com ela. - A que horas seu voo sai?

— Às nove. Por favor…

— …não esteja lá. - interrompi-a, completando. - Eu entendi.

— Ótimo.

Então ela saiu de perto de mim e foi arrumar as coisas dela. Depois das cinco, me forcei a sair de casa para não ter que vê-la entrar no táxi e ir para o aeroporto, indo em direção ao bar que eu comecei a frequentar depois que ela tinha ido embora da minha vida pela primeira vez.

— Klaus! Estava sentindo sua falta. - Wesley, o bartender falou assim que eu sentei no meu lugar usual, próximo do balcão. - O que vai querer?

— Uma garrafa de qualquer coisa forte que você tenha, por favor.

— Ih, o que aconteceu? - ele perguntou, já pegando uma garrafa inteira da prateleira que estava atrás dele e começando a servir num copo.

— Tive um mês bom, mas tudo foi pelo ralo. - disse, já virando o copo.

— O que aconteceu?

— Tudo começou quando minha ex voltou dos mortos.

Contei tudo o que aconteceu nesse mês louco para ele e acabei passando quase três horas no bar, me certificando de que sairia depois do voo dela ter saído, assim não teria oportunidade de tentar ir para o aeroporto. Deixá-la ir estava me deixando louco, mas era a vontade dela. Assim que cheguei em casa, encontrei sua aliança em cima da mesa. Ao lado tinha um post-it com “Obrigada por tudo” escrito em grafite.

E assim ela saiu da minha vida.