III

Pluto estava aéreo, tentando processar toda a informação recebida. Permanecia absorto em pensamentos, tentando descobrir uma maneira de resgatar Frêny. A raiva inicial em saber toda a verdade sobre seu nascimento e sua mãe, havia passado e agora, uma vontade intensa em aprender sobre aquele fantástico mundo á que pertencia e que fora privado por anos, tomou conta de si.

Ao lembrar-se do que faria á seguir, o príncipe sentiu o nervosismo recair sobre si. Andava de um lado para o outro no quarto até a porta se abrir e uma saltitante Dasliel entrar e puxá-lo pela mão, guiando-o até a sala do trono. Durante o percurso, o homem começou a suar pelas mãos, o que fora notado pela ruiva, porém, antes que pronunciasse algo, o moreno se vê frente á uma gigantesca porta de madeira, com cenas entalhadas de guerreiros Vándur em batalhas.

-- Chegamos Mestre. O senhor é aguardado além dessa porta. – Diz a sorridente e entusiasmada jovem.

-- O que será que me espera?... – Indaga angustiado.

-- Vai dar tudo certo! Boa sorte Mestre.

Antes que Pluto encostasse os dedos na porta, a mesma se abre, revelando um extenso hall, repleto de pessoas, com um longo tapete azul separando-as em cada lado daquele espaço. Haviam flâmulas e dourados cavalos-marinhos estampados no azul, símbolo do império aquático. No fim do longo tapete estava Alaya de pé, cuja qual faz um movimento positivo com a cabeça para que o príncipe se aproximasse.

Á medida que caminha, o homem detém os olhares estarrecidos de homens, mulheres, crianças e até mesmo os guardas, todos enfileirados lado á lado. Chegando próximo á mãe, Pluto faz uma reverencia e vê a mesma estender a mão direita em sua direção, sob os olhares curiosos da multidão. O homem segura a mão da rainha e fica de pé ao seu lado, de frente para as pessoas.

-- Os convoquei aqui hoje para dar-lhes uma importante noticia. – Faz uma pausa. – Há trinta anos, como todos sabem, tive um filho. E hoje esse filho retorna á mim para ocupar o seu lugar de direito ao meu lado. Apresento-lhes Pluto Teslaiel Rioran. Legítimo herdeiro do trono de Vándur e Shariêh! – Revela a mulher, ouvindo os murmúrios da platéia em polvorosa.

-- Vossa majestade cometeu um crime! Não vamos permitir que um mestiço imundo nos governe! – Esbraveja um homem de meia idade, general dos exércitos Vándur.

Em meio á toda aquela tensão, tão veloz quanto uma tigresa, Dasliel atravessa a multidão nervosa e com um salto, faz um giro no ar, caindo de pé frente ao general, pressionando uma adaga em seu pescoço, arrancando um filete de sangue.

-- Tenha mais respeito pelo meu mestre ou arrancarei a sua cabeça! – Alerta desafiadoramente a ruiva.

-- Não Dasliel! Por favor, não o machuque. – Implora Pluto, tomando gentilmente a mão da guerreira, afastando-a do general.

-- Perdoe-me meu senhor, mas não posso permitir que sofra mais. – Fala a jovem, retornando á sua meiguice habitual.

-- Eu estou bem. Não se preocupe. – Após acalmar a moça, o príncipe sobe novamente os degraus que levam ao trono e posiciona-se novamente frente ao aglomerado. – Estou ciente das minhas condições, contudo, peço que me dêem uma chance de provar o meu valor e então vocês julgarão se sou digno de liderá-los. – Completa.

-- Sábias palavras filho. Estou orgulhosa de você. – Parabeniza a mulher, tocando delicadamente o ombro do homem. – Agradeço a presença de todos. No fim da terceira Lua, quando contarmos trinta dias, haverá um julgamento público e vocês terão o direito de votarem sobre a permanência ou execução de meu filho. Como rainha, peço sabedoria e como mãe, que o dêem uma chance. – Conclui, encerrando a cerimônia.

*

-- Nossa! Nunca estive tão tenso em minha vida. Acredite Lyre, por um instante pensei que Dasliel mataria aquele homem! – Exclama o mestiço, enquanto caminhava até a lateral do castelo, acompanhado pela jovem loira.

-- Ela só quis protegê-lo. Sentiu que corria perigo. Compreenda meu senhor, para não ser morto terá de matar. – Enfatiza.

-- Eu sei... Mas acho que deve haver outra maneira de...

Os dois são interrompidos por um empregado que traz uma mensagem de Alaya, solicitando a presença do filho nos estábulos. Pluto despede-se de Lyre e segue o rapaz. Lá chegando, surpreende-se com a visão de sua mãe á acariciar um cavalo de beleza e porte incomparáveis. Seus pêlos eram negros e extremamente brilhantes, a crina escorria-lhe por todo o dorso e os olhos azuis eram intensos e confrontantes.

-- Meu filho, este é Araken. Senhor de todos os cavalos. Ele tem sido meu amigo por muitas batalhas e agora o ajudará com as suas. – Pronunciou-se a satisfeita rainha.

-- É uma honra tê-lo ao meu lado Mestre. – Faz uma reverência e aproxima-se do animal. – Jamais vi tão bela criatura. – Acaricia-o maravilhado.

-- Agradeço o elogio. Para mim é uma honra conhecer o estimado filho de Alaya. – Cumprimenta Araken, divertindo-se com o semblante espantado do príncipe.

-- O ca-cavalo fa-falou?! – Indaga estarrecido.

-- Querido, o povo aquático possui o dom de comunicar-se com animais. Utilizamos a telepatia para isso. – Explica a mulher, gargalhando em seguida.

-- Então, porque em minhas caçadas nunca percebi tal dom? – Questiona confuso.

-- Devido ás barreiras que ergui em você. Desculpe por isso. – Responde a dama.

-- Não se preocupe. A senhora fez isso pra me proteger. – Fala gentilmente o homem.

-- Por esse motivo tenho algo á lhe dar. – Retira uma espada da cintura e entrega á Pluto. – Não a desembainhe antes de encontrar Meia-Noite e só use-a quando estiver em extremo perigo. – Completa.

-- Obrigado.

-- Agora vá. Dasliel o aguarda fora do castelo. Tenha cuidado e não se preocupe. Farei o impossível para resgatar a minha neta. Boa sorte filho. – Despede-se.

-- Até logo... Mãe.

Com a espada na cintura, o príncipe monta em Araken e vai ao encontro da guerreira, cuja esperava-o montada em uma bela égua branca. Com um arco e flechas em suas costas, a moça usava uma saia, espartilho e botas em couro marrom.

Ambos cavalgaram rápido pelas ruas de Vándur, até saírem em uma passagem úmida, de pedras escuras, por entre as águas. Por fim, chegaram á superfície, onde, com grande pesar nos olhos, Pluto observou as ruínas de sua antiga casa. Sem deter-se muito, partiram.

*

“Quão maravilhoso poderia ser o mundo e os seres que nele habitam?” Era a pergunta cuja qual martelava na mente do príncipe. Ao mesmo tempo em que se preocupava com o seu julgamento e o resgate de Frêny, o vento soprando gentilmente em seu rosto, o som das patas de Araken galopando e o sol alaranjado do entardecer o faziam sentir-se feliz e livre.

As primeiras estrelas surgiam no céu e percebendo isso, a sorridente Dasliel cessa a cavalgada, desce do cavalo e passa á caminhar, seguida por Pluto. Ambos deixam a estrada e entram em uma densa floresta, onde encontram uma clareira. O homem retira os objetos e a sela de Araken a fim de deixá-lo descansar.

-- Dasliel, descanse um pouco. Vou juntar lenha para uma fogueira. – Diz o moreno.

-- E eu irei buscar comida. – Diz o cavalo.

-- Mas Mestre, o senhor deve estar mais cansado que nós. – Argumenta Pluto.

-- Conheço bem estas terras e alguns de meus servos nos observam desde que chegamos aqui. Eles cuidarão disso. – Responde o animal, retirando-se em seguida.

O príncipe adentra na mata, ainda surpreso com o fato de poder comunicar-se com os animais. Rapidamente reuniu a madeira necessária e retornou ao ponto de partida, encontrando vários cavalos deitados ao redor de uma pequena fogueira, a qual aumentou quando fora acrescentada a lenha trazida por Pluto. Foram presenteados com frutas, alguns legumes e caças.

Após o jantar, todos os animais despediram-se, entrando na floresta. O moreno recostara-se em uma árvore para admirar a lua, no entanto é interrompido por Dasliel, cuja estava de pé á sua frente, encarando-o.

-- Mestre, permita-me treiná-lo. Amanhã entraremos em terras mercenárias, extremamente perigosas e quero que possa se defender. – Declara a mulher, com o semblante preocupado.

-- Ela tem razão Pluto. Eles são muito habilidosos. Todos nós corremos perigo. – Enfatiza Araken.

-- Está bem, contudo, terá de me emprestar uma de suas armas Dasliel. Não tenho permissão para usar a minha.

O homem levanta-se e ambos caminham até ficarem próximos á fogueira. O treinamento começa com o manuseio e postura correta da espada. Em seguida, alguns golpes são desferidos pela ruiva contra Pluto, que passa á bloqueá-los. Porém, estranhamente, o moreno começa á contra-atacar com grande destreza. Tamanha era a força e intensidade das investidas que o choque das armas faziam-nas faiscarem.

Um golpe violento arremessa a mulher para longe, fazendo seu corpo rolar no chão. Ao tentar levantar-se, Dasliel visualiza o príncipe de pé á sua frente, esboçando um leve sorriso e um olhar sádico, porém, o que mais a surpreendeu foram seus olhos brilharem como a mais pura prata.

Nesse instante, Pluto escuta uma voz sussurrar em sua cabeça: - Mate-a Pluto! Como se saísse de um transe, o moreno virava a cabeça para todas as direções, buscando freneticamente pelo dono da voz. Percebendo a inquietação do príncipe, a ruiva levanta-se, tomando a mão dele nas suas e atraindo a atenção do mesmo para si.

-- Não quero mais treinar. Desculpe. – Fala nervoso, retomando ás orbes amarelas habituais.

-- Não se preocupe Mestre. – Responde, ainda surpresa.