Out On The Town

Capítulo 1 - Caroline


12 de junho de 2005

Quando eu peguei o ônibus no começo da manhã do dia anterior, eu sabia que a viagem seria muito mais longa do que as curtas viagens que eu dava para ir ao médico uma vez a cada duas semanas. Afinal, uma coisa é se locomover dentro de uma mesma cidade, e outra completamente diferente é cruzar um estado.

No momento em que vi a placa indicando que Mystic Falls estava apenas a 5 quilômetros, consegui respirar aliviada. Finalmente estava chegando ao meu lar.

Lar.

Eu nunca tinha parado para pensar nas diferenças entre uma casa e um lar antes, mas a palavra tinha ganhado um outro significado para mim depois de dois anos em uma cidade estranha, na qual eu sabia que não me encaixava. Não era só o lugar em que eu morava: era o lugar em que eu me sentia acolhida e amada, o lugar aonde eu pertencia.

A cidade em si não era necessariamente o meu lar, mas meu lar estava lá. Era estranho pra mim pensar que eu finalmente estava voltando, depois de dois anos fora. Queria ter voltado antes, mas eu não sabia para onde voltar.

Quando chegamos na ponte, eu só fechei os olhos e pedi para que passássemos por ela bem rápido. Eu não tinha boas memórias dessa travessia.

FLASHBACK ON

12 de junho de 2003

— Klaus, eu vou ficar bem. - eu falava tranquilamente com meu namorado enquanto dirigia. Nunca entendia o porquê de tanto nervosismo e ansiedade por parte dele quando eu saía de casa. - Eu fui só pegar o meu vestido. Eu vou estar em casa em vinte minutos.

— Porque você não me disse, Care? - ele parecia preocupado. - Eu teria te levado.

Tive que rir. Ele era um fofo por se preocupar, mas definitivamente ele estava exagerando.

— Nik, você precisa relaxar. Estou grávida, não morrendo. Eu ainda posso dirigir meia hora pra pegar o meu vestido.

Ele respirou fundo. Eu estava para passar pela ponte que, apesar de estar em obras, estava vazia naquele momento. Tive que passar por uma faixa estreita que passava bem perto da amurada.

— Tudo bem. Só chegue logo em casa, por favor.

— Okay. - fizemos um momento de silêncio, coisa que já se tornara confortável para nós. - Klaus? - perguntei, sem saber se ele ainda estava na linha.

— Sim?

— Eu te amo. - falei, enquanto tentava corrigir uma puxada que o volante estava dando. Precisávamos levar o carro pra alinhar.

— Eu também te amo.

— Te vej-

Eu não consegui terminar a frase. Só conseguia gritar. Eu tentava girar a direção do carro, frear, fazer qualquer coisa, mas não conseguia. Então ele colidiu contra a amurada e caiu no rio, 20 metros abaixo.

FLASHBACK OFF

Quando acordei, não sabia quem era ou onde estava. Sabia que estava em um hospital e que estava com dor, mas nada mais. Eu estava com um braço e algumas costelas quebradas e tinha uma quantidade alarmante de gaze enrolada ao redor da minha cabeça. Assim que acordei, uma enfermeira simpática me perguntou vários tipos de informações que eu não sabia dar, como meu nome ou de onde eu vinha. E depois me perguntou se deveria chamar Klaus, o que me confundiu ainda mais. Eu não conhecia nenhum Klaus, mas ela me disse que eu ficava chamando pelo nome dele enquanto estava apagada. Eu achei constrangedor saber que chamava o nome de estranhos enquanto dormia.

A enfermeira então chamou a equipe de médicos que estava me acompanhando. Eles me disseram gentilmente que eu tinha sido encontrada às margens do rio há 6 semanas, levada ao hospital e que tinha estado desacordada desde então. A polícia, que acreditava que eu podia ser sobrevivente de uma tentativa de assassinato mal sucedida, mas eu realmente não tinha ideia. De acordo com os médicos, eu tinha sido acertada na cabeça (ou tinha batido a cabeça) com algo muito rígido, já perto do local em que fui encontrada, considerando a amnésia e que a perda de sangue não me matou. Depois de me apresentarem suas teorias, eles me disseram que meu bebê não tinha sobrevivido e que eles tiveram que fazer uma cesariana de emergência para que não houvesse mais danos para mim. Eu fiquei um pouco abatida, claro, mas não conseguia parar de pensar em quem poderia ser o pai. Não conseguia lembrar nem do meu nome, mas me aliviava que provavelmente tinha alguém procurando por mim.

A não ser que eu realmente tivesse passado por uma tentativa de feminicídio. Nesse caso, preferiria permanecer escondida.

Aos poucos fui me lembrando de tudo.

Descobri meu nome depois de três meses. A essa altura, eu já estava trabalhando numa loja de materiais de construção. Foi uma surpresa tanto para mim quanto para a minha chefe, já que eu lembrei porque ela me chamou sem querer de Caroline (eu estava me chamando de Jane) e foi pedir desculpas por ter errado, quando na verdade estava tudo certo pela primeira vez.

Depois do meu nome, veio a casa em que eu morava, mas eu não sabia qual a cidade, então não adiantava de nada. Então, veio a memória da morte da minha mãe e eu sofri de novo como no dia em que ela se foi, e fiquei desestimulada a lembrar de outras coisas. Eu a amava muito (podia sentir isso) e ela não estar mais lá mudava muita coisa. Após algum tempo, lembrei das minhas amigas e quis reencontrá-las, mas primeiro não lembrava de seus nomes, só de seus rostos, e depois só dos primeiros nomes. Meu progresso andava a passos lentos, e eu fui aconselhada a não procurar nada sobre meu passado na internet, já que isso podia me fazer querer chegar a conclusões que eram falsas.

Klaus voltou à minha mente antes de tudo isso, apesar de eu não saber bem o papel que ele desempenhava na minha vida. Mesmo depois de descobrir da morte da minha mãe, tive vontade de voltar para revê-lo e estar novamente em seus braços.

Todas as peças terminaram de se encaixar na minha cabeça depois que eu escutei Right Here Waiting, do Richard Marx, que era a nossa música. A música era velha mesmo, e nós a usávamos como piada porque uma pessoa a cantou (muito mal) no karaokê na noite em que nos conhecemos. Lembrei por fim do nome da minha cidade. Lembrei o que Klaus representava para mim. Lembrei que, mesmo que minha mãe tivesse partido, eu ainda tinha uma família. Mystic Falls ainda era meu lar.

Decidi voltar imediatamente, mas minha saída foi retardada pelos médicos, que fizeram mais alguns exames para confirmar que tudo estava bem comigo e se eu ainda tinha alguma sequela. Como tudo estava bem, me liberaram para ir embora. Me demiti do meu emprego, arrumei minhas coisas em uma mala (tudo cabia lá) e comprei uma passagem de ônibus para Mystic Falls.

E agora estou aqui.

O ônibus parou na rodoviária às 2:47. Era uma caminhada de 5 minutos até a rua Walters número 697, nossa casa, que ficava duas ruas depois.

5 minutos e eu estaria em casa.

Quando cheguei, a porta estava, naturalmente, fechada. Era madrugada de domingo e eu não queria acordá-lo, então resolvi tentar a sorte e entrar pela janela do quarto. Tinha uma árvore bem em frente a ela e ele tinha o mau costume de deixar a janela aberta.

Escondi a mala e os sapatos que estava usando em um arbusto e comecei a subir a árvore, centenas de pensamentos passando pela minha cabeça. Eles incluíam de tudo desde "E se ele não morar mais aqui?", "E se eu invadir a casa de um estranho?" e "E se ele estiver com alguém?" até "O que diabos eu estou fazendo invadindo a casa por uma janela?". Por fim, consegui chegar à janela, que estava destrancada como eu imaginava.

Entrei no quarto tentando fazer o mínimo de barulho possível para que ele não acordasse. O quarto ainda estava com o cheiro do sabonete que ele usava para tomar banho e eu me senti imediatamente em casa. Ele estava dormindo só com a calça do pijama, sem cobertas, e eu tirei aquele momento para associar todos os detalhes. Seu cabelo loiro-escuro estava um pouco mais curto e ele estava com a barba por fazer, o que o deixava ainda mais atraente, mesmo que dormindo parecesse um anjo.

Olhei ao redor do quarto e percebi que nada havia mudado; nem mesmo o papel de parede florido que eu tinha escolhido quando me mudei. Tive que sorrir.

Por fim, me ajoelhei ao lado da cama e passei uma das mãos por seu cabelo macio e pelo seu rosto. Uma lágrima solitária escorreu no canto do meu olho, enquanto meu sorriso se alargava. Eu precisaria acordá-lo se quisesse conversar com ele. Ele parecia tão pacífico dormindo e eu estava tão cansada que pensei em só deitar do lado dele e falar com ele de manhã, mas não achei que seria legal acordar com uma pessoa na sua cama quando você, definitivamente, tinha ido dormir sozinho.

— Klaus. - chamei, minha voz suave como eu não me lembrava que poderia ser. Passei a mão por seus cabelos de novo. - Nik. - chamei-o de novo.

Então ele abriu os olhos devagarinho e suspirou quando me viu, exibindo um sorriso mais do que perfeito. Definitivamente senti falta desses sorrisos quando eu acordava.

— Oi, Care. Já faz mais de uma semana que você não aparece. - Fiquei um pouco confusa. Uma semana? Mesmo assim, não consegui evitar a emoção quando ouvi a voz dele falando comigo com tanta ternura, tanto carinho. Ele se sentou. - Não chore, amor. Não estou triste. Sei que não pode vir sempre. - ele parecia querer se aproximar e me tocar para me consolar, mas também parecia estar com medo, como se, se ele se aproximasse um pouco mais, eu fosse sumir. — Estou feliz que você veio.

— Klaus... - parecia que o nome dele era mel na minha boca, simplesmente não conseguia parar de falar. As lágrimas não paravam de embaçar minha visão. - Senti saudades suas. Esses dois anos foram difíceis.

— Faz um ano, onze meses, três semanas, cinco dias e - ele olhou no relógio - onze horas. Você não tem ideia do inferno que tem sido estar aqui sem você.

Me sentei ao lado dele na cama e encostei a minha cabeça em seu ombro. Ele se levantou sobressaltado.

— O que foi? - agora eu estava assustada.

— Eu te senti! Eu consegui te tocar! Meus sonhos sempre acabam quando eu te toco sem querer! Como você ainda está aqui? Caroline, isso é...

Simplesmente me levantei e o beijei. Sempre funcionou quando eu começava a tagarelar, então acho que também deveria funcionar com ele. Ele retribuiu o beijo imediatamente, passando as mãos pela minha cintura enquanto eu colocava as mãos por trás de seu pescoço, os dedos brincando com o cabelo da nuca. Nos soltamos e passamos um momento apenas olhando um para o outro.

— Você não está sonhando, querido. - falei lentamente, enquanto tentava ensinar meu coração a bater normalmente de novo. - Eu estou aqui. - falei, olhando diretamente em seus olhos verdes, que brilhavam com a expectativa. - E aqui vou ficar.

Ele me beijou novamente, desta vez com mais calma, um brilho apaixonado em seu olhar. Eu me deitei de lado na cama, ele me seguindo e fazendo o mesmo logo em seguida. Iríamos ter uma conversa olho no olho, então não tinha como ele me puxar ainda mais para perto, mas ele manteve uma mão sob a minha cintura.

— Você estava morta. - ele disse gentilmente, mas claramente confuso. - Quer dizer, você obviamente não estava morta.

— Eu quase estive. Depois do acidente, eu fui parar em Cincinnati. Passei 6 semanas desacordada e, quando acordei, não lembrava de nada.

— Deve ter sido assustador. - ele comentou, colocando-se um pouco mais próximo e enlaçando ainda mais a cintura dela.

— E foi. Eu não lembrava de nada. Não sabia quem eu era, de onde eu tinha vindo... só sabia de umas poucas coisas que os médicos me contaram. Como o fato de ter sofrido uma concussão porque minha cabeça bateu em alguma coisa e ter ganho de bônus amnésia, apesar desse eu ser capaz de dizer que aconteceu. E eu posso ou não ter ficado em coma por seis semanas murmurando o seu nome.

— Sério? - ele levantou uma sobrancelha. - Eu não sabia que era tão importante pra que uma você com amnésia lembrasse de mim.

Revirei os olhos, o que o fez rir.

— Você é. Eu não lembrava do meu próprio nome, mas lembrava de você.

Ele sorriu para mim e então ficou sério por um momento, se entristecendo logo em seguida. E eu sabia no que ele estava pensando.

— O bebê não sobreviveu ao acidente. Na época, eu não sabia exatamente o que isso significava para mim, mas, agora que eu lembro de tudo... - solucei e ele me puxou para mais perto de si, me envolvendo com seus braços e passando a mão pelos meus cabelos.

— Tudo bem. Eu estou feliz que você está aqui. Eu quis muito acreditar que você estava viva, mas depois de semanas sem nenhuma resposta... eu acho que simplesmente perdi a esperança de te encontrar de novo.

— Eu entendo. - beijei seus lábios de leve. - Eu te amo.

— Também te amo. - seus olhos brilhavam mais ainda do que antes.

Bocejei sem querer e me aproximei mais dele.

— O resto pode esperar até amanhã, certo? - perguntei, já usando o peito dele de travesseiro.

— Sim. - ele passou a mão pelos meus cabelos, fazendo cafuné. - Todo o resto pode esperar até amanhã.