— “Eu… eu não te quero aqui Jay…”

Pisco algumas vezes enquanto tento processar o que acabo de ouvir. Como assim ela não me queria ali? Abano a cabeça a tentar clarear o que acabou de acontecer. Olho-a atentamente. Em momento algum me dirige o olhar, enquanto isso mantém-se reta e rígida, de olhos fechados e, por aquilo que conseguia perceber, a fazer força para não chorar. Suspiro. Abano a cabeça e falo calmamente.

— “Esperas que eu acredite no que me estás a dizer, quando nem consegues olhar-me nos olhos?” – Sussurro. Noto que faz ainda mais força nos olhos. – “Dizes-me isso na cara e eu prometo que saio já daqui! Se quiseres não meto aqui mais os pés! Mas Hailey, vais ter que te virar para mim e dizer-mo!” – Ergo-me ligeiramente da cadeira e aproximo-me mais dela. Não digo mais nada, apenas espero por ela. Momentos depois, lentamente vira a cara na minha direção, para por fim, abrir os olhos. Fico mortificado com o que vejo. Com tudo o que aquele olhar me transmite. Medo. Muito medo. – “Oh minha doce Hailey.” – Não consigo evitar dizer em voz alta o primeiro pensamento que me ocorre. E enquanto o digo, quase que como se de um íman se tratasse aproximo-me ainda mais dela e com uma mão acaricio-lhe o cabelo. – “Como é que a tua boca diz uma coisa e os teus olhos outra?” – Sustentamos o olhar durante aquilo que parece uma eternidade. Eletrizante. Apaixonado. Palavras não ditas.

— “Jay…” – Abana a cabeça de forma negativa enquanto diz o meu nome, para de seguida morder o interior do lábio inferior repetidamente e agressivamente. Suspiro.

— “Chega Hailey, não vamos mais lutar contra isto por favor…” - Agradeço mentalmente por mantermos o olhar conectado. Ouve-me atentamente e não se afasta ao meu toque. – “Eu sei que aconteceu muita coisa…” - Faço uma pequena pausa. – “Escuta, não estamos no sítio nem na situação certa para o fazer, vamos falar quando saíres daqui, pode ser?” – Acaricio mais uma vez a bochecha mais próxima. Como resposta fecha os olhos e saboreia aquele momento sofregamente tanto como eu. – “Só por favor, não me afastes, não depois destes dias, não depois de tudo desde que levaste o tiro, não depois de eu quase te perder e por conta disso deixar de fugir e decidir enfrentar tudo e todos para tentar com que isto entre nós funcione.” – Por esta altura a emoção tomava conta de mim, julgava-a bem espelhada nos olhos da minha parceira. Inclino-me mais para a frente e pairo sobre ela. – “Posso ficar?” – Pergunto enquanto me aproximo mais e ficamos cara a cara, separados por poucos centímetros, as nossas respirações misturadas. Como resposta recebo um leve aceno afirmativo e sorrio abertamente. Instintivamente aproximo-me mais e fecho a pouca distância que nos separa encostando a minha testa na dela.

Aquilo era novo, aquele movimento, aquele toque de pele, bem como todos os toques que tinha feito desde que a Hailey tinha acordado. Mas pareciam tão certos. Tal como a pequena eletricidade entre as nossas testas ou entre a minha mão que ainda repousava na lateral da cara dela. Olho-a fixamente nos olhos. Ali confirmo tudo o que queria, estávamos juntos naquilo, ela estava comigo, e eu iria fazer da forma que ela quisesse.

Mantemo-nos perdidos naquele momento por tempo indeterminado até uma batida na porta nos puxar para o presente.

— “Desculpem, não quero interromper.” – Sento-me rapidamente na cadeira e suspiro enquanto aceno com a cabeça ao meu irmão. – “Como te sentes Hailey?” – Aproxima-se lentamente da cama, o olhar entre mim e a loura ao meu lado. Uma mistura de surpresa e satisfação, um ligeiro sorriso quando sustenta o meu olhar.

— “Algumas dores.” – Sussurra com alguma dificuldade. Assim que o Will se aproxima dos dois frascos suspensos ligados a ela, vejo a mudança, um ligeiro pânico tolda-lhe a expressão. – “Não… Não quero dormir…” – Enfatiza muito depressa enquanto esforça a voz.

— “Vou só aumentar a medicação das dores, mas qualquer das formas precisas de descansar Hailey.” – Explica com uma voz suave.

Tão depressa como apareceu vejo o meu irmão desaparecer pela porta, não sem antes me oferecer um olhar provocador.

— “Sabes que me podes contar tudo o que quiseres, não sabes?” – Questiono após alguns minutos em silêncio. A minha breve interrogação faz com que a Hailey mude a atenção da parede à sua frente, para mim. No meio do olhar perdido que me dirige acena com a cabeça uma pequena afirmação. Ela sabia. – “É isso que fazemos juntos: estamos lá um para o outro…” – Faço uma pequena pausa antes de continuar. – “E raios, nós fazemos isso bem!” – Suspiro e passo uma mão na cara. – “Talvez o que fazemos de melhor…” – Deixo apenas aquela afirmação no ar, e em troca recebo um discreto sorriso. Ali ficamos perdidos, no nosso Mundo, a sustentar o olhar um do outro, a contar histórias mudas, a fazer olhos brilharem, sorrisos discretos, promessas silenciosos, a fazermos aquilo que nos tornava tão bons, a sermos um só.

Conseguimos manter-nos na nossa bolha por mais algum tempo, até uma enfermeira chegar. Não posso deixar de espelhar a felicidade no rosto da Hailey ao saber que tem autorização para tomar banho com ajuda. Mas em poucos segundos, qualquer aura de leveza naquele quarto é derrubada quando a Hailey pousa o primeiro pé no chão. O facto de eu estar parado mesmo ao lado dela, foi a salvação para não a ver no chão. Sustento-a nos meus braços enquanto a sinto tremer e praguejar baixinho tentado dar um novo passo para se desenvencilhar do meu aperto. Mais uma vez fraqueja.

— “Eu… eu não… não consigo andar!” – Exclama o mais alto que a voz recém-adquirida lhe permite. – “Não consigo andar!” – Repete incansáveis vezes aquela frase. Ao mesmo tempo, a pouca força que o braço bom lhe permite ter, usa-a para se tentar afastar do meu aperto. Entramos então num círculo de acontecimentos, enquanto toda aquela cena se repete incansáveis vezes, e a enfermeira se tenta fazer ouvir.

“Hailey, por favor ouve a enferm…” – Não consigo terminar a frase pois o meu peito começa a ser socado na sua tentativa frustrada. – “Hailey…” – Agarro-a com um pouco mais de força e tento que olhe para mim. Naquele momento reparo que a enfermeira acaba de deixar o quarto. – “Ei, acalma-te por favor, é normal, ei, olha que eles vão-te pôr a dormir!” – Nada do que lhe tento dizer naquele momento surte o efeito desejado, não quando nos meus braços a mulher da minha vida chora descontroladamente e está a ter um qualquer tipo de ataque ou alucinação, e eu me vejo completamente incapaz de a ajudar.

Quando percebo a enfermeira a voltar ao quarto, o que eu mais temia segue atrás dela. O meu irmão. Passa-me sinal para carregar a Hailey para a cama. A contra gosto, com um grande suspiro, elevo o pequeno ser frágil que ainda se debatia nos meus braços, cautelosamente pouso-a na cama, enquanto ao mesmo tempo exerço uma pequena força para a manter estável. Sussurro o nome dela incansáveis vezes e tento dizer que está tudo bem. Quando se apercebe o que o meu irmão está prestes a fazer, o pânico aumenta e apenas diz, sem parar, que não quer dormir.

Já eu, tento ao máximo não demonstrar o meu pânico, vê-la assim mortificava-me, não poder fazer nada, aquela sensação de vazio feria-me profundamente. Consigo que me olhe nos olhos. Pânico. A minha pequena estava no mais puro estado de pânico.

— “Shiii, está tudo bem…” – Tento tranquiliza-la o máximo possível, enquanto pelo canto do olho vejo o Will preparar a seringa. Mais um choramingo é a resposta que recebo, que se intensifica quando por fim a seringa encontra a parte superior do braço dela e o líquido entra. – “Tenta descansar, sim? Vai ficar tudo bem. Estarei aqui quando acordares.” – Tranquilizo-a enquanto aos poucos deixa de se debater nos meus braços. Os olhos continuam bem atentos, o que me incentiva a continuar. – “Shiii, está tudo bem meu amor, está tudo bem sim?” – Embalo-a nos meus braços e vou sussurrando que está tudo bem, que ela ficará bem. Nunca perdendo o contacto visual e transmitindo o máximo de amor possível por entre as lágrimas que me nublavam os olhos. Quando por fim adormece não consigo soltá-la. Continuo a agarrá-la como se a minha vida dependesse dela. Talvez fosse isso mesmo, há muito tempo que a minha vida dependia simplesmente daquela mulher.

— “Jay, já podes largá-la…” – A voz suave do Will surge atrás de mim, enquanto coloca uma mão no meu ombro.

— “Dá-me um momento por favor.” – Peço com a voz um pouco rouca. Não a queria largar. Não a queria largar por nada. Enquanto isso, lentamente encosto a minha testa na dela e inspiro e expiro ao mesmo tempo que ela. O exercício ajuda a que aos poucos me acalme.

Algum tempo depois, após velar o sono tranquilo em que estava, ganho coragem para finalmente a deixar. Lentamente deixo-lhe um pequeno beijo na testa e uma carícia na bochecha, e o mais cuidadosamente que consigo aconchego-a na cama, desta vez já com a ajuda da enfermeira. Com um suspiro deixo-me cair na cadeira e esfrego a cara com as duas mãos.

— “Que raios Will isto era mesmo necessário?” – Praguejo baixo.

— “Sim, claro que sim! Jay ela está a recuperar de um traumatismo cranioencefálico, ela levou duas transfusões de sangue, teve quatro dias em coma, está muito fraca!” – Dirige-me o olhar do óbvio.

— “Então se é assim porque a deixaram levantar-se e passar por isto?” – Naquela altura já não me importava onde estava, nem a presença da enfermeira que continuava a aconchegar a Hailey de forma maternal.

— “Jay escuta…” – Ali não era o doutor Halstead a falar, mas sim o meu irmão. Agachasse ao meu lado e continua. – “Como é óbvio não era suposto ter corrido assim, a enfermeira estava aqui precisamente para a amparar, talvez eu me tenha apressado um pouco, desculpa…” – Olho-o por fim. Suspiro e deixo-me levar pela emoção reprimida.

Em algum momento após o meu momento de fraqueza noto que estou sozinho no quarto. Entro em algum tipo de espiral enquanto revivo tudo o que tinha acabado de se passar naquela divisão. Aproximo-me mais da cama e aconchego a mão dela entre as minhas. Dormia de forma serena, o que acaba por me transmitir alguma paz. As pequenas rugas já presentes no canto dos olhos suavizadas. Descanso a cabeça por cima das nossas mãos entrelaçadas e pouco tempo depois deixo-me levar.

Sou roubado do meu sono leve por um pequeno barulho que me desperta e faz levantar a cabeça bruscamente.

— “Desculpe detetive, não o queria acordar.” – Há minha frente a enfermeira que acompanhava a minha parceira. Detenho-me por um tempo a analisar tudo o que faz. Devia de ter os seus cinquenta e poucos anos, uma expressão simpática sempre presente, mesmo enquanto observava a mulher adormecida. – “Sou a enfermeira Anna, serei eu que cuidarei da detetive Upton enquanto tiver connosco.” – Explica com um sorriso doce.

— “Certamente que ela vai querer que a trate por Hailey…” – Digo com um pequeno sorriso no canto da boca. – “E eu por Jay…” – Continuo e mantenho o mesmo sorriso.

— “Acredito que sim…” – Concorda. – “Posso trazer algo para o almoço detetive?” – Abano a cabeça quando noto que não faz o que lhe peço. – “Ou prefere esperar que a detetive Upton acorde? A dose foi baixa, não deve dormir muito.” – Esclarece. Resolvo aceitar a sugestão, e assim fico novamente sozinho com a minha pequena.

Quando acorda sinto-a um pouco envergonhada. Não me dirige o olhar. E mais uma vez é como se tivéssemos regredido no pouco que tínhamos avançado anteriormente.

A tensão no ar é um pouco dissipada quando o almoço chega e a Hailey tem conhecimento que já tem coisas sólidas para comer. Deixo-a comer a sopa lentamente, enquanto termino o meu almoço.

— “Teria todo o gosto em ajudar-te sabes…” – Sou o mais casual que consigo ao pronunciar aquelas palavras. – “E que tal começar a desfiar um pouco este peixe e a cortar as batatas em pequenos pedaços?” – Olha-me desconfiada para de seguida acenar afirmativamente. Sorrio internamente com mais aquela pequena vitória.

— “Tu… Hoje…” – Escolhe as palavras enquanto mastiga com vontade uma grande porção de peixe. – “Hoje… Chamaste-me de amor…” – Não consigo perceber se está a perguntar ou simplesmente a constatar. Mas em nada me parece chateada.

— “Sim… A mim parece-me certo, a ti não?” – Imediatamente a seguir a ter pronunciado aquela frase sustenho a respiração. Será que tinha ido longe demais? Teria sido ousado?

— “Humm… Sim, por mim tudo bem.” – Mais uma pausa enquanto mastiga. Nada me estava a dar mais prazer do que vê-la a comer com aquela vontade toda. – “Só preciso de me acostumar a isso, acho.” – Fico totalmente surpreendido com aquela resposta.

— “Estou completamente à vontade com isso.” – Pisco o olho enquanto lhe ocupo novamente a boca com comer.

Pouco depois do almoço chega a maior surpresa do dia. O Will chega acompanhado de outro médico que ainda não conhecia-mos. Fisioterapeuta. Segue-se uma longa conversa onde explicam que o corpo dela apenas está fraco. E ali estava a ajuda dela para começar a pôr as pernas a trabalhar. E ali estava de volta a determinada detetive Upton.

O humor da Hailey muda substancialmente para o resto do dia. Recebe toda a equipa com um sorriso no rosto, mesmo quando o cansaço já se fazia sentir. Entra nas piadas do Adam, deixa que a Vanessa se aninhe nela a choramingar, é mimada com a doçura do Kevin e ouve tudo sobre o novo caso, relatado pela Kim. Enquanto isso, mais afastado, com um pequeno sorriso nos lábios, o Hank Voight assistia a tudo. Eu também. Trocámos alguns olhares, alguns sorrisos, orgulhosos, esperançosos, aqueles erámos nós. Uma família. A família que nenhum de nós os dois estava disposto a perder.

Aquela sensação não me era nada estranha. Aqueles sons. Aquele desespero. Aos poucos desperto do meu sono. Começo a ouvir sons abafados. Gemidos. Quando abro os olhos lembro-me onde estou. O quarto de hospital continua na penumbra, tal e qual como o tinha deixado. Levanto-me sobressaltado quando percebo o que se estava a passar. Hailey. Mais uma vez, tal como na madrugada passada, debatesse na cama em agonia. Aproximo-me e cuidadosamente emolduro-lhe a cara com as mãos.

— “Ei Hailey, ei acorda” – Após leves sacudidas acorda a ofegar, e mais uma vez a choramingar.

— “Jaaay…” – Arrasta o meu nome enquanto chora.

— “Shiii… Shiii… Estou aqui, está tudo bem.” – E ali está ela a tremer e em pânico.

Enquanto a embalo não posso deixar de pensar em tudo desde que acordou, segunda noite, segundo pesadelo, o medo de adormecer, o ataque ou alucinação que tinha tido naquela tarde… algo de muito errado se estava a passar com ela.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.