— Bom, enfim chegamos de novo. E feliz que ninguém pegou a gente — Lavínia diz.

— Eu achei fácil demais. Normalmente em situações como essa quem tá investigando acaba tendo algumas surpresas pelo caminho — você fala ainda com desconfiança.

— Eu prefiro assim. Ninguém vendo a gente juntos por ali ajuda e muito a ficarmos longe de confusão. Se o Palooma pegasse a gente com certeza meu pai ficaria sabendo e não ia ser nada legal — Allison afirma.

— Palooma, Palooma. Vocês falam desse homem como se ele fosse um homem perverso ou sei lá. Confesso que gostei da nossa pequena aventura. Encontramos algumas coisas, mas surgiram outras dúvidas. Nessa eu fiquei pensando: quando é a próxima vez que a gente vai prosseguir e entrar naquele buraco negro? — ela pergunta.

— Precisamos de tempo e preparação. O ideal seríamos se fôssemos durante o dia. Vocês sabem, não sabemos até onde aquela trilha vai dar, porém é perigoso.

— Vocês estão com medo, isso sim. Por mim eu teria ido hoje mesmo, mas enfim, as manteigas derretidas amarelaram. Quiseram fazer a investigação e na hora boa...

— Você sabe que era o melhor a ter feito, Lavínia. Você podia espernear que nós não íamos seguir em frente. Precisamos ser calculistas e inteligentes — Allison fala.

— Eu não vou discutir porque preciso da ajuda do seu amigo pra chegar de carro na estação. Deixa eu ir ao banheiro — Lavínia fala logo saindo.

— Lavínia é teimosa mesmo. Não sei o que fazer pra ela entender de uma vez — você diz balançando a cabeça.

— Esquece isso agora, S/N. Eu quero saber de você — Allison fala.

— Saber o quê?

— Depois de tudo o que a gente passou essa noite e todos os lugares que andamos, você não conseguiu se lembrar de mais nada desde a última vez que esteve aqui? A reconstituição dos passos é o melhor método pra fazer alguém lembrar por onde andou. Funciona com os bêbados.

— Funciona, mas pra mim não aconteceu nada. Eu não consigo lembrar de mais detalhes daquela noite. Eu apenas reconheci o local, os objetos, tentei lembrar de mais coisa mas não foi o suficiente — você declara um pouco desanimadx.

— Calma, você vai conseguir lembrar. Essas coisas levam um tempo. Confia em mim.

— Eu confio, mas eu tenho medo.

— Do quê?

— Do que eu vou me lembrar. Algo me diz que foi alguma coisa bem importante pra eu ter esquecido assim de repente.

— Ou então sem importância nenhuma — Allison fala, sorridente.

— É, pode ser.

— O que S/N tá tentando lembrar? Do jeito que é deve ser alguma coisa importante. Não lembra nem de checar as mensagens que a gente manda — Lavínia dispara surgindo no meio da sala arrumando sua bolsa de ombro.

— Tô vendo que já tá pronta pra ir embora? Tem algum encontro essa noite? — você pergunta, observando-a.

— Eu não sou mais garota de encontros. Nos meus dias de reflexão eu decidi ser uma Lavínia mais séria nesse assunto — ela diz.

— Então, é isso? Vocês já vão embora? — Allison pergunta.

— De acordo com o relógio já tá na hora. É melhor a gente ir pra chegar a tempo — você fala.

— Tem razão. É tão difícil eu receber amigos da escola aqui em casa que quando eu recebo fico com mais empolgação.

— A gente entende. Mas agora nós precisamos ir porque moramos do outro lado da cidade. Eu espero que você chame a gente o quanto antes pra aprontarmos de novo — Lavínia diz, empolgada.

— Claro que sim — Allison concorda.

— Certo, então vamos logo chamar seu Akino? Temos um bom caminho até chegar na estação — você fala.

— Tá bom, eu vou ligar pra ele.

Após alguns minutos já dentro do metrô de volta para casa, você e Lavínia vão comentando sobre a recente aventura pelo bairro Miríade. Há poucas pessoas dentro do vagão e a viagem vai parecer um pouco demorada. Então, nesse caso, na intenção de apressar o tempo, Lavínia decide puxar assunto.

— Noite animada essa. Acho que eu nunca tinha feito nada assim, a não ser festas e baladas.

— É bem legal mesmo. A gente se sente como se fôssemos personagens de um filme de aventura, sei lá. Eu gostei de hoje. Não foi tanta coisa assim, mas já conseguimos a descobrir algumas coisas — você fala.

— O que você acha que tem naquele portal negro?

— Eu não faço ideia. Não paro de pensar sobre aquele objeto que a gente achou ali jogado no jardim.

— Você acha que Allison 'tava falando a verdade mesmo quando disse que aquilo foi usado pra torturar as pessoas? — ela pergunta.

— Como eu disse, Allison conhece muito sobre a história da cidade. Já me contou uma vez que os miridianos queriam se separar e se destacar dos demais, mas eu não lembro que tinha me dito que eles eram cruéis assim — você declara.

— Eu fiquei arrepiada quando elx contou isso. Me deu uma sensação de como se os mortos tivessem por perto chorando suas mortes. Mas no fundo eu gostei de sentir aquilo.

— Que coisa esquisita!

— Olha, S/N eu tenho um pedido pra te fazer e eu não vou aceitar um não como resposta — Lavínia diz lhe olhando seriamente.

— O que é?

— Eu sei que você quer chegar cedo em casa pra não preocupar sua irmã, mas eu queria que você fosse comigo num lugar rapidinho só pra me acompanhar e esperar que eu receba um negócio.

— Que lugar e que tipo de negócio é esse? Você sabe que eu não posso demorar.

— Não vai demorar. Só vai levar alguns minutos — ela afirma.

— Mas tem que ser essa hora? Já é noite e daqui a pouco vai dar dez horas — você fala.

— É no bairro que eu moro não muito distante da escola. Te garanto que essa hora não tem perigo. O bairro de Montreal é super movimentado. S/N nós estamos no final de semana!

— Eu não sei. Tenho medo de levar bronca quando chegar em casa. Eu e Lívia combinamos.

— Tá bom. Tudo bem se você deixar sua confiável e bela amiga andando sozinha pelas ruas e becos do bairro. Se você acha melhor chegar em casa essa hora, ligar sua televisão e assistir a algum daqueles programas de auditório, então vai em frente, eu vou entender.

— Tá, tá, eu vou com você. Uma das coisas que eu menos suporto nessa vida é ver alguém fazendo drama na minha frente — você fala dando um breve suspiro — Então, onde você supõe que a gente vá?

— Vai saber quando a gente já tiver descido — ela diz.

— Tá bom, então.

Passado alguns minutos enfim chegam à estação de Montreal. Lavínia lhe puxa pelo braço apressadamente lhe levando até a escadaria. Em segundos já se encontram pela rua na avenida, verificando que o que Lavínia havia falado sobre o bairro estar movimentado está certo.

— Como eu tinha falado antes. Sempre tem umas multidões andando juntas por aí.

— É, você tinha razão. Mas o que eu quero saber mesmo é pra onde a gente tá indo uma hora dessas — você fala com uma certa preocupação.

— Ali.

Lavínia aponta em direção a uma lanchonete localizada bem na esquina dobrando a rua.

— Uma lanchonete? — você pergunta — Eu não trouxe dinheiro pra comer em uma lanchonete. Se você tem é melhor que tenha bastante porque eu já tô com fome.

— E por que você não comeu nada na casa de Allison? Eu aproveitei aquela hora pra ir no banheiro pra fazer uma boquinha — ela diz dando uma gargalhada.

— Tá explicado o porquê você não pediu pra comer nada até agora.

— Mas não esquenta, não é ali o lugar pra onde a gente tá indo — ela diz repentinamente interrompendo a caminhada.

— Não? — você pergunta.

— Não. Nós vamos aqui.

Então ela aponta para o lado e você se surpreende ao ver que ela está na verdade falando de uma pequena clínica.

— O que a gente veio fazer aqui? — você pergunta.

— Você queria saber o motivo de eu ter sumido da escola. Agora você vai saber.

Então ela adentra o local no qual você vai logo em seguida. Em poucos passos dados, você a puxa pelo braço a fim de entender a motivação da visita que certamente ainda não está clara.

— Ei, o que a gente tá fazendo aqui nessa clínica? Não é pra cá que você queria me levar, não é? — você questiona, confusx.

— Eu vim pegar o resultado de um exame. Na verdade eu já sei o que tive, a enfermeira é muito minha amiga e me contou adiantado. Mas eu vim só pra ser uma coisa oficial — ela declara.

— E por que você não chamou sua mãe? Não era pra ela tá aqui em vez de mim?

— A minha mãe já passou por muita coisa. Eu não quero fazer ela reviver tudo outra vez. Ela merece um descanso.

— Então você me chamou por...

— Eu te chamei porque eu confio em você. Acho que você me dá a segurança que eu preciso no momento e acho justo te contar o que deve saber.

Ao ouvir as palavras de Lavínia de uma certa forma você se surpreende pela sua declaração lhe deixando emudecidx e sem ação. Porém ao notar a expressão tristonha de Lavínia, sua feição muda de imediato transformada em preocupação no momento em que acha que uma lágrima está prestes a cair.

— Eu 'tava achando tudo estranho até o momento, mas agora que você fez essa cara aí eu tô começando a ficar preocupadx.

— Não se preocupe. Foi só uma coisa que me deu — ela diz — Agora vamo' logo porque você ainda precisa ir pra sua casa.

Passado algum tempo vocês encontram-se no salão de espera aguardando a vez de Lavínia.
Apesar dela estar aparentando tranquilidade, há uma parte em seu interior que começa a ficar aparente em relação a um certa ansiedade que sente.

Do mesmo lado há você, com a preocupação ao lado perguntando-se quanto tempo levará pra que chegue a vez do atendimento de sua colega e que horas irá sair dali para ir para casa e não levar reclamações de Lívia.

— Será que isso vai demorar muito? Daqui a pouco a gente se aproxima das dez e nada de eu chegar em casa — você diz, apreensivx.

— Eu já falei pra você não ficar com desespero. Nós vamos sair daqui a pouquinho, não vai demorar — Lavínia diz.

— É que eu prometi a Lívia não chegar tarde.

— Se tá tão preocupadx assim, manda uma mensagem pra ela. Com certeza a Lívia vai entender e assim ela não fica preocupada.

— Tá bom, vou mandar uma mensagem pra ela— você fala.

— Não vai demorar quase nada. O doutor que me atende é super gente boa e a enfermeira dele também é bem simpática. Nós somos muito amigas. Inclusive ela me ajudou bastante durante as minhas consultas.

— Entendi.

— Daqui a pouco é nossa vez. Eles não costumam demorar no atendimento nem em dias mais cheios.

De repente a recepcionista aparece no salão chamando pelo nome de Lavínia afirmando ser ela a próxima a ser atendida e que o doutor está a espera.

Em alguns passos em meio ao corredor, enfim chegam numa sala que está escrito "Dr. Renato Fletcher" na porta, na qual o mesmo lhes recepciona com um simpático sorriso assim que adentram.

— Boa noite, senhorita Lavínia. Como está hoje? — ele diz erguendo a mão cumprimentando-a.

— Oi, doutor. Tô levando a vida, mas tá tudo bem comigo — ela diz.

— Fiquei torcendo por ouvir isso.

— Essx é S/N da minha escola. Eu prefiri que S/N viesse em vez da minha mãe porque nós estávamos fora se divertindo, então já aproveitamos a viagem — ela fala.

— Tudo bem. Mas seria mais recomendável que sua mãe estivesse aqui.

— Eu te disse — você diz em um tom baixo.

— E cadê a enfermeira Mirella? Ela não veio trabalhar hoje? — Lavínia pergunta.

— Ela estava aqui agora há pouco, mas não se preocupe que eu vou ligar para a recepção agora mesmo ordenando que ela venha aqui te ver — ele diz pegando o telefone — "Por favor, chame a enfermeira Mirella à minha sala".

— Então doutor, o que o senhor tem pra mim? Eu sei que foi tudo muito delicado, mas acho que não vim aqui pegar só um laudo. O senhor sempre tem um sermão pra me dar.

— Sempre. Mas não tenho muito o que falar além do que já expliquei. O seu caso é comum em algumas garotas e é influenciado por certos hábitos, costumes ou coisas que podem afetar a situação. Você teve sangramento de implantação e é comum as garotas da sua idade confundirem com a menstruação. E no seu caso, não sabendo que estava carregando, digamos que foi menos pior já que você não queria prosseguir assim — ele conclui.

— Espera, espera. Minha mente tá uma tremenda confusão agora. O que é um sangramento de implantação? — você pergunta tentando entender.

— Ora, sangramento de implantação como o próprio nome já diz, é um tipo de sangramento que ocorre quando o embrião é implantado no útero da mulher — ele responde.

— Embrião da mulher? — você pergunta, confusx.

— É, S/N. Exatamente. Eu 'tava grávida — Lavínia declara concretamente.

— Grávida?!

— Hmmm, vai ficar repetindo as coisas que nem papagaio agora?

— N-não... é que... Eu não esperava que isso pudesse acontecer.

— Mas aconteceu. Eu também não esperava. Mas já aconteceu e é isso — ela diz, satisfeita.

Você nada fala tentando assimilar a situação.
Enquanto pensa, de repente ouve o barulho do abrir a porta e logo vê uma mulher de uniforme branco adentrar a sala sorridente.

— Boa noite, cadê minha paciente favorita? — ela diz.

— Oi, Mirella. Pensei que não tinha vindo trabalhar hoje — Lavínia dispara.

Porém, a moça depois de soltar uma breve gargalhada diz:

— É claro que eu vim trabalhar hoje. Pra onde mais eu iria?

— Acho bom mesmo — Renato diz.

— Você eu conheço. S/N, não é? Amigx da dona Amelita. Olha o destino colocando a gente frente a frente outra vez — Mirella fala com uma expressão mais séria.

— Verdade. Não sabia que você trabalha aqui. Pensava que era enfermeira particular da dona Ami — você diz.

— Não posso me limitar a uma coisa só. Tenho contas pra pagar — ela declara, sorridente — Então doutor, o senhor me chamou. Precisa de alguma ajuda?

— Eu a chamei pra ver sua paciente favorita. Hoje ela veio pegar o laudo médico com o resultado dos exames — Renato afirma.

— Que bom. Espero que esteja seguindo todas as regras e se cuidando do jeito que ensinamos a você, não é, mocinha?

— Sim, eu tô. Ainda continuo pensando sobre tudo mas eu sou uma garota bem forte. Apesar do susto eu tenho que continuar vivendo minha vida e prestar mais atenção nas coisas que eu faço.

— Isso mesmo, senhorita. Gravidez na adolescência é um assunto sério é muito mais comum do que você pensa. O que ensinam a vocês na escola é válido e vocês têm que levar em conta sempre — Renato declara assinando um papel e em seguida entregando para Lavínia — Tome, esse é o laudo médico que você precisa pra justificar legalmente suas faltas à escola e junto à eles estão os exames e eu quero que você entregue para sua mãe.

— Tudo bem, doutor. Eu vou entregar — Lavínia afirma.

— E lembre-se de trazer a sua mãe numa próxima visita. Você já está com o laudo e os resultados dos exames mas não é por isso que vai abandonar a gente e deixar de se consultar — Mirella avisa.

— Tá bom, eu prometo — ela diz levantando-se da cadeira.

— Boa noite, meninxs e se cuidem— Mirella fala.

— Tchau — você e Lavínia respondem.

Já estando na rua a caminho da estação, você ainda sem acreditar em tudo o que acabara de escutar na sala do consultório sem perder tempo vai direto ao assunto com Lavínia.

— Eu juro que não consigo entender o porquê de você ter feito isso.

— O que eu fiz? — ela pergunta.

— Você escondeu da gente o que 'tava passando. Eu sei que é seu direito contar, mas isso foi muito sério.

— Por favor, S/N não conta nada do que você ouviu pra ninguém — ela implora.

— Eu não vou contar. Não faço fofoca — você garante — Posso te dar um abraço?

— Um abraço? Pra quê? Ninguém da minha família morreu.

Sem anunciar, você chega perto de Lavínia e lhe dá um abraço bem apertado.

— Pra que fez isso? — ela pergunta.

— Pode ser que quem você 'tava carregando na sua barriga não seja da família pra você, mas ele ou ela era um inocente.

— Inocente foi eu nessa história, eu fiquei com muito medo.

— Me desculpa eu falar isso, mas não teve nada de inocência da sua parte. Como isso foi acontecer? Você se envolveu com alguém? — você questiona.

— Ah, foi um garoto que eu conheci. Lembra daquela noite na balada do evento que a gente foi? Eu conheci ele lá — ela declara.

— Não acredito nisso— você dá um breve suspiro — Eu não vou te julgar nem nada, mas isso foi sério. Convenhamos que nós ainda não temos idade pra fazer essas coisas.

— Foi a primeira vez que eu fiz "aquilo". Eu fui muito idiota. Ele não quis usar... você sabe.

— E você não fugiu dele? Não deu um chute naquele lugar? — você pergunta.

— Eu 'tava apaixonada, S/N. Não consegui evitar — ela diz.

— Você foi doida.

— Mas agora já foi. Vida que segue — ela diz — Mas agora eu que fiquei curiosa com uma coisa. Você já conhecia a Mirella? Quem é essa Amelita que vocês falaram?

— Eu conheci ela justamente na casa dessa Amelita. Dona Amy pros mais chegados, que é minha amiga.

— Entendi.

— Ela sempre foi ajudante do doutor Renato e sua enfermeira? — você pergunta.

— Na verdade não. Primeiro era a enfermeira Raquel, esposa do doutor Renato, mas parece que eles se separaram e entrou a Mirella. Por quê?

— Por nada. Só curiosidade mesmo — você responde.

— Tá bom, donx mistério. Agora sem mais perguntas. Chegamos na estação e agora você precisa ir pra casa — ela diz.

— Obrigadx por me trazer na estação, mas nem precisava — você diz, abraçando-a.

— Claro que precisava.

— Você vai ficar bem?

— Eu sempre fico. Pode deixar comigo.

— Tudo bem. Boa noite, Lavínia e até a escola.

— Tchau. Boa noite, S/N.

E assim você vai subindo as escadas rapidamente rumo ao local da linha em que irá pegar o metrô. O bilheteiro grita a todo instante que o veículo está prestes a chegar apressando a todos. Ao passo disso, Lívia manda uma mensagem para você perguntando onde está na qual no mesmo instante você manda uma mensagem respondendo que está a caminho.