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O sol raiara cedo aquela manhã, trazendo consigo o clima primaveril. Os prados e bosques exibiam-se multicoloridos, exalando o doce aroma das flores. A brisa envolvia as plantas dos campos numa delicada dança, assistida pela imponente colina rochosa nomeada de Ivanka, outrora arena de batalhas. Na encosta da Ivanka, uma pequena cachoeira desaguava em um lago de águas esverdeadas e tranqüilas, chamado de Vándur pelos habitantes de um pequeno e rústico chalé, com o telhado pontiagudo de palha do qual saía uma modesta chaminé. As paredes eram de troncos justapostos em forma de círculo, as portas e janelas eram redondas e à frente da residência havia uma passarela de pedras circulares e lisas que levavam ao deque nas margens do lago.

Na lateral da casa havia uma pequena horta repleta de frutas, legumes e verduras vistosas que eram colhidas por um homem de semblante sereno e amigável. Era alto, pele clara, postura rígida como os músculos espalhados pelo seu corpo em conseqüência à sua vida de trabalho braçal. Os cabelos lisos e castanhos escorriam-lhe à nuca, alcançando os ombros largos, adornando a bela face de traços refinados, olhos na cor de mel e lábios finos e avermelhados, cujos não condiziam aos seus trinta anos.

Enquanto enchia a cesta de vime com frutas, ele comparava aquele cenário e clima com o dia do nascimento de suas gêmeas, Frêny e Luanda, muito parecidas consigo e embora fossem bastante agitadas, eram doces como aquela manhã.

Já com a cesta cheia Pluto, como fora nomeado, emerge de seus pensamentos pela voz da esposa á chamá-lo, partindo para casa logo em seguida. Durante os poucos passos até a porta da cozinha, o homem sente o vento soprar em seu rosto, tal qual uma caricia, fazendo-o olhar na direção do lago, de onde, em seu centro, avista um vulto em um mergulho ornamental nas águas. O encanto pela destreza é retirado quando Pluto nota a sua visão nublar-se e tudo cair numa profunda e vazia escuridão.

Tendo a certeza de que haviam passado-se muitas horas, os olhos do camponês se abrem, sendo ofuscados pelo clarão da Lua que parecia brilhar mais intensamente nesta noite. Ao sentar-se, Pluto surpreende-se por ainda permanecer no caminho entre a entrada da cozinha e a horta e ninguém tê-lo notado caído lá.

Sem mais delongar-se sobre este curioso fato, o homem entra em casa pensando não ter ninguém por causa das luzes apagadas. Á medida que anda, Pluto pisa em algo e como num passe de mágica a Lua irradia-se através das janelas, iluminando tudo e revelando o que realmente havia acontecido. Os móveis e objetos estavam quebrados e espalhados pelo chão, havendo sinais de luta. Um macabro arrepio percorreu-lhe toda a espinha, fazendo os amarelos olhos abrirem-se e, pela primeira vez, o medo tomar conta de si.

Em um impulso descontrolado, o camponês corre por toda a sua residência, parando atônito na porta de seu quarto, onde encontra os corpos estripados e ensangüentados de sua esposa Wivy e uma das gêmeas, Luanda. Horrorizado com aquele cenário, Pluto dá uns passos para trás, chegando á sala. Cerrando os punhos, ele sente seu sangue ferver nas veias e uma fúria insana tomar conta de si. Repentinamente o amarelo de seus olhos converte-se num cinza, tal qual a chegada de uma tempestade, e de seus pés surge um forte vento que passa á circundá-lo como um furacão, varrendo tudo ao seu redor...

*

-- Sentiu isso Mestra? – Indaga a voz feminina, após entrar correndo no grande salão.

-- Sim. – Responde a mulher pacificamente.

-- O que faremos minha senhora? – Questiona uma jovem apreensivamente.

-- Reúna todas. Nós vamos até a superfície. Chegou a hora! – Ordena.

*

Ainda de pé e com um olhar vazio, Pluto sente aquela ira anestesiá-lo, como se aquele sentimento estivesse reprimido há muito e agora emergisse com força total. De repente, como se brotassem do chão, grandes gotas vermelhas e negras iam surgindo e mesclando-se, formando uma massa de pura energia, tão intensa que passa á destruir tudo ao seu redor, deixando a casa em ruínas. Uma explosão lança a energia para cima, como um cilindro gigante cortando os céus, tendo o camponês seu centro.

Tais como sombras na noite, cinco figuras femininas aparecem ao redor de Pluto, usando vestes longas e azuis, todas possuíam longos cabelos, orelhas pontiagudas e os mesmo olhos amarelos. Com as mãos estendidas e apontadas para a massa enérgica, começam á entoar um cântico, até surgir uma mulher altiva com um vestido branco, uma espada embainhada na cintura, uma coroa cravejada de pérolas negras na cabeça, adornada pelos longos cabelos castanhos e as perfeitas e serenas feições.

-- Concentrem-se! – Disse ela. – As barreiras erguidas todos esses anos não podem ser desfeitas. Não podemos perdê-lo! – Completa.