Os órfãos de Nevinny

O que eles não nos contaram


— S/N! S/N! Você tá bem?

— Allison? O que aconteceu? Eu morri? — você pergunta abrindo os olhos gradualmente.

— Não, ainda não — Allison responde, rindo — Você ficou inconsciente por uns minutos devido a queda.

— Quanto tempo tem isso?

— Sei lá, uns quatro minutos.

— Então acabou de acontecer?

— Sim. Mas ainda precisamos sair daqui e encontrar uma saída. Aqueles homens saíram lá de cima mas não acho que eles desistiram de caçar a gente.

— Os homens! Pra onde eles foram? — você pergunta sentando-se rapidamente.

— Eu não sei. Mas eles disseram que iam nos pegar. Precisamos sair daqui antes que isso aconteça — elx sugere.

— Espera, espera! Como você chegou aqui?

— Curta história. Eu estava fugindo deles e quando vi que eu não tinha mais saída, acabei pulando também.

— Você pulou?! Nessa escuridão?

— É claro. Aqueles homens estavam atrás de mim e eu não sabia o que eles poderiam fazer comigo, então só me joguei — Allison explica.

— Isso que eu chamo de dar um salto no escuro. Literalmente — você diz sem acreditar.

— Pelo menos eu fui com uma certa preparação. Já você se estatelou bonito. Aliás, você tá bem? Não quebrou nada ou se feriu?

— Eu acho que não. Por incrível que pareça. Mas eu tô sentindo uma dor nas costas e um pouco atrás do ombro. Também tô com uma leve pontada na minha perna direita e uma dor de cabeça forte — você diz, queixando-se.

— Uau! Uma queda desse tamanho e sentir só isso é de se impressionar — Allison comenta.

— E você ainda acha pouco?

— Bom, foi uma altura considerável. Eu fiquei surpresx.

— E você? Não sente nada? — você pergunta.

— Talvez uma dor no braço e algumas ardências. Ah, e uma certa tristeza.

— Tristeza? Por quê?

— Eu tô sem meu celular, S/N. Com a queda a lanterna acabou apagando e agora não faço a mínima ideia onde ele possa estar. Ele era um bom celular.

— Nossa, é verdade. Agora que me dei conta que não tô com o meu também — você diz apalpando os bolsos de sua roupa — Mas e agora? Como que nós vamos achar a saída desse lugar? Ficamos totalmente sem luz.

— Não exatamente.

Nesse momento, uma intensa chama de fogo acaba surgindo bem à sua frente na qual acaba lhe assustando.

— Um isqueiro? De onde você tirou isso? — você pergunta.

— Sempre ouvi meu pai dizer que sempre é bom andarmos com alguma coisa que possa nos salvar de alguma situação difícil. Um isqueiro, uma faca, uma arma. Como eu não gosto de qualquer tipo de arma, eu preferi o isqueiro — Allison explica.

— Mas ele não é qualquer isqueiro. Olha o tamanho do fogo que isso tá fazendo — você fala admirando a intensidade da chama que não é nada modesta.

— É, ele é diferenciado. Mas não posso usá-lo por muito tempo, por isso deixei desligado todo esse tempo. A bateria dele já tá acabando e eu 'tava só esperando você acordar pra gente usar pra saírmos daqui juntxs — elx fala apagando a chama do objeto.

— Obrigadx por isso. Acho que já posso confiar em você de novo depois de ter me empurrado naquele santuário — você brinca.

— Haha, que engraçado. Mas pena que não temos tempo pra brincadeiras agora. Anda. Deixa eu te ajudar a ficar de pé — diz Allison te pegando cuidadosamente pelo braço.

— Espera, espera. Mais devagar — você avisa.

Com cuidado, Allison lhe ajuda até que consegue ficar confortavelmente em pé. No processo, elx também acaba se queixando um pouco da dor que sente, mas logo se recompõe e mais uma vez acaba acendendo seu isqueiro.

— Acha que pode andar sem muitas dificuldades?

— Minha perna não dói tanto, então acredito que sim — você diz apertando levemente sua perna.

— Ótimo, então vamos seguir caminho. Minha casa nos espera.

Então, sem demora, começam a andar em curtos passos pelo local. Ele parece ser uma passagem subterrânea na qual parece que faz um bom tempo que não é mais utilizada. Em outros lugares há ainda cadeiras de madeira desmontadas espalhadas pelos cantos, máquinas de costura e até as antiquíssimas rocas de fiar. Todos eles empilhados quase formando um paredão quase chegando no teto.

— Então, enquanto você 'tava inconsciente eu fiquei olhando se tinha algum caminho que a gente pudesse seguir e acabei achando — Allison diz.

— Sério? Então vamos. O quanto antes pudermos saírmos daqui, melhor — você declara.

— Mas tem algo a mais.

— O que é?

— Nessa minha andança eu também acabei encontrando uma coisa.

Dito isso, Allison subitamente interrompe a caminhada e aponta diretamente para o chão. Com a luz do fogo, você se depara com algo que já havia visto antes na qual acaba se surpreendendo e estranhando ao mesmo tempo.

— Uma trilha de trem? — você pergunta.

— É. Mas você notou uma coisa? Ela tem uma parte faltando. Não tem o início — Allison diz se agachando lhe mostrando a descoberta.

— É verdade. É como se aqui fosse o início da trilha — você diz também se agachando.

— Ou o final.

Então, como em um flashback, imagens dos trilhos de trem que vira anteriormente na parte secreta do seu prédio surgem em sua mente. Nesse momento, você lembra da enorme parede que cortava a parte do trilho, havendo somente a sua continuação, na qual lembra de ter ficado andando pelo caminho por um bom tempo na tentativa de saber de onde ele vinha e para onde iria.

Somado à isso, as vozes daqueles homens que ouvira conversando em alguns dos corredores e os barulhos de ruídos metálicos que faziam crescem gradualmente nos seus ouvidos como se estivesse escutando-os novamente. Foi então que, ligando os fatos e lembrando de tudo que tinha visto, seu cérebro começa a raciocinar, fazer cálculos e criar teorias até encontrar uma resposta que mais fizesse sentido de acordo com o que já havia lhe sido apresentado.

Por isso, estando bastante convencidx com o que tem em mente após tirar uma conclusão em sua própria cabeça, sem querer acaba proferindo o que vagueia por ela no exato momento.

— Então esse é o início do trilho! É aqui!

— O quê? — Allison pergunta sem entender.

Você se assusta ao perceber que tinha pensado alto demais, e, na tentativa de disfarçar a sua fala, diz:

— Ah, er... eu disse que esse é o início do trilho, né?

— Sim, é o que parece. Mas...

— Será pra onde que esse caminho leva? — você pergunta.

— Eu não faço ideia. Mas se fosse pra chutar, eu diria que pra algum lugar importante.

— Ou pra lugares, quem sabe — você fala.

— Encontrar uma passagem subterrânea não é algo comum aqui nessa cidade. Pelo menos eu nunca ouvi nenhuma história de alguém ter encontrado uma dessas.

Você fica em silêncio desviando o olhar enquanto põe-se de pé.

— É, parece um assunto bem esquisito.

— O que foi, S/N? Parece que ficou um pouco perturbardx.

— Eu comecei a pensar sobre algo. Como você não sabe nada sobre a história dessas passagens? Você sabe tudo sobre essa cidade.

— Eu sei bastante coisa, sim. Mas eu acho que não sou só eu que sabe sobre elas — Allison diz lhe olhando fixamente com uma de suas sombrancelhas arqueada.

— E quem mais sabe? Seu pai?

— Não. Mas outro alguém que eu conheço, sim. Você não vai me contar nada mesmo? Sua reação quando viu esse trilho não me enganou, S/N. Pela sua cara já deu pra perceber que você já sabia de algo antes. Agora eu quero saber. O que você tem pra me dizer?

Ao ouvir a fala de Allison, você se preocupa quando percebe que talvez não teria mais como desconversar o assunto.

Realmente Allison está convictx de que você sabe algo a respeito dos trilhos, pois sua imediata reação ao vê-los não foi camuflada de uma surpresa tão intensa como era pra ter sido a ponto de que gerasse uma convicção de que aquilo era algo que acabara de descobrir.

Sendo assim, não vendo tanta saída para uma tentativa de mudança de assunto — pois certamente Allison voltaria a fazer a mesma pergunta quantas vezes fosse preciso — logo começa a pensar no que dizer na hora. Então, duas ideias surgem em sua mente lhe fazendo ficar em uma bifurcação onde por um lado acha melhor contar uma boa de uma mentira e convencê-lx de que não era nada de mais ou a opção de contar de vez tudo para Allison a respeito de já ter visto outro trilho semelhante àquele e sobre a passagem do prédio em que mora.

Sendo assim, após pensar por alguns segundos, toma uma decisão e com toda a confiança diz:

— Ok, não sei como você sabe disso e como percebeu, mas eu vou te contar. Na verdade eu precisava falar disso com alguém e ter certeza de que eu não 'tava vendo coisas — você fala.

— Então me conta o que você sabe — Allison diz.

— Olha, pra deixar bem claro, tenho que confessar que foi bem estranho quando tive o primeiro contato com essa descoberta. Então me surpreendi quando vi que ela estava bem próxima de mim.

— Do que você tá falando?

— Seria estranho ou então seria possível eu encontrar esse mesmo trilho debaixo do prédio que eu moro?

— O quê?! — Allison exclama.

Então, você começa a explicar sobre aquele dia de domingo quando teve a reunião de condomínio no prédio em que mora e que havia decidido ir ao parque caminhar e que, ao voltar para casa, encontrou a passagem subterrânea quando decidiu “curiar” o que havia por trás de uma pequena porta que sempre estava fechada.

Nos mínimos detalhes, também conta o que encontrou ao cruzar a passagem. Conta sobre os ruídos e conversações que ouvira.

Ao terminar seus relatos, você percebe que Allison lhe olha atentamente com uma expressão nitidamente confusa, como se aquilo que estava contando fosse um completo absurdo. Era um misto de julgamento e análise que estampa o seu rosto que nem dá pra disfarçar.

— Então você viu tudo isso? E 'tava acontecendo bem embaixo do seu nariz? — Allison pergunta.

— É. Eu sempre via aquela porta fechada sempre com alguma coisa na frente pra disfarçar. A síndica sempre dava uma desculpa que ali seria feito algo, mas nunca era feito nada — você declara.

— Isso é interessante. Você precisa conseguir uma nova oportunidade de seguir esse caminho e ver até onde vai. E se ele leva até outro ponto considerado importante da cidade? Pode haver mais lugares por aí que o trilho faz caminho e a gente nem sabe.

— Er... já que você falou nisso, eu tenho mais uma coisa pra dizer.

— O quê?

— Sabe aquela noite que nós fomos ao Super 8?

— Claro. Como esquecer da noite que fomos detidos pela primeira vez? — elx diz, rindo.

— Então, teve um momento que eu saí pra ir ao banheiro e eu escutei coisas estranhas de lá — você diz.

— Que coisas?

— A princípio eu pensei que fossem barulhos que vinham de algum lugar da lanchonete, sei lá, talvez até fosse, mas era bem estranho. Eu senti que o chão 'tava tremendo e além disso eu escutei os mesmos sons que escutei na vez do prédio.

Dito isso, Allison mais uma vez muda sua expressão e de um modo bem concentradx, começa a contar os dedos da mão parando no terceiro.

— Aqui, seu prédio e o Super 8. Então já são três lugares que provavelmente estão ligados.

— O quê?

— Olha, S/N. Isso tem alguma coisa por trás. Tem alguma coisa que envolve esses três lugares e eles estão ligados por esses trilhos.

— Você acha que tem alguma coisa por trás disso que não seja um simples caminho que o trem fazia tipo, sei lá, há um século?

— Isso é o que eles querem que a gente pense — elx diz — Então deve ser por isso que quando eu fiz perguntas a meu pai ele não quis responder muita coisa.

— Espera, então seu pai sabe também? Mas agora há pouco você disse...

— Eu menti, ok? Quis fazer um teste com você. Mas olha, isso que estamos vendo aqui com certeza tem algo por trás. Tem algo que eles estão escondendo da gente.

— Mas o que você acha que eles poderiam esconder? — você pergunta.

— Eu não sei. Mas é o que eu quero saber. Mas isso vou deixar para outra ocasião. Agora temos que focar mais no que nos interessa. A bateria está acabando, precisamos continuar antes que não dê mais tempo.

E assim deixam o local, e com um pouco mais de pressa vão seguindo caminho. Durante o percurso, pode-se ouvir alguns objetos fazendo pequenos ruídos, além de guinchos de ratos que passam por perto e que vez ou outra até derrubam pequenas peças que estão por ali.

Depois de um tempo...

Após alguns minutos de andança sem saber onde exatamente estavam e para onde estavam indo, de um modo súbito algo acontece lhes trazendo um pouco de alívio e mais confiança para seguirem a caminhada. A energia elétrica volta fazendo acender todas as lâmpadas posicionadas no teto, uma por vez, desde o princípio até onde se encontram.

— Finalmente. Assim vai ficar bem mais rápido o nosso serviço — você comenta.

— Muito mais — concorda Allison.

Sendo assim, logo ao serem contempladxs pela ocorrência, ambxs põem-se a andar mais rapidamente. No entanto, surpreendentemente de algum modo começam a ouvir uma conversação. Vocês se olham por um breve momento até que veem surgindo os perseguidores de outrora vindo por uma direção bem próxima. Porém eles não vêm do caminho reto que acabaram de percorrer e sim de uma das laterais.

Logo, eles começam a chamar por vocês ordenando que parem. Não estão mais segurando as tochas, então dessa forma conseguem correr mais rápido do que antes.

Não dando ouvidos para eles, Allison e você persistem na fuga evitando olhar para trás para não se atrapalharem de alguma forma e serem pegxs.

Ficou assim nessa corrida de gato e rato por um certo tempo. Nenhum dos homens que os perseguem indicam sinal de cansaço.

Já vocês não pode-se dizer o mesmo. Pelo menos não da parte de Allison. A essa altura, depois de tanto esforço e mais essa força extra que tem que fazer para correr, sua perna começa a dar sinal de fraqueza e a dificuldade para manter o mesmo ritmo do início cada vez mais aumenta. Mas mesmo assim, por força de vontade ou teimosia, você não desiste e persiste na correria.

Queixando-se da dor que cada vez mais aumenta você, cansativamente diz:

— Eu acho que não vou aguentar.

Allison não querendo ceder, te incentiva a não parar, dizendo:

— Só mais um pouco, S/N.

Porém não teve jeito. É chegado seu limite. Num ato de desabafo você dá um grito bem forte de dor segurando sua perna com bastante força lhe fazendo ficar com um dos joelhos apoiado no chão. Allison, ao lhe ver, dá um grito chamando o seu nome e em seguida exclama: “CUIDADO!”

Bem devagar você olha para a direção indicada por elx e quando vira totalmente a cabeça, vê um dos caçadores alto, barbado e musculoso parado bem na sua frente.

Então, com um malicioso sorriso no rosto ele diz:

— Parece que agora não tem mais como fugir.

— Não — você diz com a voz um pouco fraca quase implorando.

— Anda. Terá de ir conosco agora. Precisa pagar pelo o que fez — ele completa.

Ao ouvir isso, logo lembra das palavras ditas por Allison quando falou que se eles lhe capturassem, sabe-se lá o que aconteceria com você. Então, logo uma preocupação toma conta de seu ser enquanto olha para Allison vendo toda a cena, distante, enquanto que três dos outros homens correm em sua direção.