II

-- Nunca, em meus trezentos anos, vi nada igual! Está ficando difícil de suportar, minha senhora. – Surpreende-se a moça, sentindo a terra tremer sob seus pés em conseqüência da força repressora daquele gigantesco poder.

-- Acalme-se Lyre! Vamos usar força total agora. Não baixem a guarda! – Ordena a mulher.

A imponente figura feminina afasta-se alguns metros das demais e virando-se frente á aglomeração, com uma expressão desafiadora, desembainha sua espada, ergue-a frente à própria face e fecha os olhos.

-- Oh, maravilhoso artefato! Desperte para que lutemos juntos mais uma vez. – Invoca a grande dama.

De imediato, uma luz dourada passa á ser emitida pela espada e envolve todo o local. Aos poucos a massa de energia negro-rubra vai se dissipando, até restar apenas Pluto, caído inconsciente. As moças erguem-no do solo e o carregam até as margens do lago, cujo se divide ao meio, abrindo uma passagem.

*

Imagens distorcidas e flashies de momentos da sua vida, iam passando pela mente de Pluto. Acontecimentos felizes tornam-se uma obscura visão de sua filha e esposa mortas e mutiladas, fazendo-o despertar, suado e ofegante, tal qual emergindo de um pesadelo.

Nesse instante percebe estar em um lugar totalmente desconhecido e deslumbrante. Estava deitado em uma espaçosa cama, de um metal reluzente e estranho, com lençóis e almofadas de veludo vermelho-sangue. As paredes, piso, portas e janelas eram do mais branco mármore. Tapeçarias e cortinas dos mais finos e trabalhados tecidos. Os móveis e objetos eram compostos principalmente por metais preciosos.

De repente, a porta se abre e eis que surge uma jovem ruiva, de longos cabelos cacheados, possuidora de uma beleza estonteante, feições meigas e alegres, envolta num tecido esverdeado e transparente, evidenciando seu corpo nu, o que deixou o camponês constrangido, porém, isso não parecia incomodá-la. Ela caminha até ele, sentando-se ao seu lado na cama e fitando-o carinhosamente.

-- Que bom que acordou, meu senhor! – Exclama a moça, notando o semblante confuso do homem á encará-la. – Como está se sentindo? Sei que tudo parece confuso agora mas, em breve, tudo se esclarecerá! – Completa sorrindo.

-- Isso mesmo! Agora pare de importunar o mestre, Dasliel! As coisas já estão muito difíceis para ele. – Adverte uma jovem loira, vestida da mesma maneira que a ruiva. Ela aproxima-se dos dois carregando uma bandeja repleta de alimentos exóticos. – Aqui. Coma, meu senhor. Deve estar faminto. Dormiu por dois dias.

-- Agradeço a gentileza e a hospitalidade das senhoritas mas não sinto fome. Tenho que voltar para casa. – Pronuncia-se Pluto, com a voz grave e calma.

-- Sei que sofre meu senhor, mas esta é a sua casa. Não há razão para ir. – Diz a loira.

-- Lyre tem razão. Acompanhe-me Pluto. – Fala a grade dama parada na porta, cuja recebe uma reverencia das duas jovens.

O camponês fica de pé e mesmo confuso, segue a mulher. Ambos caminham por um extenso corredor decorado da mesma maneira que seu quarto. Pluto percebe estar vestido com botas em couro negro, calça de um tecido desconhecido marrom e uma camisa semelhante á um sobre tudo azul-marinho, porém, no lugar dos botões haviam fivelas e a veste estendia-se até os joelhos. Tudo parecia glamuroso e refinado. Ao ver a coroa sobre a cabeça da mulher, Pluto se deu conta de que se tratava de uma rainha e aquele, sem dúvida, era seu palácio. Mesmo com muita vontade de partir, a curiosidade o convenceu a ficar.

Alguns minutos depois, em silêncio, os dois atravessam uma entrada em forma de arco, saindo em um espaço semelhante á um jardim, cheio de plantas e vegetais exóticos. A mulher senta-se em um banco de mármore e faz sinal para o homem sentar-se ao seu lado, cujo apenas obedece.

-- Bem vindo ao império aquático de Vándur. – Diz a mulher, apontando para o cenário adiante.

Diante de seus olhos, Pluto tem a visão mais impressionante de sua vida. Uma gigantesca cidade com casas, prédios, ruas, tudo no mais branco e puro mármore. De formas pontiagudas e sofisticadas, as construções possuíam vitrais coloridos e trabalhados. As pessoas eram belas e tranqüilas e pareciam conviver harmoniosamente com os objetos, plantas e animais. Porém, havia algo que mais chamou sua atenção. Além da cidade, das aldeias, colinas e bosques, a água parecia circundar tudo e impressionantemente, ela emergia para a superfície, tal qual uma cachoeira invertida, que em sua transparência, revelava inúmeras formas de vida aquática.

-- Eu sou a rainha Alaya Teslaiel, soberana das águas. – Pronuncia-se a dama, atraindo a atenção do boquiaberto homem. – Meu querido Pluto, quero que ouça com bastante atenção tudo o que contarei agora.

-- Sim senhora. – Responde calmo.

-- Existem muitos reinos e cinco grandes impérios. Vándur, o reino das águas. As Terras Manchadas do Norte, lar dos mais habilidosos e poderosos mercenários. Tinrir, os corredores subterrâneos. Krato, as cidades suspensas e Shariêh, as terras cinzentas, de seres perversos, sedentos por sangue e poder. – Faz uma pequena pausa. – Sei que tudo é desconhecido para você então vou começar do principio.

-- Por favor!

-- Há trinta anos atrás, em uma de minhas viagens pelo mundo, conheci o rei de Shariêh, Edrian. Ficamos amigos e posteriormente nos tornamos amantes. Eu sabia que a mistura de raças é proibida em nosso mundo, mas mesmo assim, não podíamos deixar de nos vermos. Então o que eu mais temia aconteceu. Fiquei grávida. Edrian ficou muito satisfeito mas não em ser pai, o seu propósito era outro. As leis que regem o nosso mundo são claras. Mestiços são perigosos por serem extremamente poderosos, ou seja, uma vez mestiço, possuirá os dois poderes juntos e uma vez descontrolado, poderá dominar o mundo ou destruí-lo. Ele queria o bebê para seus propósitos maléficos. Eu , como rainha, tinha que fazer o que é certo, mas como mãe, decidi proteger o meu filho. Então usei o meu poder para escondê-lo e protegê-lo, criando uma família falsa e uma vida falsa, pra mantê-lo á salvo até possuir idade para saber a verdade. – Confessa com o semblante angustiado.

-- É uma história muito triste majestade mas não vejo o que tenha á ver comigo. – Retruca.

-- Engano seu meu querido. Você é Pluto Teslaiel Rioran. Herdeiro de Vándur e Shariêh. Você é meu filho. Filho de dois mundos. – Revela Alaya, fitando o rosto estarrecido do príncipe, que após alguns instantes de surpresa, levanta-se e encara a mulher.

-- Então quer dizer que os meus pais, minha casa, a cidade onde sempre vou e até a...

-- Sim. A Wyvi era minha aluna antes de você nascer. A tarefa dela era protegê-lo. Até que você cresceu e vocês se apaixonaram. Ela abdicou da imortalidade de nosso povo para ficar ao seu lado, á que sou muito grata pois a amava como uma filha.

-- Pode ser, mas agora ela está morta! – Esbraveja o homem. – E você não fez nada para impedir.

-- Ela era uma guerreira muito habilidosa. A melhor aluna que já tive. A mataram porque queriam a sua filha.

-- A minha filha?! O que iriam querer com uma criança camponesa e indefesa?!

-- Como eu disse, os mestiços são seres muito poderosos e se manipulados com perfeição são capazes de coisas incríveis ou terríveis. Luanda herdou sua metade Vándur, ela era pura assim como a mãe. Porém, Frêny herdou a sua metade Shariêh, sendo mestiça como você e por ser sua descendente, os poderes dela ultrapassam os seus.

-- Então temos que salvá-la! Não posso deixar que a usem! – Pluto desespera-se.

-- Eu sei o quanto a ama e como é a dor de se afastar dos filhos. Mas agora há uma coisa de extrema importância que quero que faça. – Diz a mulher.

-- E o que seria mais importante do que resgatar a minha Frêny?! – Ironiza.

-- Aprimorar os seus poderes pra protegê-la. Entenda, agora sua vida também corre perigo pois sua existência é um crime. Você terá de lutar pelo direito de permanecer vivo, por isso, irá procurar pelo mercenário chamado Meia-Noite, nas Terras Manchadas. Ele irá treiná-lo. Se recusar, diga que Alaya o recompensará.

-- Entendi. – Disse, retirando-se do local.

-- Espere! Dasliel o acompanhará em sua jornada.

-- Mas será perigoso para uma jovem frágil e meiga como ela.

-- Não se engane amado filho. O poder e a beleza de uma guerreira Vándur não pode ser subestimado.