Não sei o que esperava encontrar quando finalmente olhei pelo vidro do quarto nos cuidados intensivos. Talvez uma Hailey sorridente há minha espera ou simplesmente encontrá-la sem máquinas em volta. Mas quando me posicionei naquele sítio por mim já tão conhecido não pude deixar de sentir os ombros descaírem. Tudo estava igual. As máquinas, a disposição do quarto, e a Hailey continuava da mesma forma com aquele tubo a sair da boca. Não pude deixar de me sentir impotente face àquele cenário.

— “Por favor, será possível chamar o Doutor Will Halstead?” – Pergunto a uma enfermeira que passava no corredor naquele momento. Lança-me um olhar interrogativo. Noto que quando abre a boca para falar repara no distintivo junto da minha cintura. O que quer que seja que fosse dizer desistiu. Apenas acenou afirmativamente e saiu.

Não esperei muito tempo até ver o meu irmão ao fundo do corredor.

— “Sabia que entretanto aparecerias por aqui.” – Sorri.

— “Ainda não começaram?” – Pergunto enquanto aponto para dentro do quarto.

— “Já, claro!” – Confirma. Mas assim que vê o meu olhar confuso continua. – “Jay, isto é um procedimento que é feito aos poucos.” - Explica. – “Não podemos tirar a sedação de uma vez, por agora já começámos, durante as próximas horas continuaremos.” – Fico um pouco desiludido com o que ouço. – “Não contes com ela acordada até amanhã, vai para casa, descansa, e amanhã voltas.” – Sugere com um sorriso.

— “Não, nem pensar.” – Desespero. – “Vou ficar aqui até ela acordar! Eu preciso de estar com ela quando ela abrir os olhos.” – Explico.

— “E eu compreendo isso Jay, mas ouve, ela não vai acordar tão cedo e tu não podes ficar com ela.” – Coloca uma mão no meu ombro. – “Fazemos assim, vais para casa descansar, e eu prometo que há mínima alteração te ligo para vires, pode ser?”

Não tive como discordar do que me era proposto. Qualquer das formas seria obrigado a sair dali mais tarde ou mais cedo. Mesmo assim, tratei de fazer um negócio que fosse benéfico para as duas partes. Eu sairia mas, quando voltasse na manhã seguinte, já para ficar com ela no hospital, deixariam que me juntasse a ela no quarto para acompanhar o seu acordar. Como é óbvio o Will não teve como discordar, e para minha surpresa foi-me dito que o quarto para onde a Hailey seria mudada depois de acordar já estava a ser preparado. E que igualmente já estava a ser preparado a fazer conta comigo, cortesia do CPD e do Chicago Med. Sorri com aquela afirmação e fiz uma nota mental para agradecer ao Voight mais tarde.

Saí do hospital com um sorriso no rosto, não conseguia evitar. Faltavam horas. Horas para voltar a ver aqueles grandes olhos azuis. Fui directo para casa. Comi a primeira coisa que me apareceu à frente. Tinha o frigorífico vazio, mas também não me iria preocupar em enchê-lo, não quando estava a caminho de passar uns dias no hospital. Fiz uma mala, com os bens essenciais e apenas roupa leve. E por fim preparei o computador portátil para seguir viagem comigo, podia ser preciso ajudar a Inteligência à distância.

Estava eufórico, não iria conseguir dormir. Não ali. Fechei tudo e segui para o único sítio onde queria estar, depois do hospital claro.

— “Posso ficar aqui?” – Pergunto à Vanessa assim que abre a porta.

Aquela noite tinha sido diferente. Conversámos durante horas. O ambiente estava leve. Ambos felizes por sabermos que ela estava a voltar para nós. Também preparámos uma pequena mala com algumas coisas da Hailey, principalmente pijamas e roupa interior. Não fazíamos ideia do tempo que passaria no hospital, mas talvez ainda fosse algum.

Naquela noite, quando cheguei ao quarto dela sentia o seu cheiro ainda mais intenso. De olhos fechados sorri, sorri muito. Continuei a deitar-me apenas em cima da cama e vestido. E mais uma vez divaguei. Divaguei pelo dia seguinte, pelo que me esperava e pela mudança que aquela mulher tinha feito em mim. Primeiro sabia que não ia ser fácil. Ah não ia! Conhecia-a muito bem, arriscava dizer que naquele momento era a pessoa que melhor a conhecia. E por tudo o que já tínhamos vivido e confidenciado um ao outro, sabia que teria, talvez, que lutar por ela, por nós. Não duvidava que ela também tinha sentimentos por mim, estava explicito. Mas tal como eu, o medo falava mais alto. No meu caso estava finalmente disposto a enfrentá-lo, no caso dela, talvez fosse um pouco mais difícil. Mas eu não me chamaria Jay Halstead se não lutasse afincadamente pelo que queria. Estávamos destinados um ao outro, não tinha qualquer dúvida disso. E seria eternamente grato àquela mulher por tudo o que tinha feito, e fazia, por mim. Pela melhor mudança e amadurecimento na minha vida, por me tornar um homem melhor. Mas principalmente por sempre acreditar em mim e nunca sair do meu lado.

Não sei a que horas adormeci, mas sabia que tinha adormecido em paz.

— “Bom dia Jay.” – Sou recebido pela Vanessa quando chego à cozinha. – “Tens café na máquina e serve-te do que quiseres no frigorífico.” – Oferece. – “Fiquei surpreendida quando reparei que tinhas ficado até de manhã.” – Sorri.

Sorrio em troca. Na realidade não sabia o que responder primeiro. A Vanessa falava muito e perguntava muita coisa ao mesmo tempo.

— “Adormeci tarde, e esta manhã só acordei quando te ouvi.” – As vezes anteriores que lá tinha dormido acabava por sair antes de o sol nascer, e a Vanessa só me via no escritório.

— “Vais para o hospital agora?” – Confirmo com a cabeça.

— “Estou oficialmente a mudar-me para o hospital” – Não posso deixar de sorrir.

— “Acho que deve ser a primeira vez que te sentes feliz por ires para o hospital.” – Graceja enquanto termina o pequeno-almoço.

— “Não duvides disso.” – Concordo e ofereço-lhe um sorriso de lado.

Olho novamente para o telemóvel no preciso momento em que as portas se abrem para eu passar. Nenhuma chamada, o que era óptimo. Quando chego ao corredor já conhecido, suspiro. Era verdade, ela ainda não tinha acordado. Continuava da mesma forma em que a tinha deixado na noite anterior. A diferença era a presença de quatro pessoas junto à cama dela. O Doutor Marcel, Doutor Abrams, uma enfermeira e o meu irmão. Este último notou a minha presença assim que cheguei junto ao vidro. Chamou a atenção de todos e fui saudado enquanto continuavam o trabalho. Sigo de perto tudo o que estavam a fazer. Testes em cima de testes. Sinto uma curiosidade crescente a cada novo passo que eles dão. Desde o abrir das pálpebras com a luzinha apontada, aos testes de sensibilidade nos membros superiores e inferiores. Só ali é que me cai mais uma fixa, as sequelas que aquela lesão podia trazer. Irreversíveis ou não. No preciso momento em que dou conta disso o Will olha para mim. Percebo no olhar dele que se apercebeu de todo o dilema interior que eu estava a ter. Não era para menos, estava mesmo. Sinto o buraco cavado dentro de mim, no momento que soube do tiro, aprofundar-se ainda mais. Ela não podia ficar com sequelas.

Colo-me ainda mais ao vidro quando vejo que os três médicos se preparavam para sair do quarto. Minutos depois apenas o Will aparece ao pé de mim.

— “Jay!” – Recebe-me com um sorriso. – “A Hailey está a começar a responder, o que quer dizer que está a começar a acordar.” – Fico agradecido com o sorriso sincero que vejo nos lábios do meu irmão.

— “Mas está tudo bem?” – Tinha mesmo que fazer aquela pergunta. – “Aqueles testes que estavam a fazer…” – Deixo a frase no ar.

— “Faz parte do procedimento Jay.” – Esclarece. – “Estamos a começar a averiguar se a lesão vai deixar alguma sequela. Quando ela acordar faremos o mesmo.” – Não podia deixar de me sentir nervoso com aquela declaração. – “Bom, vejo que já vens com as malas, anda que vou mostrar-te onde vai ser o quarto da Hailey.” – Sigo-o.

Tento memorizar o andar e o quarto, bem como ouvir todas as explicações e recomendações dadas pelo meu irmão, numa tentativa crua de não pensar no que estava prestes a acontecer. Estava ansioso.

De volta aos cuidados intensivos deixo-me andar por ali até por fim ser chamado para entrar. Regresso à pequena pré-sala, antes do quarto dela, para voltar a vestir todo o equipamento descartável, e por fim tenho autorização para me juntar há minha parceira.

Caminho lentamente em direcção à cama. Tomo atenção a todos os sons há minha volta. Eram os mesmos da primeira vez que ali tinha estado. Nada havia mudado. Paro do lado esquerdo dela e só então reparo que afinal já haviam alterações. Fico perplexo quando noto as pálpebras a mexerem. Olho incrédulo para o Will, em resposta recebo um sorriso atrás da máscara que lhe chega aos olhos. Sorrio também, sorrio muito, e por ali fico, imóvel, a segurar-lhe a mão, a passar-lhe a mão pelos cabelos, à espera.

Não sei quanto tempo passou, minutos não foram certamente, quando pela primeira vez a mão que eu segurava se mexeu. Naquele momento o meu coração disparou. Mais um pequeno passo.

A certa altura sou deixado sozinho no quarto, dali não sairia. Não até ela acordar. Bom, nem depois disso. Deixo passar o almoço, não tinha qualquer fome naquele momento. Apenas queria absorver cada sinal que ela me dava de que estava a chegar.

Dou um pequeno salto quando sinto a minha mão a ser apertada, e mais uma vez as pálpebras têm movimento.

—“Ei Hailey…” – Sussurro-lhe ao ouvido na tentativa de ajudar o processo.

A dada altura começo a sentir uma pequena tortura, já se haviam passado horas desde o momento que tinha chegado ao lado dela e aquela espera começava a ser agonizante. Aproveitava aqueles momentos para tentar ao máximo decorar, ainda mais, cada traço dela. O nariz um pouco empinado, que lhe dava um ar ainda mais sedutor. Os lábios carnudos e bem delineados que ficavam enormes cada vez que ela sorria. Os grandes olhos saídos e bem delineados. O buraquinho no queixo que era tão querido. E para finalizar, não pude deixar de passar um dedo nos extremos dos olhos onde algumas rugas já tomavam o seu lugar. Sim, definitivamente ela tinha envelhecido nestes últimos anos, mas para mim isso só a tornava mais bonita. Embora às vezes me sentisse preocupado com o peso que ela tinha perdido desde que tinha ingressado na Inteligência, bem como a expressão cansada que muitas vezes carregava. Mas limitava-me a confiar nela sempre que me dizia que estava tudo bem.

Sou retirado dos meus pensamentos quando sinto que o corpo da Hailey se mexe. E quase como se de um íman se tratasse sou chamado para os grandes olhos azuis. Confusos. Pisca-os infinitas vezes até que me coloco no seu campo de visão.

— “Ei…” – Sussurro a única coisa que consigo que me saia da boca. O choro que me entope a garganta não me deixa dizer mais.

Quando a Hailey repara que estou ali logo os seus olhos se suavizam. Para no instante seguinte se encherem de lágrimas. Ofereço-lhe o maior dos sorrisos. Mas a cima de tudo ofereço-lhe amor no olhar.

Tão rápido como vejo os olhos dela a suavizar, vejo o pânico a chegar. Em segundos começa a engasgar e a querer levar as mãos à boca. Depois do engasgar chega o sufocar.

— “Ei ei, calma!” – Peço enquanto tento que não se mexa. Ao mesmo tempo toco a campainha que descansa ao lado da cama. – “Já chamei alguém, já te vão tirar isso.” – Em momento algum tinha gostado daquele tubo que lhe saía da boca, então depois de a ver a agonizar por causa dele, tentava não fazer como ela e entrar em pânico.

Em segundos vejo o meu irmão seguido de uma enfermeira a entrar no quarto. Novamente lança o maior dos seus sorrisos, mas desta vez para ela.

— “Olá Hailey! Preciso que tenhas calma para podermos tirar isso está bem?” – A compreensão do que ele está a dizer faz com que ela se acalme. Em segundos fazem uma espécie de preparação para de seguida com um gesto firme tirarem o tubo que lhe estava enfiado em grande profundidade na garganta.

Sinto-me agonizado ao ver aquele momento, mas tento ser forte e corresponder ao vigoroso aperto que ela me dá na mão. Depois de tossir compulsivamente começa a tentar controlar a respiração, sempre com a ajuda e as dicas do Will. Não sei quem tinha o maior sorriso, se eu ou ele.

— “É normal que a garganta te doa durante alguns dias, tenta não esforça-la tudo bem?” – Fico ainda mais feliz quando vejo que ela compreendeu tudo. – “Preciso de te fazer algumas perguntas e alguns testes, só estamos à espera dos médicos.” – Mais uma vez concorda com a cabeça. Os dois médicos chegam logo a seguir.

— “Hailey, estes são o Doutor Marcel e o Doutor Abrams. Fomos nós que tratámos de ti desde o momento em que deste entrada no hospital.” – Ambos os médicos lhe dirigem um sorriso.

Durante a hora seguinte, apenas assisto a uma detalhada explicação de todo o estado de saúde da Hailey. Algumas coisas ainda nem eu próprio tinha ouvido. De seguida, os mais variados testes a nível neurológico são feitos. É então que mais um peso me sai de cima, ao que tudo indicava a Hailey não tinha ficado com qualquer sequela neurológica.

No fim de tudo terminar, olho-a com preocupação, estava visivelmente exausta, fazia uma força extrema para prestar atenção em tudo o que lhe era dito. Exclamo a minha preocupação em voz alta, e é quando me é garantido pelo Doutor Marcel que era perfeitamente normal e que ela se manteria assim talvez por uns dias. Bem como os sintomas secundários do traumatismo prevaleceriam durante algum tempo.

Não posso deixar de ficar ansioso quando toda a equipa médica abandona o quarto. Olho-a com todo o amor que tinha dentro de mim.

— “Jay…” – Sussurra o quanto a voz lhe permite. Tinha os olhos em lágrimas e eu podia ver uma grande mistura de sentimentos a passar por eles.

— “Shii…” – Digo baixo enquanto lhe faço uma pequena festa na bochecha. Ela fecha os olhos a apreciar o gesto. – “Não fales.” – Sorrio. – “Descansa, não vou sair daqui. E quando acordares já estarás no outro quarto.” – Sustenta-mos o olhar tempo suficiente para a corrente eléctrica que nos atravessa se tornar quase insuportável, mas num bom sentido claro. – “Estou tão feliz por teres acordado.” – A nossa emoção era quase palpável. Aperta a minha mão com ainda mais força, pois ainda não a tinha largado. Consigo ver nos olhos que me pede silenciosamente para não a deixar sozinha. – “Nunca.” – Respondo – “Eu vou onde tu fores lembraste?” – E é com um sorriso nos lábios e uma lágrima perdida pela cara que se deixa levar pelo sono.