Os Secretários

Olhos de gato como chave


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Olho para sua mão levantada no meio da multidão.

– Era bom demais para ser verdade. – diz o parlamentar com a mão na testa. – Já sabe as regras, a primeira mão a se levantar é a escolhida. Eu sinto muito. Vamos. – ele faz sinal para mim.

Sou a nova secretária de Candice McCollins.

Atravesso a multidão até o placo tentando isolar todos os comentários.

Tento não ver as gêmeas para não me lembrar delas quando olhar nos olhos de Candice.

Continuo andando e olho para trás, encontro os olhos castanhos de Olly. Ele acena para mim.

Entramos no relógio por uma porta branca que eu nunca havia notado. Uma caixa de metal. Fico com dois parlamentares e uma duvida eterna. Olly foi totalmente hipócrita.

Todos estes anos reclamando o quanto são idiotas os secretários que se manifestam, era melhor para a dignidade que os parlamentares escolhessem os secretários, por uma lista ou algo assim. Ontem mesmo ele me chamou de louca e agora se manifestou.

Mesmo sabendo das regras, se manifestou. E por alguma coisa que eu provavelmente nunca saberei. Normalmente as manifestações aqui demoram horas e horas. Normalmente os parlamentares têm que escolher ou os pais são mandados até seus filhos para convencê-los.

Mesmo sabendo que livrei as pessoas de ficarem várias horas em pé no sol, saber que fui embora por motivo algum me deixa triste. Agora percebo que foi egoísmo meu. Mesmo metade do salário de secretária indo para minha casa toda semana, deixei meu pai, meu irmão e Olly porque uso cachecóis todos os dias para esconder minha cicatriz secreta, esconder que minha mãe morreu por minha culpa. Alias, provavelmente é a primeira coisa que irão remover de mim. E da perna também. Olly estava certo. Irei me transformar em uma pessoa que não sou.

Suspiro e tento me esquecer disso. Não há mais volta. E se eu voltar, Olly ficará no meu lugar e eu com a vergonha enorme de ter desistido.

Um barulho curto e estridente. A porta se abre. Uma mulher com roupas soltas mais parecidas com pijamas em tons de marrom, os cabelos curtos e vermelhos em tom cereja lisos quase colados á cabeça.

– Greeneland? – ela pergunta ao parlamentar alto ao meu lado. Ele concorda com a cabeça. – Ok, vocês podem ir agora. Ela está sobre minha responsabilidade. Andem. Tem que ir á outra cerimônia á quatrocentos quilômetros daqui. Vamos!

Os parlamentares olham para ela e voltam para o elevador.

As paredes em tom acinzentado. Alguns quadros em branco com molduras prata. Dois corredores que fazem a volta em uma coluna, descendo em espiral.

– Espera, Greeneland não é o lugar mais quente do planeta? – ela pergunta colocando a mão na cintura, mostrando uma tatuagem de um gato preto com os olhos amarelos no pulso. Concordo com a cabeça. Ela encara meu cachecol verde. – Então porque este cachecol?- fico em silêncio. - Vamos logo, eu tenho quatro horas para te transformar em uma secretária física. Ah. Meu nome é Adisson.

Ela começa a andar. Seus pés descalços fazem um barulho grudento no chão. Fico parada.

Ela percebe que não estou andando e bate palmas rápidas.

Vou atrás dela e descemos uma das rampas virando no corredor á direita.

Entramos em uma sala totalmente branca com uma cama e uma mesa cheia de instrumentos de cirurgia. Engulo em seco com um pouco de medo. Mesmo tendo o conhecimento que o procedimento será feito comigo inconsciente, ainda estou com medo. Não sei o que farão comigo.

– Tire o cachecol, os sapatos e deite-se. – diz ela colocando luvas brancas. – Qual o seu nome?

– Andy. – respondo com a voz um pouco fraca. Ela olha para mim e sorri.

– Ok, Andy. Eu vou anestesiar você e daqui algumas horas você acordará em um quarto cinza. Terá um botão azul, quando você terminar de se olhar no espelho, é só pressionar o botão. – olho estranhamente para ela. Ela olha para mim e revira os olhos. – Olha, eu trabalho aqui á vinte anos, sei que você está pensando que não ficará se olhando no espelho quando acordar. Mas você vai.

Tiro os tênis brancos e o cachecol.

Vou até a cama e me deito ainda insegura.

Ela segura uma seringa com um liquido transparente.

– Até depois Andy. – ela espeta meu braço no local de uma veia.

Minha visão começa a ficar embaçada e depois não escuto nem sinto mais nada.

Sinto frio. Minhas pernas não estão cobertas por nada. Meus braços estão gelados e meu pescoço dói. Me sento na cama ainda tonta. Uma sala totalmente branca como Adisson disse. Olho para minhas mãos. Minhas unhas pintadas de um azul escuro quase preto. Me levanto da cama procuro o tal botão azul. Passo por um espelho. Estou somente com uma roupa de baixo branca. Nada mais. Estou mais alta. Cinco centímetros.

Minha barriga antes com um pouco de gordura acumulada, agora definida. Meus cabelos loiros agora pretos e compridos até abaixo do sutiã branco. Olho para meu pulso. Um código de barras em preto tatuado.

Meus olhos estão em um tom azul claro. Meu rosto redondo se tornou um pouco mais fino. Olho para minha perna. A cicatriz. Ainda está aqui. Solto um grunhido de raiva. Passo a mão sobre meu pescoço e sinto o risco. Me sento na cama novamente quase chorando de raiva. Eu só queria meu livrar das cicatrizes e elas foram as únicas que ficaram.

Eu disse, Andy. – ouço a voz de Adisson vindo de algum lugar.

Vou até uma porta com uma maçaneta azul anil. Aperto o botão azul anil e giro a maçaneta. Ouço um barulho elétrico. Adisson abre a porta e olha para mim. Me encolho.

– Ah garota. Para com isso. Eu que fiz o trabalho. Mas tem roupas para onde vamos... – ela puxa meu pulso. – 0057.

– Hã? – pergunto. Minha voz está mais leve e bonita. Ela olha para mim satisfeita.

– Parece que funcionou a nova maquina. 0057. Seu nome por enquanto. Vamos logo. – olho para ela como se eu fosse passar pelos corredores assim. – Só tem nós duas neste andar. Ninguém entra aqui sem esta chave. – ela me mostra seu pulso com o gato dos olhos amarelos. – Achou que fosse só uma tatuagem? Eu admito que é bonita, mas antes eu nunca teria feito por conta própria. Eu preciso te ensinar tudo em quatro dias ok? Eu peço que me ajude. Vamos logo.

Ando com ela pelo corredor que começa a ficar menor e mais escuro.

Adisson continua andando como se nada acontecesse. O corredor volta ao normal e uma maçaneta reluzente de metal.

Ela bate palmas e luzas se acendem. A maçaneta tem dois furos com luzes vermelhas acesas. Adisson coloca os olhos do gato posicionados na maçaneta.

Um barulho elétrico e ela abre a porta.

Uma sala com as paredes brancas com pinturas de uma cerejeira por toda a sala. Um guarda-roupas branco com várias roupas de diferentes cores sendo penduradas por cabides transparentes. Uma mesa de madeira clara, um cesto de metal preto e duas cadeiras vermelhas no meio da sala.

Ela vai até o guarda-roupas e pega um vestido vermelho de mangas curtas e um pouco aberto nas costas. A saia tapa quase metade da minha cicatriz da perna.

– Adisson, - digo. – Minha cicatriz.

– Ah eu sei. – diz ela. – Eu não as tirei. Não que eu não consiga, é claro que eu consigo. Só achei que eram bonitas. Não parece que você é uma boneca que saiu de uma loja. Nós, funcionários, fazemos isso. Deixamos no máximo duas coisas da pessoa, como cicatrizes ou alguns sinais. Eu preferi as cicatrizes. As duas devem ter uma grande história não? A do pescoço tem a ver com os cachecóis?

Concordo com a cabeça.

– A da perna foi quando um prédio desabou e eu estava no telhado com um amigo meu. Olly. Você viu a cerimônia? – pergunto. Ela concorda com a cabeça e cruza os braços.

– Ah, o garoto que levantou a mão depois de você é o seu amigo?

– Sim. Ele também ficou com uma cicatriz, só que no braço. – mostro meu braço onde a cicatriz ficaria nele. – E a do pescoço foi por causa da minha mãe. Um acidente.

– Eu sinto muito. Mas se serve de consolo, quem tem uma cicatriz aqui, é interessante. É único. Ninguém tem cicatrizes assim. Não que signifiquem tanto. Então. Você vai precisar de um nome. Mas você tem quatro dias. Primeiro você precisa saber que não pode, de maneira alguma, em nenhuma circunstância, falar sobre Andy McBride. De jeito nenhum. Você será presa e condenada a pena de morte se descobrirem. Por isso a maioria dos secretários somem. Eles falam em algum momento para alguém. Normalmente, os grupos fazem alianças e trocas de dados. Não vou pedir nada, só pedem para que eu avise. Segundo, os outros funcionários da mesma área que eu, sempre fazem todos os garotos secretários mais bonitos, mas é proibido se apaixonar.

Começo a rir desesperadamente como nunca ri antes.

– Que espécie de regra é essa Adisson? – continuo rindo como uma louca.

Ela me olha com cara séria.

– Eu estou falando sério Andy. Eu não riria das regras.

– Desculpe. É que é muito engraçado alguém criar estas regras.

– Os secretários vieram para cá por pura e espontânea vontade. A vida é isolada aqui. Mas muitos não seguem as regras. Enfim, não arranjar brigas o que sempre acontece e principalmente por quebrar a regra dois. Há câmeras em todos os lugares aqui. Não se esqueça delas ok? Principalmente quando for quebrar uma das regras. Sabe que eu estou certa quanto á seus atos aqui. Já tenho um ponto pelo espelho. – ela pisca para mim. - Então, meu trabalho é treinar os secretários que mandam para mim. Você terá que aprender a andar com postura, como falar com Candice nas horas certas, como se comportar na frente dos outros secretários e é claro, o significado de cada movimento ou som do prédio ao lado. Ah. Cuidado com o que diz. Tudo que disser, se acumula em uma lista que a descreve. Você pode falar qualquer coisa sobre você, 0057. Por onde quer começar?

Fico com os olhos arregalados para ela. Não achei que fosse preciso tudo isso para se tornar um secretário, e tudo em quatro dias? Não será possível.

– Pelo nome? – pergunto sorrindo com medo.