Os novos herois do Olimpo

Eu e você, você e eu


Não havia tempo a perder. Sem os poderes do pai de Oliver para mantê-lo no ar, o meteoro começava lentamente a perder altitude. Era uma questão de tempo até que os efeitos que o mantinham no céu cessassem com consequências catastróficas.

Jade deitou-se ao lado de Oliver conforme orientações de Isabel. Ela pediu que Jade segurasse na mão do menino. “Ela está tão fria”, pensou Jade. Ela tinha feito algumas bandagens no corte da lateral do corpo do menino enquanto Eric tratou de limpar e enfaixar o ferimento na perna.

Enquanto recitava os feitiços que deveriam unir as almas dos dois amigos, a mente de Isabel se enchia de dúvidas. Da última vez que os homens foram assim, completos, enfrentaram os deuses. Era muito poder para humanos. Que dizer para semideuses. Ainda havia mais um porém: se os dois não fossem almas gêmeas? Mesmo que o feitiço durasse apenas o tempo para que a ameaça do meteoro fosse dirimida, a fusão das almas poderia ser permanente, mesmo que a dos corpos não fosse. Como será que seria esse novo ser? “Olijade” ou “Jadollie”? Mas a urgência do tempo fez com que tais questionamentos morais fossem varridos de sua mente como juras de amor escritas na areia da praia quando lambidas pelas ondas do oceano.

– Agora feche os olhos e tente relaxar o máximo. Quanto menos você lutar contra o processo melhor. – disse Isabel com a segurança típica de quem sabe o que está fazendo. Quisera ela ter mesmo aquela certeza toda. Mas Jade parecia confiar nela. Os seus olhos fecharam com docilidade ela passou a respirar fundo, como se tentasse sincronizar a respiração fraca de Oliver.

De repente Jade acordou. Estava numa sala que lembrava o salão oval da casa branca. Não que ela já tivesse estado lá, mas lembrava-se do lugar que tinha vista num dos filmes do X-men. Mas havia algumas notáveis diferenças: a primeira delas é que não havia janelas, a luz parecia não vir de parte alguma, embora iluminasse em todas as direções em deixar sombras. Logo atrás dela ouviu a porta da sala abrir. Um androide parecido com aqueles animes que Oliver tanto gostava de assistir entrou na sala. Ele era esguio, alto, com muitos fios e partes móveis sem cobertura adequada. Se fosse um ser humano estaria nu, sem boa parte da pele do corpo e com os tendões dos músculos à mostra.

– Olá Senhorita! – disse o androide com uma voz estranhamente familiar – eu sou SDF1, ou como a senhora conhece a minha forma de hardware, “frank”.

– Frank? – exclamou Jade – Mas como? Quer dizer eu sei que você e Oliver são ligados de alguma forma, mas nunca pensei em você como um ser vivo.

– Ser vivo? Oh senhorita, deve haver algum engano. Eu não estou vivo. Sou apenas uma representação fractal de um conjunto avançado de protocolos de respostas automáticas de processamento de informações...

– Que tal simplificar? – pediu Jade, lembrando-se subitamente do motivo para estar ali – eu tenho pouco tempo e não quero ter de decifrar o que você fala.

– Perfeitamente. Eu sou a consciência do tablet-torradeira-telefone-celular do mestre Oliver. Tenho a capacidade de aprender e fui criado com peças extraídas diretamente dos restos do notebook de Dédalus.

– Ok... – disse Jade, embora não tivesse bem certeza se aquele monte de peças tinha simplificado ou não a sua vida. – Bom, er Frank, eu preciso assumir o controle do corpo de Oliver e aprender a usar os seus poderes. Tem um meteoro gigante prestes a cair em nossas cabeças. Cada segundo que conversamos aqui, menos tempo eu tenho para cumprir a minha missão.

– Oh não se preocupe com o tempo. Estamos na consciência de mestre Oliver. O tempo aqui, e do mundo físico passam de forma diferentes. Podemos passar horas conversando e não se passar nem mesmo um segundo lá fora. – tranquilizou o androide. – eu entendo que a senhorita está aqui por efeitos da magia dos deuses. Não haveria outra explicação. Vamos. Eu devo levá-la a conhecer alguns trechos da alma de mestre Oliver. Se quiser assumir o controle de seus poderes é melhor vir comigo.

Jade resignou-se. O androide abriu a porta e saiu numa amplo salão. Era tudo muito bonito e de bom gosto. Peças clássicas dividiam espaço com esculturas ultramodernas e rompantes de tecnologia que se integravam perfeitamente ao ambiente, como o fonógrafo ligado ao aparelho de som mp3, ou o antigo lustre (que faria inveja aos usados no Titanic) coberto com lâmpadas LED.

Assim que Jade pôs os pés na sala sentiu uma forte tontura. O androide não a aparou. Ela sentiu o desconforto da tontura aumentar e em seguida sentiu ânsia de vômito. “Será que dá para vomitar dentro da mente de alguém?” pensou ela enquanto sentava-se no chão e esperava a onda de desconforto passar. Ela não soube dizer quanto tempo ficou assim, mas tinha certeza de que não tinha vomitado nada. Quando a tonteira passou ela abriu os olhos e não acreditou no que viu.

Havia mostradores digitais no seu campo de visão. Dezenas deles. Ela focou os olhos sobre a mão esquerda e instantaneamente a sua impressão digital foi escaneada. Num canto do olho a sua foto surgiu, seguida por interminável texto de informações. Estava tudo lá: desde quantas vezes tinha ido ao dentista, do endereço da mãe, nome dos amigos conhecidos... tudo. A menina cerrou o solhos e balançou a cabeça tentando superar os mostradores digitais, mas não conseguiu. Havia setas e análises por todos os lados.

– O que você fez comigo, droga! – berrou Jade.

– Nada. É assim que mestre Oliver vê o mundo. – disse calmamente o androide.

– Achei que Astréia fosse deusa das estrelas e não da tecnologia. – rebateu a menina tentando se acostumar aos mostradores dando novas informações o tempo todo.

– Ela É a deusa das estrelas. Mas é assim que os humanos vêem as estrelas hoje em dia. Depois de tantas missões ao espaço não era de se esperar que a “a lua de são Jorge” ainda fosse lar de um dragão. – explicou Frank. – Mas você vai se acostumar, tenho certeza.

Os dois continuaram pelo salão até chegar a duas portas juntas. O androide as abriu com uma graça que Jade desconhecia. Era um corredor largo e curto. Paredes de azul profundo e teto de branco marfinizado ajudavam a compor uma atmosfera calma e sossegada. No final dele outra porta dupla.

– Abra-a, por favor. – solicitou Frank.

Jade não pensou muito antes de abrir. As portas abriam para uma sala larga, como se fosse uma espécie de galeria de arte. Havia quadros, fotografias e pinturas por todos os lados. Mas no centro do aposento, sob o perene destaque de holofotes jaziam algumas estátuas de mármore. De pronto ela reconheceu Eric, com pose de sabichão.

– O que é este lugar? – inquiriu Jade.

– Esta é a galeria dos queridos. Tudo o que mestre Oliver ama está representado aqui. Seus poucos amigos e seus únicos amores.

– “Amores”? – perguntou Jade num tom irritado na voz.

– Sim... a senhora Astréia – disse o androide mostrando uma linda estatueta da senhora das estrelas. Deveria ter cinquenta centímetros de altura e parecia ser de platina pura, com detalhes em ouro. Astréia parecia estar caminhando de forma leve e solta. Era linda. – e a senhorita Jade. – a estatueta de Jade estava em ¾ do tamanho natural e era toda feita de ouro. Era linda e perfeita. Impossível não se apaixonar por ela. Jade demorou-se um pouco olhando a peça. Ela era tão linda e perfeita. Quando se virou deu de cara com Frank, olhando para ela de forma inquisitiva.

– Acho que já podemos seguir viagem – disse o androide.

Seguiram mais um pouco até um elevador futurista. De novo o androide sugeriu que Jade abrisse as portas e apertasse os botões. Mas dessa vez a filha de Balder questionou.

– É a segunda vez que você me pede isso. Tem alguma coisa errada?

– De certa forma sim – começou o androide – eu não poderia estar aqui. É um dos lugares mais secretos da alma do mestre... Apenas a senhorita pode interagir com as coisas aqui. Se eu tocar em algo aqui eu posso ser destruído... Para além de qualquer reparo.

– Oh – chocou-se Jade – e por que você ainda está aqui, me acompanhando?

– Mestre Oliver precisa... – disse ele simplesmente – ele precisa de você para salvar o santuário e para salvar aquilo que ele mais ama. Uma coisa idiota como o meu bem estar não pode se sobrepor a segurança dele.

A porta do elevador se abriu e eles estavam diante de uma sala ultra-futurista, escura. Ao pisar na sala Jade sentiu uma terrível pressão em seu corpo. A gravidade estava aumentando. A sala se iluminou em vermelho. Jade sentiu um frio na espinha quando o marcador de seu olho mostrou que estavam em 10G: dez vezes mais poderosa que a gravidade da terra. Mas o que mais lhe espantava é que pouco a pouco ela se acostumava com toda aquela energia circulando em sua volta. De repente o controle da gravidade tornou-se instintivo.

– Eu acho que estou pronta Frank – disse Jade passeando pela sala.

– Muito bem... como você pretende impedir que aquele meteoro caía?

– Bom, eu pensei em explodir aquela coisa, mas não acho que seja a coisa mais esperta a fazer. Teria muitos fragmentos do tamanho de casas caindo para todos os lados. Causaria ainda um bom estrago.

– É... Chances de sucesso em torno de um milhão, quatrocentos e quarenta e quatro mil, setecentos e dezenove para um. Outra opção? – perguntou Frank.

– Pensei em empurra-la de volta aos céus. Quem sabe mandar essa coisa para o espaço. – disse a menina pensativa.

– Computando... poder insuficiente. Mesmo com as energias combinadas suas com as do mestre, as chances de sucesso giram em torno de um bilhão, novecentos e trinta e quatro milhões, cento e onze mil, e vinte e dois para um. Outra opção? – perguntou Frank.

– Não sei. – disse Jade desolada. – As memórias de Oliver começavam a aparecer em sua cabeça. Quanta besteira pensava aquele menino!

De repente, na sua mente veio a lembrança de Astréia falando com Apolo, seu ex-pai. “Eu sou a forja ardente de milhões de sóis. Eu sou a escuridão perpétua dos buracos negros que não deixam escapar nem mesmo a luz. Eu sou a gravidade titânica que mantem o universo unido”. A frase martelou na sua cabeça e ela teve a idéia. De pronto contou a Frank, com uma recomendação especial: “never tell me the odds”.

Jade acordou. Estava em pé. Seu corpo estava fundido ao de Oliver. Ela olhou para cima e viu o meteoro caindo. Ela se abaixou e pegou o Frank.

– Estamos juntos nisso, monte de sucata – a sua voz soava como se ela e Oliver falassem ao mesmo tempo, embora a cabeça de Oliver ainda estivesse desacordada.

Ela colocou Frank no bolso de trás e começou a ver tudo como Oliver costumava a ver. Cheio de gráficos. Ela olhou para o meteoro enquanto seus sensores divinos o escaneavam. Por fim, um ponto brilhou em seu centro. No começo apenas um brilho que evoluiu para uma imagem holográfica de um sistema solar inteiro. Ela estendeu o braço esquerdo e apertou alguma coisa no ar. A armadura da espada veio a seu socorro, cobrindo seu corpo com placas diamantadas coloridas.

Jade flexionou os músculos da mão direita e um gigantesco arco tecnológico expandiu-se de sua palma. Deveria ter quase dois metros de altura. Então na sua mão direita a energia da espada foi se condensando. Ela ficou fina como uma flecha.

Jade flexionou a corda do arco e acomodou a flecha. Ela sentiu um frio na espinha. Era uma das poucas vezes que usava o arco desde que fora deserdada. Balder era um deus guerreiro e sua habilidade com a espada era lendária. Mas o arco, bem, não era sua especialidade, digamos assim. E ela só tinha uma chance.

Os mostradores de mira estavam centralizados e uma luz verde brilhava no canto do seu olho esquerdo. De repente ouviu a voz de frank em seu bolso: “You’re all clear, kid. Now let’s blow this thing and go home!”

Jade assentiu e disparou sua flecha. Ela voou certeira ao alvo até desaparecer num brilho fugaz no ponto onde os sensores de mira mostravam como alvo. Num segundo nada aconteceu. Mas então uma esfera negra, do tamanho de um fusca apareceu. A rocha gigante convulsionou em torno dela, sendo engolida parte a parte. Nada restava fora, nada escapava de sua força irresistível. Por fim a rocha foi engolida completamente. A esfera negra desvaneceu no ar sem deixar rastros.

– Um buraco negro! Ela invocou um maldito buraco negro! – Bárbara estava verdadeiramente assustada, sacudindo a réplica do R2D2 com força.

– E não é mesmo? - disse Astréia num tom jovial, mas incapaz de esconder sua satisfação. – Mas foi um bem pequenininho. – disse ela com um sorriso na boca.

– Ah para! Vamos renegociar esses honorários. Enfrentar Deuses, matar gigantes e caçar monstros é uma coisa, mas lidar com uma coisa que pode destruir o mundo assim do nada... Astréia... R2, volta aqui, diabos!