Sou retirado do quarto pouco tempo depois de a Hailey adormecer. O meu irmão pede-me uma hora, para cuidarem dela, e por fim para a acomodarem no novo quarto. Fora da UCI, das máquinas, e esperava eu, das grandes preocupações.

Aproveito para ir comer qualquer coisa. Agora que ela tinha acordado sentia fome. Por fim, enquanto saboreio um café e espero impacientemente pela hora, ligo para a Inteligência.

— “Jay? E então?” – A Vanessa atende ao primeiro toque.

— “Acordou Vanessa!” – Digo com um grande sorriso e num tom eufórico. Do outro lado ouço gritos e exclamações de felicidade. A chamada estava a ser ouvida por toda a unidade.

— “Como é que ela está? Já tiveste com ela? Conta tudo Jay!” – Pede impaciente. Respondo com uma risada suave.

— “Aparentemente está tudo bem. Eu estava com ela quando acordou. Estava um pouco desorientada e não conseguimos falar muito, mas pareceu-me bem.” – Faço um pequeno resumo.

— “Achas que podemos ir visitá-la hoje?” – Admirava-me como é que a Vanessa ainda não estava no hospital.

— “Não sei Vanessa, mas talvez seja melhor amanhã. Ela agora está a dormir e não sei quando acordará. – Tento não ser mal interpretado.

— “Sim, talvez tenhas razão.” – Faz uma pausa. – “Mas amanhã aparecemos todos!” – Diz com um sorriso na voz e a acentuar o ´todos`. – “E… ah! Jay dá-lhe um beijo enorme de todos nós! Mas é para lhe dares mesmo um beijo verdadeiro Halstead!” – Explica num tom malicioso. Vanessa a ser a Vanessa.

— “Vanessa…” – Suspiro.

— “Estou a torcer por ti Jay…” – Sussurra com a sua voz alegre. Não consigo evitar um pequeno sorriso. – “Aliás, por vocês.” – Sussurra mais uma vez.

Após terminar a chamada recosto-me na cadeira, distraído em pensamentos. Se havia alguém que seria a madrinha de uma futura relação minha e da Hailey, esse alguém seria a Vanessa. Era persistente nas dicas que nos mandava. Eu fingia que não percebia, e tinha certeza que a Hailey também o fazia, pelo menos há minha frente.

Cumpro rigorosamente a hora que me foi pedida, seria doido se demorasse mais um minuto. Quando o elevador se abre avisto logo o Will no balcão de atendimento daquele andar. Olha para o relógio e novamente para mim, depois sorri.

— “Sabia que virias a horas.” – Dá-me uma palmada nas costas. – “Anda.” – Sigo-o impaciente e talvez um pouco nervoso.

O quarto da Hailey ficava mesmo quase em frente ao balcão. Apenas duas portas mais à frente. Era grande e arejado, e do lado oposto da porta tinha duas janelas grandes viradas para a avenida. Era branco e de um azul muito claro e leve, arriscava dizer, acolhedor. Ao lado das janelas, lá estava ela, serena, deitada na cama, apenas com uma intravenosa ligada ao braço direito. Mais uma surpresa para mim, visto que os últimos dias os tinha passado rodeada de máquinas. Detenho-me por alguns segundos junto à porta, a contemplá-la. Era linda. Mesmo ali deitada, acabada de sair de um coma.

Sou deixado sozinho, aproximo-me lentamente do seu lado esquerdo e seguro-lhe a mão. Estava quente, sorrio com o que acabo de constatar. As poucas vezes que lhe tinha segurado a mão enquanto esteve em coma, permanecia gelada. Passo-lhe delicadamente a mão na bochecha mais próxima. Estava um pouco rosada. E ela estava adorável. Deixo escapar o ar que nem sabia que estava a prender, para de seguida inspirar profundamente. Sorrio como um tolo apaixonado quando as minhas narinas recebem o perfume dela e o reconhecem automaticamente. Era o meu cheiro preferido para sempre. Passo os dedos pelo cabelo que descansa no ombro, para mais uma vez acariciar a bochecha rosada. Sou agraciado pelos grandes olhos azuis, abertos e sonolentos, como se o meu gesto a tivesse atraído para mim. Lentamente vira a cabeça na minha direção.

— “Olá!” – Cumprimento em êxtase. Em resposta recebo um leve sorriso. – “Sentes-te bem?” – Acena ligeiramente de forma afirmativa. Reparo que fecha lentamente os olhos num pequeno deleito daquele momento. Só então reparo que ainda lhe acariciava a bochecha, e não paro aquele momento. Quando volta a abri-los tem os olhos brilhantes com algumas lágrimas ali acumuladas. – “Estás com dores?” – Responde não, com a cabeça.

Perco a conta ao tempo que ficamos em silêncio apenas a olhar um para o outro. Sinto-me impotente ao ver os olhos dela cheios de lágrimas, e todas elas a serem derramadas. Não consigo evitar que as minhas também me visitem os olhos. Mas ali, no meio daqueles olhares intensos, muita coisa silenciada está a ser dita. E se tinha alguma dúvida dos sentimentos dela, para mim, naquele momento, todas as dúvidas estavam dissipadas.

Continuo a passar-lhe a mão pelos cabelos e pela bochecha. Aqui e ali apanho uma lágrima. Deixo que continue a chorar, compreendo que precisava daquele momento, limito-me apenas a falar com os olhos, e por fim a aperceber-me o que se estava a passar, algumas das razões daquele choro.

— “Tive tanto medo de te perder.” – Com a voz trémula e abafada desabafo algum tempo depois. – “Não suporto a ideia de não te ter aqui comigo.” – Beijo-lhe a mão.

— “Jay…” – Encontro algo novo no olhar que me dirige. Primeiro, surpresa pelo que tinha acabado de ouvir, e em segundo, medo.

Resolvo não alongar mais aquelas palavras. Ela estava extremamente sensível, aliás, nunca tinha visto a Hailey assim. Iria demonstrar tudo o que tinha a dizer em gestos.

Sem dar por isso chegámos à hora do jantar. A mim oferecem-me a refeição completa, mas para a Hailey apenas tinha chegado uma sopa. Tentavam ao máximo que a recuperação da garganta, arranhada pela intubação, fosse com sucesso.

Conhecia-a bem de mais para numa primeira fase não disponibilizar a minha ajuda. Ela tentava desesperadamente comer a sopa por ela mesma mas não estava fácil.

— “E que tal agora que já terminei, ajudar-te com isso?” – Pergunto casualmente. Dirige-me um olhar mortal. Não fosse a situação teria gargalhado muito com aquilo. – “Hailey, estou aqui para qualquer coisa, e isso inclui ajudar-te em tudo que precises!” – Não a deixo responder, chego-me à frente e com um olhar encorajador agarro-lhe a mão e tiro a colher. – “Ora então vamos lá.” – Digo enquanto lhe dirijo a primeira colherada de sopa para a boca. Sorri-o porque a recebe de bom agrado. – “Vês! Não custa nada, e não te torna menos capaz o facto de teres ajuda, está bem?” – Olha-me durante alguns segundos e enquanto lhe devolvo a colher à boca sussurra um leve obrigado. Não deixo de reparar no pequeno mau humor que mantém por apenas poder comer sopa.

Conseguimos ver um pouco de televisão antes de a enfermeira chegar e administrar a medicação necessária para aquela noite. Pouco depois, deitado na minha cadeira reclinável assisto enquanto a Hailey se deixa vencer pelo sono, e fico maravilhado com a visão. O mais silenciosamente que consigo levanto-me, e mais uma vez passo a mão pela bochecha rosada. Automaticamente debruço-me sobre ela e deposito um leve beijo onde tinha acabado de tocar. Como se ela soubesse o que eu tinha acabado de fazer sou recompensado com um leve suspiro. Era linda. E eu amava-a com todas as minhas forças. Mais do que alguma vez tinha amado alguém.

Desligo a televisão e dirijo-me até às janelas para fechar ao máximo as persianas. Detenho-me ali por alguns minutos a apreciar a vista da avenida já não tão movimentada. Estava feliz, não completamente, por enquanto, mas sentia-me bem, ela estava ali, viva, e embora deitada numa cama de hospital, estava comigo. Via ali a oportunidade que a vida me estava a dar, era um aviso. Ou eu aproveitava o que estava diante dos meus olhos, ou então seria-me retirada. Deus! Eu ia aproveitar.

Embora tivesse um sofá há minha espera para dormir resolvo ficar na cadeira reclinável, pois ficaria mais perto dela. Em pouco tempo tinha o meu corpo a ceder à adrenalina do dia, luto durante algum tempo mas por fim enquanto olhava para ela deixo-me levar.

Muito ao longe ouço gemidos. Seriam gemidos? De onde vinham? Começo a aproximar-me pouco a pouco de algum sítio, mas o que se estava a passar? Entretanto palavras sem nexo são misturadas aos gemidos e alguns sons abafados começam a ser agonizantes. De repente venho a mim, reparo que estou no quarto de hospital e deitado no cadeirão. Logo a seguir a aperceber-me onde estou noto que os sons que me acordaram estão mesmo ao meu lado. Em pânico olho para a fonte do som e já a levantar-me vejo a Hailey a debater-se na cama no momento em que acorda.

— “Jay… Jay… Jay…” – Agoniza em pânico com a mão na garganta.

— “Shii… Shii… estou aqui, estou aqui!” – Digo enquanto lhe seguro a mão e a outra levo ao topo da cabeça para a acariciar.

— “Jay…” – Choraminga. Leva a única mão que consegue mexer há minha camisola e ali fica enquanto a agarra com força.

Espero enquanto se acalma. Não me mexo, mantenho as mãos onde estavam e não faço qualquer objeção à dela no meu peito. Aproximo-me ainda mais, deito a minha cabeça ao de leve em cima da dela e instantaneamente, como se de um íman se tratasse, aloja o nariz no meu pescoço. Aquela intimidade era nova para nós, e parecia tão certa. Eu queria aquilo.

— “Mais calma?” – Sussurro enquanto ainda naquela posição começo a acariciar-lhe a cara.

— “Sim…” – Ahh tinha tantas saudades da voz dela.

— “Queres falar sobre o teu pesadelo?” – Pergunto, embora já saiba a resposta.

— “Nã… não…” – Sussurra.

Respeito a resposta que me dá. Em contrapartida encaro-a. Os nossos rostos a poucos centímetros de distância, podia sentir a respiração dela na minha boca. Seria extremamente fácil encurtar a pouca distância que nos separava e colar os meus lábios nos dela. Durante alguns segundos cogito essa hipótese, mas deixo-a logo de parte, não era o momento certo.

Perco a noção do tempo que nos ficamos a encarar, o meu olhar, apaixonado, quente e destruidor de qualquer coisa que a magoasse, contra o olhar amedrontado e perdido dela. O que quer que seja que a tenha perturbado, era algo grande, eu via nos olhos dela. Conhecia-a bem, melhor só a mim mesmo. A Hailey é a primeira a desviar o olhar, algo agitado, arrisco a pensar. Respira fundo e fecha os olhos lentamente, mesmo a tempo de eu os ver a ficarem rasos de água novamente. Volto a acariciar-lhe a bochecha e sou surpreendido quando afasta a cara da minha mão. Arregalo um pouco os olhos com aquele gesto e por momentos sinto-me confuso. Conhecia-a o suficiente para perceber que aquele gesto tinha sido forçado, embora o tenha feito. A força tremenda que ela estava a fazer para não chorar demonstrava-o. E eu, não queria acreditar que aquilo estava a acontecer. Não quando eu estava disposto a deitar tudo ao ar para ficarmos juntos.

— “Hailey?” – Pergunto no meio da minha confusão. Permanece de olhos fechados e a respirar pesadamente, não me responde. – “Hailey?” – Volto a perguntar, desta vez com a voz mais firme. Engole em seco e abre a boca para me responder. Para durante alguns segundos antes de prosseguir.

— “Acho que…” – Engole novamente em seco. A voz não passa de um sussurro. – “Acho que… devias ir embora…” – Continua com os olhos fechados, a boca numa linha fina, e naquele momento todas as suas rugas de expressão ganham uma nova vida. Parecia que tinha envelhecido anos após o que tinha acabado de dizer. E eu agradeço por ela continuar de olhos fechados, porque após aquelas palavras sinto o meu Mundo desmoronar um bocado.

— “Hailey, olha para mim!” – Peço. Continua imóvel e de olhos fechados. – “Hailey, olha para mim!” – Repito, mais firme. Talvez até com alguma brutidade, o que a faz encolher-se um pouco. Com isto, delicadamente toco-lhe na cara e viro-a para mim. Espero que por fim me encare. Quando vê que não desisto abre os olhos mas não me olha. – “Ei! Mas o que é isso? Hailey, eu já te disse que não vou sair do teu lado!” – Explico já um pouco exasperado.

— “Eu… eu não te quero aqui Jay…”