Olho para o relógio novamente. Já tinha perdido a conta das vezes que tinha feito aquele movimento na última hora. Ou melhor, desde que tinha chegado.

Com um suspiro olho para o monitor do meu computador. Tento concentrar-me na informação do email que tinha acabado de receber. Coço a cabeça e deixo escapar mais um suspiro. Tinha consciência dos olhos postos em mim por parte de toda a Inteligência, tentavam ser discretos, mas eu percebia esse gesto a cada minuto. Mais uma vez baixo o olhar para o monitor, e pela quinta vez consecutiva leio o primeiro parágrafo. Quando chego ao ponto final noto que, novamente não tinha retido qualquer informação. Encosto-me para trás na cadeira e passo as mãos pelos olhos e cara. Olho em frente e fixo o olhar na cadeira dela. Fecho os olhos. Por instantes vejo-a ali, com o seu cabelo louro a cair pelos ombros e o seu característico sorriso com covinhas. Aquele sorriso que lhe chega aos olhos e os fazia ficarem estreitos e mais brilhantes que o normal. O sorriso que ela me dava a mim. O meu sorriso. Passo novamente as mãos pela cara e abro os olhos, percorro a sala e vejo a Kim a olhar para mim.

— “Kim, vou reencaminhar um email para ti, confirmas as informações com o que já temos por favor?” – Peço enquanto ela ainda me olha.

— “Claro Jay, eu faço isso.” – Agradeço apenas com um aceno de cabeça.

Assim que o faço levanto-me e sigo para a sala de repouso. Agarro numa caneca e verto um pouco de café. Pergunto-me mais uma vez o que estava a fazer ali. Não me conseguia concentrar e duvidava que fosse útil em alguma coisa naquela unidade. Agradecia tudo o que eles estavam a fazer, mas não me sentia apto para estar ali. Não naquele momento, não quando a minha parceira, melhor amiga e mulher da minha vida estava numa cama de hospital.

Suspiro ao pensar na noite anterior. Basicamente fui expulso do hospital pelo meu irmão. A Hailey não podia ter visitas, ninguém podia estar no quarto com ela, e eu, era desnecessário ali, simplesmente a olhar por um vidro no hospital. Saí, relutante, mas saí. Mas fiz o Will prometer que qualquer alteração no estado dela eu seria informado.

— “Terra chama Jay!” – Sou retirado dos meus pensamentos pela voz da Vanessa. – “Estás bem?” – Nada digo. Limito-me a responder da forma mais simples possível. Com um acenar afirmativo. – “Sabes que se quiseres falar estou aqui…” – Deixa escapar com um pequeno sorriso.

— “Obrigado por ontem.” – Agradeço, sabendo que ela saberia o que estava a falar.

— “Não agradeças, sabes que podes fazê-lo quantas vezes precisares.” – Oferece. – “A Hailey quereria que eu fizesse isto, e não vejo mal.”

— “Sim.” – Concluo. – “Foi bom… Ajudou.”

— “Agora… Não estás a conseguir trabalhar não é?” – Era mais do que óbvio, eu sabia. E mais uma vez apenas acenei com a cabeça.

— “Como consegues?” – Precisava de saber, como é que todos eles conseguiam estar a cumprir as suas funções.

— “Não sei.” – Encolhe os ombros. – “Apenas penso que ela irá ficar bem, tento abstrair-me e focar-me no trabalho.” - Parecia fácil a forma como ela falava, mas eu simplesmente não conseguia.

O resto da manhã passou exactamente da mesma forma. Fui obrigado a almoçar a sandes que o Adam me comprou, apenas pelo prazer de todos deixarem de me chatear a cabeça. Arrastei-me pelo escritório toda a tarde. O telemóvel sempre comigo. Já tinham passado as 24h estipuladas pelos médicos, e eu só queria saber o estado em que ela se encontrava. Por sorte, o facto de não termos nenhum caso importante fez com que saísse mais cedo.

Não pensei duas vezes e segui directo para o hospital. Agradeci as minhas habilidades como polícia para entrar e seguir até aos cuidados intensivos sem ser visto.

— “Não me ligaste!” – Constatei. O Will estava precisamente onde eu precisava dele. Parado em frente ao vidro do quarto da Hailey.

— “Gostava de ter ligado…” – Olha-me nos olhos. – “Mas não tenho nada para te dizer.” – Suspira. – “Não há qualquer actualização no quadro clínico dela mano.”

Passaram-se minutos. Os dois lado a lado. Braços cruzados, e a olhar pelo vidro. Eu, com uma vontade enorme de entrar naquele quarto e fazer aquilo tudo desaparecer. Mas no fundo, apenas a tentar assimilar o que tinha acabado de ouvir.

— “O quanto é que isso é mau?” – Tento por fim esclarecer.

— “Não é bom nem mau Jay.” – Suspira. – “Está na mesma.” – Olha para mim. – “Vamos aguardar por amanhã e esperar que a medicação finalmente faça efeito.” – Era aquela a minha dica, dali já não tiraria mais nada.

Deixo-me ficar colado naquele vidro o máximo de tempo que me é permitido. Começo a contar sempre que o peito dela sobe. Aquele movimento hipnotizava-me, mas ao mesmo tempo deixava-me uma sensação de conforto. Ela estava viva e a lutar.

Quando sou convidado a abandonar a minha “vigília” reparo que há muito que passa da hora do jantar.

Não quero voltar para casa. Limito-me a dar voltas de carro por Chicago. Tomo uma cerveja no Mollys, e tento abstrair-me de tudo enquanto converso com os poucos bombeiros do quartel 51 ali presentes.

No final, acabo novamente parado no mesmo sítio da noite anterior. Fico sentado no carro por dez minutos a contemplar a rua. Ela tinha dito que não se importava que eu ali voltasse, e naquele momento era o único sítio que me levaria conforto à alma. Bato duas vezes na porta e sou recebido pelo seu característico sorriso, do outro lado a Vanessa Rojas dá-me espaço para entrar.

— “Obrigado por isto.” – Agradeço já sentado no sofá, enquanto a vejo vir da cozinha com duas cervejas na mão. Em resposta recebo uma piscadela.

Era ali que tinha passado a noite anterior. No meio ao desespero de não saber o que fazer, e ao medo de ir para casa pensar loucuras. Não falámos muito, mas a simples companhia daquela mulher tinha feito muito por mim. No fim da noite fez-me uma pergunta inesperada. Se eu queria ficar no quarto da Hailey. Primeiramente fiquei chocado. Não me lembrava de alguma vez ter entrado no quarto dela. Olhei para a Vanessa sem saber o que responder. É claro que queria. Tudo o que mais queria era poder ter um pouco dela comigo naquele momento, não apenas lembranças ou saber que estava numa cama de hospital. Ficava agradecido que a minha colega de equipa apenas me deixasse ficar no sofá, como muitas outras vezes a Hailey permitiu. Após alguma insistência, cedi. Segui-a em silêncio pelas escadas que nos levariam ao piso superior.

— “A porta é esta.” – Apontou. – “Se precisares de alguma coisa o meu quarto é ali, fica à vontade.” – Aponta a porta mais à frente no corredor. Coloca a mão no meu ombro e oferece-me um ligeiro sorriso. – “Boa noite Jay.”

Inspiro profundamente antes de abrir a porta do quarto da mulher da minha vida. Percorre-me um pouco de medo. E se aquilo só fosse piorar a forma como estava a lidar com a situação? Dou um passo em frente e entro no quarto escuro. Ao ligar a luz paro um pouco por estar a entrar no Mundo dela, na sua maior intimidade. Olho em volta, tinha bom gosto a minha pequena, o quarto tão bem decorado, como toda a casa. Fecho a porta atrás de mim. Quando finalmente respiro sou assoberbado pelo cheiro mais inspirador de todos. O cheiro dela. O mais intenso e poderoso aroma da minha vida. Queria sentir aquele cheiro o resto da minha vida. Encosto-me à porta por alguns segundos, enquanto assimilo que tudo naquele quarto respira Hailey.

— “Oh Hailey…” – Sussurro para mim.

Sigo em direcção à cama quando vejo que num canto estava uma camisa. Uma das muitas camisas dela. Curiosamente a minha preferida, verde-escuro e preto. A camisa de quando eu lhe disse que lhe ficava bem, ela respondeu: combina com os teus olhos. Naquele momento, só me apeteceu beijá-la. Mas julgo ter-lhe dito na conversa de olhares que se seguiu àquele momento.

Ainda com a camisa na mão olho em volta. Para cada canto daquele quarto. Fico curioso com um pequeno detalhe que me chama a atenção. Aproximo-me do móvel comprido de gavetas e agarro na única moldura presente naquele quarto. Arregalo os olhos tal é a surpresa do que vejo. Uma fotografia de nós os dois. Minha e da Hailey. Sentia como se tivesse acabado de ganhar o dia com aquela visão. Lembrava-me bem daquele momento, só não sabia que fazia parte daquele ambiente e muito menos que estava registado em fotografia. Nós os dois a olhar-mos um para o outro, a cabeça da Hailey quase pousada no meu ombro, enquanto sorriamos amorosamente um para o outro. Tirada no Mollys pela Vanessa. Tinha apreciado tanto aquele momento, e afinal estava eternizado. Sentia-me de coração cheio e a palpitar desenfreadamente por aquela fotografia estar ali. A única.

Quando termino de analisar tudo ao mais ínfimo pormenor deixo-me cair na cama. Novamente uma avalanche daquele aroma penetrante invade-me as narinas. Ali fico quieto, apenas deitado em cima da cama feita, vestido, barriga para cima a olhar para o tecto. Aos poucos sinto o corpo a relaxar e embalado por aquele momento e por aquele perfume deixo-me levar. Em tão pouco tempo tinha ficado viciado, queria mais daquilo. E era onde tinha passado a noite pela segunda vez.

Era o segundo dia de trabalho, em que tinha que fazer uma força tremenda para me concentrar em algo e dar alguma rentabilidade à equipa. Continuava a ter toda a atenção por parte dos meus colegas. Sentia-me ainda mais nervoso de cada vez que algum deles olhava para mim. Desta vez o almoço foi garantido por parte da Vanessa. Era a mais nova da equipa, mas era quem estava a cuidar de mim. E eu sabia porquê, não era apenas por fazermos parte da mesma unidade.

Por outro lado estava profundamente agradecido por tudo o que estavam a fazer por mim, era uma situação nova, e ainda não sabia como lidar com ela.

É a meio da tarde que recebo o telefonema que me faz suspirar de alívio pela primeira vez. Quando ouço do outro lado da linha a voz do meu irmão temo o que possa dizer. Mas, mais rápido do que eu previa, deu a notícia que tanto esperávamos. Finalmente o inchaço do cérebro tinha começado a ceder à medicação. Ainda a mantinham em coma induzido e nos cuidados intensivos, mas, a primeira resposta positiva tinha chegado.

Não cabia em mim de felicidade quando saí da sala de repouso para dar a notícia a toda a equipa. Comemoramos a valer e não consegui evitar refugiar-me na casa de banho e deixar as lágrimas escaparem mais uma vez. Era aquilo, ela estava a voltar para mim.

Naquela tarde, após sair do distrito, voltei para o hospital. Continuava a não poder passar aquele vidro para o outro lado. Mas naquele momento não me importava nem um bocado com isso. Limitava-me a olhar para ela e a sentir a esperança bem alta a gravitar naquele quarto. Mais uma vez, apenas quando fui convidado a sair é que a deixei para trás, com uma promessa silenciosa de que no dia seguinte lá estaria novamente. E por último naquele dia, liguei para a Vanessa a perguntar se podia levar uma piza para ela me fazer companhia ao jantar.

No dia seguinte, ainda mal tinha pisado no distrito, já tinha o Sargento Voight a chamar-me da porta do seu escritório. Toda a equipa me olhou em sobressalto, mas eu, não fazia a mínima ideia do que seria.

Para minha grande surpresa seguiu-se uma longa conversa sobre como eu me sentia, e como estava a lidar com a actual situação. Não menti, fui sincero, afinal, assim que a Hailey acordasse pretendia que fosse público para nós e para os outros o que sentíamos um pelo outro. Não pude evitar uma pequena risada quando o Voight comentou que apenas eu e ela é que não sabíamos que gostávamos um do outro, toda a equipa já tinha apostado quando finalmente nos entregaríamos ao amor. Mas, a minha maior surpresa veio quando aquele homem me informou que eu estaria dispensado por tempo indeterminado quando a Hailey acordasse. Ela precisaria de alguém que tomasse conta dela e lhe desse muito amor, e eu era a pessoa ideal para isso. Não disse que não, agradeci, e muito.

Naquela tarde, mais um telefonema, mais um peso tirado de cima. A medicação continuava a fazer o seu trabalho. O inchaço continuava a regredir. Estávamos num bom caminho.

Mesmo assim não faltei na minha habitual ida ao hospital. Desta vez, grande parte da minha visita foi acompanhada pelo meu irmão. Os dois, a conversar, junto àquele vidro que me separava daquela grande mulher, guerreira e lutadora.

Não pude evitar chegar ao distrito com outro ânimo no dia seguinte. Fui recebido por um longo abraço por parte da Vanessa, ela já tinha percebido que o meu estado de espírito naquele dia era diferente. Para ajudar a passar o dia, recebemos um caso. Drogas. Muita pesquisa. E eu agradecia por finalmente ter recuperado parte da minha concentração.

Já estávamos a meio da tarde, tinha acabado de ir buscar café, quando o meu telemóvel começa a tocar.

— “É do hospital.” – Digo em voz alta. Toda a equipa para o que está a fazer e dirige as atenções para mim. Até o Voight sai do escritório. – “Jay Halstead.” – Atendo.

— “Mano.” – Mais uma vez era o meu irmão quem me ligava, e eu agradecia por isso. – “Tenho grandes novidades.” – Reparo na grande mudança na sua voz. Estava definitivamente empolgado.

— “Fala Will.” – Peço impaciente.

— “O inchaço voltou a diminuir.” – Pausa. – “Vamos reduzir a sedação para que ela possa acordar." - Se ele disse mais alguma coisa, não ouvi.

Olho para toda a equipa, todos sem excepção me olham com apreensão no olhar, sorrio, um sorriso de orelha a orelha, e desta vez não tenho vergonha que eles vejam as lágrimas que se formam nos meus olhos.

— “Vão acordar a Hailey.” – Conto. E os sorrisos que recebo em troca são esmagadores.