Os novos herois do Olimpo

Até o dia em que todos nós seremos um.


Jade correu para a janela e acompanhou com os olhos aflitos o seu amado mergulhando em direção ao céu. Ela viu, impotente, o melhor amigo seu amado lançar-se atrás dele numa velocidade que ela não julgou ser possível, mesmo para as asas de Eric. E com pesar ela viu o velocista diminuir de velocidade até ser quase incapaz de planar. Era a marca de Oliver. Ele tinha aumentado a gravidade progressivamente sobre o amigo. Não queria ser seguido.

Não longe dali, no que sobrou do chalé de Dionísio, Lucas e João Eugênio estavam juntos, apreciando a companhia um do outro. Estavam deitados juntos num monte de travesseiros. Dois copos americanos com vinho tinto pela metade e as velas aromáticas enchiam a sala com uma atmosfera aconchegante. Mas quando Lucas ouviu a explosão na sede do Santuário, soube que tinha algo errado. Ele largou dos braços do filho de Dionísio e correu para o rombo na parede que lhe servia de janela. Quando ele viu Eric voando atrás de Oliver, soube que tinha de partir.

– Eu preciso ir. – disse ele sorrindo – Meus amigos precisam de mim.

– Eu entendo – disse João disfarçando a frustração e ter de deixar o filho de Deméter partir – Salvar o mundo e coisas assim.

Lucas agarrou a camisa de João e saltou pelo rombo na parede do terceiro andar, sendo aparado pela sua onda de grama. “Eu vou voltar”, ele prometeu silenciosamente para si mesmo enquanto vestia a camisa. As ondas grama faziam com que ele ganhasse distância rapidamente.

– Maldito seja! – gritou Jade, num misto de raiva, frustração e preocupação. Foi quando ela sentiu algo vibrando no seu bolso. Era o Frank. – Mas o que? Como isso veio parar aqui?

Na tela piscava um ícone de uma gravação de vídeo. Ela pressionou o ícone e a face de Oliver apareceu na tela cheia. A gravação tinha sido feita momentos antes. Ao fundo dava para ouvir os colegas discutindo quase naquele momento.

– Jade, peço seu perdão porque minhas últimas palavras ao vivo para você foram mentirosas. Essa discussão aqui não vai levar a nada. Meu pai deve ser detido – demorou-se o menino engolindo um seco – ele deve ser detido, não importa o preço. Não fique com raiva de mim. Eu estou exercitando o meu direito de ser egoísta e proteger àqueles que amo. Eu amo você. – O menino olhou para cima e viu as nuvens começarem a se dobrar – É... está na hora. Por favor, cuide de Eric. Ele é o meu melhor amigo. Não deve se sentir culpado por não conseguir me deter.

O foco da câmera mudou e tortamente começou a mostrar o teto. Ao fundo Jade ouviu-se gritar: “Oliver... Ollie... não faça nada idiota!”. A gravação se encerrava ali.

A mão amiga de Nathalia pousou em seu braço e ela a aceitou. Pouco depois Eric voltara de seu voo de resgate mal sucedido.

– Eu não consegui alcançá-lo – desculpou-se o menino recolhendo suas asas assim que entrou pela janela que Oliver tinha arrebentado. Eric estava arrasado, como se tivesse acabado de voltar do funeral do amigo.

– Não é sua culpa Eric – apressou-se Isabel, confortando o garoto. – Oliver fez a sua escolha. Vamos torcer para que tenha sido a escolha certa.

– “Cinco são eles: um traidor, um marcado para morrer, um que vai se sacrificar e dois fadados à maldição de Afrodite. A marca brilhante em suas peles marcará os escolhidos, mas não salvará suas almas”. – terminou de recitar Dezan, sentando-se pesadamente na sua cadeira e servindo-se de uma latinha de coca cola zero – parece que a profecia acertou em alguma coisa finalmente. Já sabemos ao menos quem é que vai se sacrificar...

Jade tentou mover-se na direção do menino, mas o braço de Nathalia foi mais rápido, jogando-a sobre uma poltrona. Antes que ela pudesse se levantar, Nathalia já estava em cima de Dezan, imobilizando-o no chão, sua adaga de bronze celestial firmemente pressionada sobre a garganta do jovem.

– Estou cansada do seu jeitinho dissimulado! – Desabafou ela. – Estou cansada disso desde que éramos pequenos. É do meu amigo que estamos falando. Eu não vou deixar que você, ou qualquer um aqui – disse ela passando os olhos pela sala como um aviso silencioso e mortal – fazer gracinhas ou ser irônico sobre ele. Fui bem clara?

– Saia de cima de mim... eu sou o líder do... – a voz de Dezan morreu quando a adaga foi pressionada com um pouco mais de força e ele sentiu sua pele rompendo ao toque afiado da lâmina. Finalmente resignou-se – Você foi bem clara. Desculpe-me.

– Jure pelo rio Estige. – sentenciou Nathalia.

– Eu juro. Eu juro pelo rio Estige que não faltarei mais ao respeito com seu amigo. – Disse Dezan, sentido quase que imediatamente o peso de Nathalia sair de cima dele. O rapaz passou a mão pelo pescoço sentindo a dimensão do corte. Não mais do que um arranhão. Mas ele sabia que a vida dele tinha corrido risco como nunca antes.

– E o que vamos fazer agora? – Perguntou Eric.

– Vamos fazer uma evacuação de emergência. – sentenciou novamente Nathalia. – Amanda, reúna todos os filhos de Hefesto que conseguir e mande que construam alguma coisa para nos tirar daqui. Algo razoavelmente veloz, que possa andar em terreno acidentado e que seja resistente o bastante para suportar um ataque. Karina, junte todos os nossos irmãos que estão em condição de combater. Vamos servir de escudo para esses veículos.

Amanda e Karina se olharam e saíram imediatamente da sala. Dezan, que voltara a tomar o refrigerante apenas olhou de lado, sem protestar. Ele sabia que tinha perdido. Nathalia era a heroína que tinha vindo salvar o Santuário, montada numa moto lobo das caçadoras de Artêmis. Seria tolice por parte dele tentar reivindicar um cargo que não lhe pertencia mais. Depois de mais um gole de coca sentiu as costas afrouxarem, como se um peso gigantesco tivesse saído de seus ombros. Ele se levantou e foi até Nathalia. Tirou do bolso um colar de couro, com um emblema em ouro, onde lia-se a imagem de duas lanças cruzadas ladeadas por dois ramos de oliveiras. Sem muita cerimônia ele colocou o colar sobre as mãos de Nathalia.

– Eu abdico agora o meu cargo como líder do Santuário do Vale do Amanhecer e da tropa dos lanceiros em favor de Nathalia Lopes, ex-chefe do chalé de Ares. Agora, se me dão licença, eu tenho uma mala para arrumar.

Dezan saiu da sala, despindo peças de armadura enquanto andava. Ele cruzou com Lucas enquanto saia, deixando o filho de Deméter com uma expressão de “o que diabos está acontecendo aqui”?

– Lucas, o seu timing não poderia ser mais perfeito – disse Nathalia colocando o colar no pescoço e colocando sobre a mesa um mapa atualizado e tamanho grande do santuário. – Vem aqui e me mostra o melhor caminho para a vila das ninfas e como elas podem nos ajudar a evacuar este lugar.

Jade sentou-se pesadamente no telhado da sede. Ela não desgrudava os olhos da pedra, milhares de metros acima, flutuando sinistramente. Ela não tinha interesse em planos de evacuação. Ela não ia a lugar nenhum sem antes saber o que foi que houve com Oliver. Pouco depois de estar lá, curtindo toda sorte de sensações ruins que apenas a ansiedade pode dar ela sentiu a sombra de Isabel e Eric.

– Posso sentar aqui? – perguntou o menino.

– É um país livre. Sente onde quiser – respondeu secamente Jade.

– Não precisa agir feito uma “bitch”. Estamos todos preocupados com Oliver. Não é exclusividade sua. – disse Isabel sentando-se do seu lado esquerdo e segurando sua mão com firmeza e doçura.

– Cocê disse “bitch”? – divertiu-se Eric. – onde foi que aprendeu a usar isso?

– Qual é o problema? Disse alguma coisa errada?

– Não, não disse. Você está certa. É um pouco estranho ver você falando assim, mas você está certa. Eu só estou preocupada. Desculpe, Eric.

– Sem problemas. Mano Oliver sempre se mete em confusões. Você já sabe, né? Ele puxou briga com Zeus bem aqui. Depois arrumou briga com as caçadoras de Artêmis e depois disso ainda se meteu em confusões com Apolo em pessoa. O cara tem o dom de se meter em brigas para defender quem ele ama. Mas eu tenho fé que a sorte dele, que a estrela dele, é mais forte.

Olharam para cima em silêncio. Uma explosão varreu o topo da rocha flutuante, alertado a todos lá em baixo. Uma pequena chuva de objetos flamejantes e detritos começaram a cair do céu. Uma chuva de estrelas cadentes. Eric olhou com atenção e depois puxou um binóculo de seus bolsos. Ele olhou pela peça e depois a entregou a Jade.

– Falou no mal, prepare o pau! – disse Eric sacando suas asas e se preparando para decolar. Jade mal teve tempo de olhar quando Eric decolou em direção aos céus. Oliver tinha sido colhido pela explosão e caia como uma linda estrela cadente, em direção ao chão, cerca de três mil metros abaixo.

Eric mergulhou pra cima, exigindo o máximo de suas asas e seus poderes. Ele dançava no ar, desviando dos destroços que caiam tentando alcançar o colega que caía vertiginosamente. Eric conseguiu alcança-lo, afastando-se da zona de queda dos destroços.

– É mano, parece que o meu emprego de salvar a sua pele continua de pé... – disse Eric, esperando alguma resposta do amigo, que não veio. Preocupado ele checou o pulso de Oliver. Parecia normal e o menino respirava sozinho. Mas não respondia a nenhum estímulo. Sem demora Eric pousou. Rapidamente explicou a situação para Isabel e Jade.

– Como assim ele está em coma? – perguntou Jade incrédula, dando palmadas na mão do namorado, na esperança que ele acordasse.

– É o que parece. Pode ser que ele esteja só desmaiado. – tentou consolar Isabel.

– Acho que a saúde de Oliver vai ter de esperar. Seja lá o que ele fez lá em cima aquela pedra gigante está começando a cair. – comentou Lucas que tinha subido no telhado para ver o que estava acontecendo.

– Eric pode nos levar pra longe? Isabel? – perguntou Jade.

– Ainda estou muito fraca... – respondeu Isabel num farrapo de voz. – e mesmo que estivesse em plenas condições são quase cinquenta campistas. Não poderia fazer isso nem que minha vida dependesse disso.

– E mesmo que eu conseguisse levar todos nunca sairia do raio da explosão a tempo. – disse Eric, imaginando como poderia levar cinquenta pessoas voando por aí.

– Se Oliver estivesse acordado eu tenho certeza que ele daria um jeito dessa pedra gigante não cair. Se tivéssemos filhos de Astréia como temos filhos de Hermes aposto que teríamos poder o bastante para segurar aquele meteoro – pensou em voz alta Lucas.

– Eu acho que tem um modo. Mas é arriscado – disse Isabel, nitidamente preocupada, como se sua ideia pudesse fazer mais mal do que bem. Mas o que poderia ser pior que um meteoro de setecentos metros de diâmetro caindo de três quilômetros de altura sobre suas cabeças? – Jade se você tivesse os poderes de Oliver, você conseguiria para o meteoro?

– Provavelmente não... – respondeu a semideusa duvidando de suas capacidades.

– Mas e se eu fundisse você e Oliver? – pergunto apreensiva Isabel.

– Como assim? – perguntou Lucas, atônito.

– No início dos tempos os homens eram seres completos, de duas cabeças, quatro pernas, quatro braços, o que permitia a eles um movimento circular muito rápido para se deslocarem. Porém, considerando-se seres tão bem desenvolvidos, os homens resolveram subir aos céus e lutar contra os deuses, destronando-os e ocupando seus lugares. Todavia, os deuses venceram a batalha e Zeus resolveu castigar os homens por sua rebeldia. Tomou na mão uma espada e cindiu todos os homens, dividindo-os ao meio. Zeus ainda pediu ao deus Apolo que cicatrizasse o ferimento (o umbigo) e virasse a face dos homens para o lado da fenda para que observassem o poder de Zeus. – A menina fez uma pausa longa, como se estivesse se esforçando para se lembrar corretamente da informação a seguir – Dessa forma, os homens caíram na terra novamente e, desesperados, cada um saiu à procura da sua outra metade, sem a qual não viveriam. Tendo assumido a forma que nós temos hoje, os homens procuram sua outra metade, pois a saudade nada mais é do que o sentimento de que algo nos falta, algo que era nosso antes. Por isso, os homens vivem em sociedade, pois desenvolvem o trabalho para buscar, nessa relação amorosa, manter a sua sobrevivência. Dessa forma, o ser que antes era completo homem-homem gerou o casal homossexual masculino; o ser mulher-mulher, o casal homossexual feminino. E o andrógino (parte homem, parte mulher) gerou o casal heterossexual. A minha magia poderia fundir a alma de vocês por tempo o bastante para que você unisse seus poderes aos de Oliver e destruíssem o meteoro. Mesmo que ele esteja desacordado você ainda teria todo o poder dos dois.

– Ora, o que está esperando? – perguntou Jade.

– Tem certeza disso? Você vai olhar fundo na alma de Oliver... desnudar todos os segredos mais íntimos dele. E ele vai fazer o mesmo com você. Ninguém teve esse tipo de intimidade na terra desde a criação do mundo.

– É isso ou morremos esmagados. – resignou-se Jade, pousando Oliver o mais confortável possível no chão.

Isabel começou o ritual. No fundo de sua alma Eric temeu pelo pior.

41 horas para a coroação de Apolo.