Othertale

Capítulo I – O reencontro (1/2) [Ib]


Eu acordei por aquela manhã com um sorriso no rosto e antes mesmo do despertador, o que significava que eu poderia dormir mais e isso era melhor ainda! Porém, eu tinha que fazer minha caminhada de manhã para ir para o museu. Oras, não é tão estranho. Tem uma história por trás de tudo isso, mas terei que fazer uma síntese.

Há uns cinco anos atrás, ocorreu um evento estranho onde eu e um moço acabamos presos em um mundo criado pelo obcecado gênio não compreendido Weiss Guertena. Lá, nesse lugar, enfrentamos estátuas que andavam, bonecas psicopatas, quadros que se arrastavam e inclusive uma psicótica chamada Mary que tentou nos matar. Quando saímos, esse moço (que se chama Garry) levou o meu lenço e disse que o limparia quando nós nos reencontrássemos de novo. E eu queria o ver, verdadeiramente.

Porém, depois daquele dia eu nunca mais o vi. Mesmo assim, eu não desisti e continuei voltando para a galeria, esperando o ver em algum momento, nem que seja para dizer apenas um “Oi” ou “Quanto tempo! ”. Eu até esqueci um pouco como era a aparência dele, pensando melhor agora.

Oh não! E se a gente já se viu e não se reconheceu?

Ele me reconheceria, não é? Ah, claro que não Ib! Você tinha nove anos, nem sabia ler direito... Provavelmente você deve ter mudado bastante nesses cinco anos. Respirei fundo e levantei, olhando para mim na frente do espelho: Meus cabelos estavam bagunçados e grudados na cara, meu corpo não tinha se desenvolvido muito, continuava nanica e com cara de indiferença. Acho que ainda dá para me reconhecer, pelo menos um pouco. Retirei o pijama e as pantufas de coelhinho, buscando algumas roupas e vestindo. Havia colocado uma saia vermelha plissada na altura do joelho, uma camiseta social branca, uma meia 3/4 preta e sapatilhas vermelhas. Busquei no meu armário, por fim, uma fita vermelha. Voltei para à frente do espelho e coloquei na cabeça, prendendo num laço.

Não, não ficou muito bom...

Tirei o laço e envolvi na cola da camiseta social, amarrando e deixando uma fita ligeiramente caída. Olhei novamente e não contive um riso de satisfação. Peguei a escova de dentes e coloquei pasta e peguei o pente de cabelo, enquanto saía do quarto agitada. Com uma mão eu tentava pentear o cabelo e com outra escovar os dentes.

Cheguei na cozinha e papai estava cozinhando Waffles e mamãe estava sentada na mesa, lendo o jornal séria, enquanto bebia café. Ela também estava esperando outra filha e eu estava ansiosa, se bem que seria estranho dividir a atenção com outra pessoa para quem foi filha única por catorze anos...

—Bom dia, papai. Bom dia, mamãe. –Falei apressada, andando até a pia da cozinha e cuspindo a pasta dentro, abrindo a torneira e enchendo a mão de água para gargarejar.

—Que pressa toda é essa, minha querida? –Minha mãe deu uma risada descontraída.

Eu realmente não estava com paciência para tentar me explicar, mas tentei, enquanto calculava maneiras de sair de casa o quanto antes.

—Eu vou me encontrar com um amigo. –Disse, sorrindo.

—Um “amigo”? –Meu pai se virou. –É um garoto?

—É sim! –Sorri, animada.

Vi minha mãe soltar alguns risos dóceis, enquanto virava a página do jornal com cautela e de leve, lançou seus olhos avelãs na minha direção de forma zombeteira.

—Minha filhinha já tem um namorado? É isso?

—Não é isso! –Eu e meu pai falamos em uníssono. Meu rosto ficou completamente vermelho com a afirmativa da mamãe...

Peguei na geladeira uma maçã e beijei a bochecha do meu pai e depois da minha mãe, depois de terminar de explicar quem eu iria encontrar e papai quase queimar os Waffles. Ao sair de casa e fui para o jardim e notei que cresceu, diante as rosas do canteiro da mamãe, uma rosa diferenciada da cor amarela.

“Mary...” Foi a única coisa que passou pela minha cabeça no momento que dei um suspiro melancólico.

Busquei minha bicicleta com as suas redes frontais vazias e subi, pedalando para ir para a galeria. No meio do caminho, notava que havia algo de estranho. Era uma sensação diferente do que ocorreu na galeria, era algo menos de curiosidade e mais de perigo. Ainda assim, achava que era talvez porque eu senti o cheiro dos Waffles do papai e fiquei com fome.

Passei na frente da floricultura da cidade, onde eu sempre parava por gostar de apreciar as flores. Eram cheirosas e me davam uma mórbida nostalgia. Parei a bicicleta em um canto qualquer e entrei na floricultura, onde a sineta da porta tocou no momento que a mesma bateu. Uma moça baixinha de roupas rosadas veio me receber, apertando minhas mãos de modo animado. Seu corpo era roliço e seus cabelos castanhos com algumas mechas alvas e ela tinha um ar gentil.

—Ib, você novamente por aqui? –Perguntou, afável.

—Vim ver as rosas novas que chegaram. –Falei com um sorriso singelo. –Falei que iria comprar algumas para a minha mãe. –Menti.

—Você vem aqui toda semana. –Deu um riso baixo. –Parece realmente gostar de rosas.

Assenti com a cabeça, de um jeito silencioso e a florista andou na frente com passos curtos e apressados até a área das rosas, onde eu já sabia chegar de maneira quase decorada.

—Compreendo. –Falou no caminho. –Há um jovem que também vem sempre aqui e sempre compra uma única rosa vermelha. Mas ele não tem essa doçura que você tem, ele parece bastante melancólico e solitário, por assim dizer.

Ouvi atenciosamente, enquanto chegava até as rosas que pareciam mais vermelhas e vivas do que nunca. O aroma delas, inclusive, impregnava minhas narinas com deleite. Eram tão bonitas que nem pareciam reais! Pareciam até algumas que eu já vi em outro lugar... Olhei cada uma delas e vi entre elas uma rosa azul, de destacando entre o carmim das flores. Porém não era tão viva quanto as outras e não havia desabrochado por completo ainda.

—Ah, essa flor. –Ouvi a florista com uma voz apaixonada. –Ela surgiu no meu canteiro de rosas semana passada. Pelo que eu soube, rosas não nascem de cores como essa se não forem modificadas, mas eu nunca usei nenhuma química. É uma pena a pobrezinha ainda não ter desabrochado...–Suspirou, cansada.

—Ela é bastante bonita. –Falei, a fitando. –Quanto custa?

Antes que ela pudesse me responder, ouvimos um som sineta e de uma pessoa entrando. Era um homem esguio e bastante alto, de porte fraco e cabelos encaracolados da cor violeta presos num rabo de cavalo. Usava um sobretudo rasgado, com uma camiseta regata e uma calça tão velha quanto os sapatos. Seus olhos pareciam cansados, pelas olheiras.

O fitei por um tempo, mas ele não percebeu.

O homem parecia abalado com algo, e não parava de fitar as rosas ao meu lado. Eu queria poder ajuda-lo, ainda mais por me sentir de alguma maneira familiarizada com ele. Porém, eu não disse nada, apenas os olhando curiosa.

—Garry, quanto tempo, já faz uns quinze dias! –Aquele nome me chamou a atenção, fazendo eu olhar para a florista e o homem. –Por acaso tem feito algo de bom?

—H... Huh? –Saiu de seu devaneio mórbido. –Ah, sim... Eu estive ocupado esse meio tempo. –Disse com a sua voz educada e suave. –Estou procurando emprego, estou pensando em trabalhar em restauração de quadros.

—Você é um menino bonito, vai achar alguma coisa. –Falou de maneira simpática. –É verdade: Eu estava falando de você para essa garota aqui. –Olhou para mim, e eu logo desviei meu olhar da flor azulada. –Ib, ela gosta tanto de ficar olhando as flores quanto você.

E então vi a cabeça de Garry virar e se direcionar para o meu rosto e eu pude observar todas as feições do rosto dele. Não eram como eu lembrava, na verdade, era bem mais bonito do que eu me lembrava. Parecia quase um modelo! O olhar dele inicialmente estava perplexo, mas logo sorriu animado e andou na minha direção.

—Ib? Você se chama Ib, não é? –Perguntou e quando eu confirmei com a cabeça, soltando um suspiro aliviado. –Puxa, você cresceu!