Othertale

Prólogo – Linhas Temporais [Frisk]


De novo, eu matei todos.

Sabia que se eu matasse todos, eu ia parar naquele lugar escuro onde eu encontraria Chara e agora, eu terminaria com tudo. Chega de voltar no tempo e chega de sujar mais as minhas mãos. Eu estava determinada para aquilo. Andei em passos curtos, não via nada além da escuridão, mas aquele sentimento de medo que tive na primeira linha temporal não se repetiu. Eu não sentia medo. Eu estava ali e tinha um propósito:

Eu iria MATAR Chara e voltar no tempo, para que tudo voltasse ao normal.

Eu poderia comer a torta de caramelo e canela da Toriel, rir das piadas dos irmãos esqueletos, juntar Undyne e Alphys, cozinhar com um robô assassino! Não precisaria mais sofrer. Não precisaria sair daquele lugar. Eu teria tudo que mais queria. Uma família e amigos. Vários deles.

E poderia ser feliz de novo e conseguir sentir. Poderia ter minha quase esgotada determinação de volta. Era só a matar e impedir que interfere nas leis das linhas temporais. Tudo dará certo dessa vez. Eu não precisei passar por isso centenas ou milhares de vezes para não funcionar.

Eu não precisei morrer e reviver, matar ou dar piedade repetidas vezes para não dar certo.

Apertei a faca nas minhas mãos e logo me veio uma lembrança. Quando tudo aquilo iniciou, eu era uma criança que queria ser amiga de todos e não pensava em matar ninguém. Quando foi que meu pensamento mudou? Já não importa.

—Oh, Frisk. –Vi uma figura de sorriso congelado, andando em minha direção. –É uma honra te ver novamente aqui. Desistiu, enfim?

—Eu vim lhe matar. –Disse secamente, porém, senti meu coração dar um pulo. Eu estava tremendo. –Eu vim lhe matar para pôr um fim em sua maluquice de megalomaníaca!

—Me matar? Acha que você tem capacidade mental para isso? –Chara riu, pude notar seus olhos vermelhos se tornarem mais reluzentes, no momento que ela me empurrou para trás com apenas um movimento de mãos. –Oh, claro que não. Está vendo isso? Está vendo quem está no controle? –Fez outro movimento de mão e meu corpo quicou pelo chão do vazio, porém minha alma estava intacta. Chara estaria me torturando fisicamente para depois destruí-la?

—Sua... –Fiz força para levantar, olhei para os botões que apareceram no ar de “Continuar” e “Retornar”. Chara andou até mim e pisou em minha mão, antes que pudesse apertar em algo. Eu gritei, mas ninguém ouviu.

—Tsc, tsc, tsc... É feio quando você tenta fugir no meio de uma conversa, criança. –Falou, enquanto girava o calcanhar para causar mais dor entre os meus dedos, e eu continuava gritando em vão. –Não adianta gritar, lembra-se? Você matou todos.

Era verdade, matei todos por puro egoísmo de encontrar com Chara de novo. Naquele ponto, talvez eu não fosse tão diferente daquele projétil de maldade. Continuei olhando paras os botões ao meu lado que sobrevoavam minha cabeça. Pelo jeito, era inútil, não é?

—Tudo bem, Chara. –Disse abaixando a cabeça, quase sentindo as lágrimas escorrerem por meu rosto derrotado. –Eu desisto...

—Ótimo. –Olhou o coração acima da minha cabeça e segurou nas mãos, sentindo a respiração falhar de prazer por ter conseguido o que tanto ansiava. –O poder dessa alma é enorme.... Com isso eu não poderia só apagar o universo, como destruí-lo completamente. Eu poderia ser Deus!

Estava preparado para o que iria me acontecer.

Ela estava certa sobre algo: se eu não tivesse errado antes, isso não estaria para acontecer. Agora estava pagando por todos os meus erros e meu genocídio em si. Era inútil voltar atrás, não era isso que iria fazer com que eu pudesse corrigir tudo que eu já fiz. As marcas em cada linha temporal estavam marcadas com rastro de sangue, mesmo que eu posteriormente tivesse escolhido ser pacífica.

No fim, não havia piedade para mim.

Estava pronta para fechar os olhos, quando vejo um raio azulado longínquo acertar Chara e a tirar de cima dos meus pés. Arregalei os olhos em estado de choque, olhando para frente boquiaberto. Aquilo não era possível.

Não podia ser possível!

Na minha frente e a de Chara, estava uma figura familiar: Um esqueleto baixinho de pupilas brancas e roupas azuladas com o seu natural sorriso, colocava as mãos no casaco, enquanto andava preguiçosamente até nossa direção.

Ele estava intacto. Ele poderia estar vivo, eu sei disso porque eu o matei!

Eu o matei...

—Sans? –Minha voz falhou, enquanto as lágrimas que demoravam para cair finalmente desabaram. –Você está vivo? Como?

—Eu conheço sobre linhas temporais séculos antes de você, pivete. –Riu fraco, olhando para Chara. –Rapaz.... Então você que bagunçou tudo?

—Cala a boca! –Usando a minha alma em jogo, ela segurou sua faca com a maior força possível e correu na direção do mesmo, como uma maníaca. –Morra de uma vez!

—Você não aprende mesmo, não é? –Eu vi o corpo do mesmo teletransportar para trás de Chara, seu olho direito começou a piscar e o mesmo começou a atacar em massa.

A cada vez que minha alma era acertada, eu sentia me encolher mais. Era eu que estava sofrendo dano. Ajoelhei e comecei a cuspir sangue, olhando Sans preparando mais quatro Gaster Blasters que estavam cercando Chara e prontos para destruir a alma que estava em jogo. A minha alma!

—Sans, pare! –Eu gritei, esticando as mãos num grito rouco e desesperado. –Aquela alma é a minha!

—Desculpa, mané. Mas, como posso dizer? –Estala cada centímetro de seus ossos, olhando para frente com duas esferas negras e uma voz séria e fria. –Você já ajudou a estragar tudo o suficiente, não foi?

Estava perplexa. Ele iria realmente me matar para conseguir parar Chara?

—Porém.... Paps disse que acreditava em você, então, vou dar uma chance. –Seu olho direito voltou a brilhar, enquanto fitava Chara. –E você, Chara, terá um tempo ruim. Não.... Um tempo PÉSSIMO. –Apontou para cima e por fim atirou. Ele desviou de todos os ataques, ficando bastante próximo de Sans, mas o mesmo também desviou e começou a lançar em Chara diversos ossos que também não acertavam.

Era uma luta onde era impossível saber quem iria ganhar. De um lado, Sans parecia em vantagem, mas pelo outro, Chara também não parecia se cansar em nenhum momento. E o pior de tudo era ver minha alma pulsante estando a mercê dos dois. Olhei para um e depois para o outro, mas minhas pernas não moviam. Estavam bambas e medrosas de mais para isso.

—Você me irrita! –Disse Chara, ainda sem tirar o sorriso perturbador do rosto. –Você sabe disso, não sabe?

—É um dom, garoto. –Disse em tom de deboche, mas ainda, sem desfocar da batalha. –Pirralho. –Olhou para mim, enquanto cercava Chara em uma jaula de ossos. –Acho que está na hora de recomeçar pela última vez, não é? –Piscou.

Assenti com a cabeça e corri para o botão ao meu lado, quase tropeçando entre meus pés cansados. Meus dedos aproximaram do botão de “recomeçar”, porém Chara ao notar isso pareceu fechar o sorriso congelado e jogou a faca por entre os ossos, que acertou minha mão nos segundos que eu iria apertar e algo muito errado aconteceu. A faca emperrou no botão e na minha mão sangrenta e eu comecei a urrar alto. Aquilo doía!

Ao mesmo tempo que o sangue pingava no chão, o botão começou a agir estranho: Estava com algumas luzes brilhantes, como se fossem erros no “circuito” e tudo começou a se desfocar. Segurei a faca nas mãos e puxei, conseguindo tirar a mão de cima do botão que começava a surtar e a tremer de maneira de como se fosse explodir. O local, antes escuro, estava psicodélico e piscando em cores que poderiam deixar qualquer pessoa normal cega. Me afastei em passos lentos, arfante e sem compreender o que acontecia.

—Isso não deveria acontecer... –Sans murmurou preocupado. –Droga, mais coisa para eu arrumar... –Previsivelmente, riu da situação. E então, Sans desapareceu da mesma maneira que chegou: Sem ninguém notar.

Aquele espaço se expandia e eu me sentia tonta e tudo se escurecia aos poucos. Ao fundo, eu ouvia Chara gargalhando, ainda com a minha alma em mãos e esticando as mãos para o alto, fazendo com que o que era minha alma virasse um colar que a mesma colocou no pescoço. Minha visão foi falhando e por mais que eu quisesse, não teria quem me salvar.

—É melhor do que eu esperava! Está sentindo isso, Frisk? –Chara perguntou, ainda em seu riso histérico. –São almas, muitas delas vindo para o subsolo! Não.... É outra coisa! Não existe mais subsolo! Puxa, nós bagunçamos ainda mais, não é mesmo? – Andou até mim e sentou no chão, fazendo cafuné nos meus cabelos. –Agora, sua alma é minha e você será meu prisioneiro. –Seu rosto começou a derreter, enquanto apenas a via rindo, mas não ouvia mais nada direito, apenas uma frase lenta e distorcida: –Então....Porque não vai receber nossos novos hóspedes?

Continuou a fazer um monólogo doentio, mas não entendia uma palavra do que ela falava. De todo modo, meu corpo cambaleava naquele show de luzes aos poucos. Olhei para o rosto desforme de Chara que derretia como cera, enquanto tudo continuava piscando e movendo-se como uma onda e várias almas nos rodeavam e não pareciam somente almas humanas. Havia várias e várias e ainda chegavam mais!

Diante aquela loucura, minha cabeça pareceu pesar até que eu desmaiasse com o som distorcido. A risada daquela megalomaníaca estava metálica e me dava náuseas, mas se distanciava cada vez mais. Depois, eu não pude ouvir mais nada além da minha respiração falhada.

"Determinação"... Afinal, o que é isso?