— O que você acha disso? – questiono Seis, que está estirada no chão da sala, enquanto Malkina e Théo estão na cozinha conversando com Lucky via skype.

— Acho que seria uma boa ideia estarmos juntos – ela responde. – Você não?

— Eu concordo – respondo ao me ajeitar no sofá. – Mas tenho receio que nos tornemos alvo fácil para os Dalips, já que estaremos todos em um único lugar. É como fazer compra no shopping.

— Acho que juntos somos mais fortes, talvez invencíveis – ela argumenta, sentando-se no chão. – Você já percebeu a quantidade de heranças diferentes, se juntarmos o grupo inteiro?

— Verdade – me limito a dizer. Sempre tive muito receio do que possa acontecer. Na realidade, tenho medo de morrer, tenho medo de não cumprir minha missão, tenho medo que não consigamos fazer com que Típien renasça. Sempre tentei – junto com Malkina – pensar naquilo que seria mais seguro para minha sobrevivência e não sei se essa opção é realmente a escolha certa.

— Não acho que deveríamos ir para Caribe e nem Paris, como Quatro sugeriu – ela menciona, enquanto faz cachos no cabelo com o dedo.

— E para onde iríamos? – questiono, deixando meu pensamento vagar por cidades e lugares que seriam a melhor opção.

— Qualquer cidade bem movimentada, não que Paris não seja, mas uma cidade com muitos prédios, onde possamos nos misturar entre muitas pessoas, como se fossemos agulha em um palheiro – ela explica.

— Queria uma cidade que fosse maravilhosa de noite – comento rindo.

— Então eu acho que sei o local perfeito – ela responde.

— Como é que você conhece tantos lugares, se passou a vida inteira trancada em um internato? – fico confusa.

— Geografia! — ela responde revirando os olhos.

— Louise, Charlie! – ouvimos Théo nos chamar na cozinha e nos dirigimos ao cômodo.

Não quero ficar aqui em Tóquio – diz Quatro enquanto caminhamos em direção à cozinha, e por isso, passamos a andar lentamente. – É isso que Lucky vai sugerir para vocês.

Não quero conviver com uma galera de olhos puxados – Charlie comenta rindo.

Qual é a sugestão de vocês? – questiona November.

Que tal Dubai? – Charlie sugere.

É linda de noite! – digo.

Eu não me preocupo com o local, para quem morava em uma caverna na montanha... – diz Ricky.

Vamos dar um jeito nisso – respondo.

— Este é Lucky, o tutor de Quatro – ele nos indica na tela do computador. – Ele acredita que seria bom irmos para o Tóquio, nunca sofreu ameaças ou viu algum Daliperiano enquanto mora lá.

— Pensei em irmos para Dubai – Charlie comenta, parecendo bastante incisiva.

— Por que Dubai, Charlie? – Malkina questiona.

— Também nunca ouvimos comentar sobre Dalips em Dubai, ouvimos? – ela responde.

— E os outros guardiões já concordaram – comento inocentemente.

— Já? – ouço a voz de Lucky pelo computador.

— Isso, Sete, Dois... Praticamente todos – digo.

Théo olha para Malkina desconfiado do nosso complô. Sei que a relação dele e Charlie é ótima e que ele não se chateará por ela ter ido contra sua opinião.

— Garotas, por gentileza, voltem à sala? – Théo menciona.

— Acho que seria bastante útil vocês também pedirem a opinião de Swane – Charlie enfrenta Théo mais uma vez, olhando-o nos olhos. – Afinal, com ela são três e em pouco tempo serão quatro guardiões.

Mais da metade – acrescento.

— Consiga o contato dela, Louise – Malkina solicita.

— Certo – digo enquanto dou meia volta e puxo Charlie pelo braço, em direção à sala.

≥ — ·

Assim que Swane se junta à reunião dos tutores, tivemos o primeiro contato de Oito depois que saiu do Brasil. Ele pegou um voo direto para Guiné, que levará cerca de cinco horas, porém, já está dentro do avião há quase três.

— Está na hora de ir, Ricky – estamos no quarto dele as sós, já que Cinco está no banho e Maya foi encontrar-se com suas amigas da faculdade.

— Já estou pronto – ele afirma.

— Luva, pedra da água, anel? – questiono

— Também estou levando uma mochila para o receptáculo dele – ele vira de costas, revelando uma grande mochila preta que não faço ideia onde arranjou.

— E como você vai carregá-lo? – pergunto, preocupada.

— Nas costas? – ele questiona e sinto que está inseguro quanto à resposta.

— Você vai conseguir? – questiono. – Digo, é uma longa viagem e não sabemos como ele é. Pode ser grande e pesado – não consigo resistir à ponta de risada que nasce em mim, mas abafo-a com a mão.

— Vamos dar um jeito, fique despreocupada – ele menciona. – Enquanto isso reze para que ele seja um típien anão.

— Farei isso – respondo. – Vá com cuidado, Dois.

Ele se aproxima de mim e sinto seus dedos percorrerem meu rosto. Ele já está com a luva que parece ser de couro, porém, não cobre seus dedos por completo. Fecho meus olhos ao sentir o toque e sorrio levemente. Ele então segura meu rosto com ambas as mãos e aproxima seus lábios do meu, com bastante cautela. Minhas mãos pousam em sua cintura, segurando sua camiseta com firmeza. Aquilo que se inicia como um selinho se desenrola com um beijo bastante intenso, sinto como se fosse uma despedida. Puxo-o para mais perto de mim, enquanto uma mão continua em meu rosto e a outra segura minha nuca. Interrompo o beijo e abraço Ricky com toda a minha força.

— Preciso ir, Sete – ele diz.

— Qualquer coisa me mentaliza – brinco.

— Não tenha dúvidas! – ele se pendura na janela do seu quarto e me olha pela última vez, antes de sair voando noite a fora.

Saio do quarto de Ricky e vou até o meu. Meu pensamento é tão rápido quando o beijo de Ricky, digo, pelo menos é o que aparente, pois eu queria ter aproveitado mais.. Penso em possibilidades, hipóteses e sou interrompida com o som da porta ao abrir.

— Ricky já foi? – Swane me questiona.

— Sim, há pouco tempo – respondo.

— Queria ter me despedido – ela diz, sentando-se ao meu lado.

— Ele vai voltar!

— Tenho certeza disso, November – ela me sorri, mas seu olhar não me passa tanta firmeza.

— O que ficou decidido? – pergunta Cinco ao entrar no quarto, com uma toalha enrolada em seus cabelos e outra no corpo.

— Nada mais justo do que fazer a vontade de vocês – Swane diz.

— Então vamos para Dubai? – questiono, sorridente.

— Isso – Swane responde. – Lucky irá verificar o imóvel essa madrugada e assim que tiver uma resposta positiva pedirá para Quatro avisar vocês.

— Certo.

≥ — ·

— Onde você está, Oito? ­– a viagem da Irlanda até Guiné foi bastante tranquila. O céu está limpo, por isso, não tive problemas.

— O avião está pousando nesse instante, Dois – ele responde.

— Estou sobrevoando o aeroporto, já localizei o seu avião – aviso. – Te espero no hall principal.

— Ok.

Pouso no estacionamento do aeroporto, em um local onde quase não há pessoas. O aeroporto de Guiné é pequeno e com uma arquitetura bastante interessante. Facilmente encontro o hall principal e ali aguardo por Oito. Não sei como identificá-lo, mas, nada que o anel em meu dedo indicador direito não possa resolver. Passam dez minutos, de acordo com o relógio que pisca constantemente em uma tela negra acima de uma lanchonete.

— Estou aqui – ouço sua voz em minha mente. O local está bastante cheio e não consigo reconhecê-lo.

— Levante seu braço – peço e imediatamente vejo um braço erguido entre a multidão. – Já pode abaixar – Dirijo-me ao local em que Oito está e percebo que ele se agacha no chão, brincando.

— Me referia ao braço – comento.

— Provavelmente foi falha de comunicação – ele se levanta e me dá um abraço forte. – É muito bom conhecê-lo. – Fico um pouco assustado com aquela reação, mas é bastante compreensível para alguém que estava sozinho há quilômetros de distância sem saber verdade alguma.

— Digo o mesmo, cara. Ah, antes que eu me esqueça, esperava que você fosse menor – respondo. Oito é mais alto do que eu e possui bastantes músculos, ou seja, não vai ser fácil carregar esse cara!

— Vamos? – ele pede.

— Vamos!

Ao sairmos do aeroporto procuramos uma área que não haja pessoas e resolvemos irmos até o estacionamento. Tiro a mochila e entrego a Oito, para que coloque o receptáculo.

— Coloque a mochila em suas costas – digo.

— Como você pense em me levar? – ele pergunta, rindo.

— Você praticamente vai ser a minha mochila – dou de ombros.

É exatamente isso que ele faz quando percebemos que não há ninguém por perto: sobe em minhas costas. Ele é mais pesado em terra do que no ar, onde quase não sinto seu peso (ainda bem).

— Já estamos voltando – aviso aos demais.

— Certo! Meninos, tenham cuidado – ouço a voz de Sete.

— Pode deixar! – Oito responde.

O trajeto vai bem até o momento em que sentimos uma imensa rajada de vento vindo em nossa direção, nos desequilibrando um pouco.

— São eles! – digo.

— Daliperianos? – ele me questiona; consigo sentir a preocupação em sua voz.

— Estão vindo em nossa direção – consigo vê-los com a visão noturna.

— Então vá para a direita, Dois, há nuvens lá – Oito indica.

— Certo! – conforme sua solicitação, voo a toda velocidade para o lado direito, alterando nossa rota e percebo que os Dalips nos seguem. Ao nos aproximamos, Oito pede para que continuemos voando, mas com uma velocidade reduzida, sabendo que os Dalips estão logo atrás. Vejo-o lançar um raio assim que eles passam sobre a nuvem e um deles é atingido.

Estamos sobrevoando uma região repleta de nuvens e Oito começa a disparar raios por todos os lados e meu foco torna-se desviar de cada uma deles. Começo a pensar se ele sabe o que está fazendo, afinal, podemos ser alvo fácil de tantos relâmpagos. São diversos Daliperianos nos cercando. Um deles vem em nossa direção, mas Oito lança um pequeno campo de força ao nosso redor, que o repele na mesma hora.

De repente lembro que estou com minhas luvas. Bato palmas uma única vez e o impacto faz com que muitos Daliperianos se afastem, porém, também faz com que Oito se desprenda das minhas costas e, em queda livre, segue em direção ao chão.

— Merda! – penso e sem querer envio a mensagem aos demais.

— Caralh* Dois! – Oito berra em minha mente.

— O que está acontecendo? – escuto Sete.

— Daliperianos! Deixei Oito cair! – voo o mais rápido possível em direção ao chão, tentando alcançá-lo.

— Que? – diz Louise. – Vá pegá-lo!

— É o que estou fazendo! – respondo irritado, realmente não é fácil trabalhar enquanto se escuta diversas vozes na cabeça, mas não tenho tempo para tirar o anel.

— Vou morrer, Dois! – Oito diz.

— Não vou permitir! – afirmo.

Estou me aproximando de Oito quando vejo um Daliperiano logo atrás de mim. Paro instantaneamente e acerto um chute em seu rosto, fazendo-o girar no ar. Olho de relance para Oito caindo e para minha surpresa, há outro de mim pegando-o na mesma hora. A herança da Duplicação, isso é incrível!

Por sorte consigo pegá-lo há poucos metros do chão, segurando-o pela barra da camiseta. Com cuidado coloco-o no chão e em questão de segundos diversos Daliperianos estão nos cercando.

— O que aconteceu? – Louise pergunta, ansiosa.

— Estou a salvo, por enquanto – Oito responde.

— Existem muitos Daliperianos ao nosso redor – explico e o primeiro Dalip vem em minha direção. Utilizo minha luva para espantá-lo, porém, o impacto é tão grande que arremessa Oito para as laterais da roda, aproximando-se dos Dalips. Pelo menos o Daliperiano que veio em minha direção já era.

Oito coloca um campo de força ao seu redor e consegue lançar alguns raios em direção aos Daliperianos, porém, alguns conseguem ser ágeis o bastante para não serem pegos. Com a visão noturna, vejo que um deles está aproximando-se pelas costas de Oito ao mesmo instante em que outro vem em minha direção. Utilizo a duplicação para dar cobertura a Oito enquanto ataco os demais.

— Não vamos conseguir, são muitos – digo.

— Dois! Oito! Mentalizem o lugar que vocês estão e tentem mandar a imagem para nós – pede Louise.

— Como é que se faz isso? – Oito responde enquanto utiliza o campo magnético para afastar um Daliperiano.

— Tente! – ela grita.

Sei que ambos (ou os três) estão tentando fazer isso e de repente vejo a imagem em minha mente, pelo ponto de vista de Oito. Em questão de segundos uma garota aparece ao lado dele, não sei dizer se Louise ou Charlie. Ela carrega uma pedra em sua mão, mas imediatamente a guarda em um dos seus bolsos.

A supergirl chegou! – diz ela entre risos e no mesmo instante reconheço a voz de Charlie,

Seja bem-vinda a batalha – comento.

Em poucos segundos Charlie consegue derrotar metade dos Daliperianos que ali estão. Ela é realmente forte e muitos dos socos fazem os Daliperianos se desmancharem. Utilizo as pedras do local para, junto com a duplicação, eliminar alguns outros; já Oito, continua a eletrocutar outros deles. Um Daliperianos diferente dos demais – ainda não sei o porquê – luta bravamente com os dois de mim, sinto um vulto se aproximar de mim pelas costas. Charlie então arremessa Oito em minha direção, que grita quando se dá conta do que está acontecendo. Olho instantaneamente para a cena e abaixo enquanto ele sobrevoa minha cabeça, levando ambos Dalips junto e finalizando com um raio que parte os dois. Oito protege seu rosto ao cair no chão, já com menos velocidade.

Sinto-me exausto quando nos livramos de todos eles.

Muito obrigado, Charlie – digo ao estender a mão para Oito levantar.

Foi um prazer! – responde.

Você pode nos teletransportar para a Irlanda? – Oito questiona, limpando sua roupa empoeirada.

Posso sim! – ela sorri. – Daqui a 24 horas.