Luke olhou em volta. Só ali estava o fantasma da Força de Anakin Skywalker. Era uma novidade. O pai nunca lhe aparecera sozinho, vinha sempre acompanhado do fantasma de Obi-Wan Kenobi ou do de Yoda. Depois de resgatado do lado sombrio, depois de recuperado para a luz, aquele que tinha sido o tenebroso Darth Vader continuava a ser demasiado poderoso para ser largado sozinho no universo, incluindo no oceano imenso e etéreo da Força. A supervisão do Escolhido era permanente, até na existência do além-túmulo.

— Pai – repetiu, a voz profunda. De seguida, sorriu-lhe.

— Meu filho. Estou aqui numa missão urgente e inadiável. A Força perturba-se grandemente em Hkion.

— Sim, pai – concordou Luke com um aceno.

Fez um gesto com o braço convidando o fantasma de Anakin a sentar-se consigo no sofá da sala despojada, mas a figura azul transparente não se moveu. Manteve o ar grave e, numa contradição subtil, uma certa sombra.

Luke tentou não se impressionar, porque não estava a gostar das sensações alarmantes que lhe mordiam a pele, em pequenas agressões invisíveis e geladas. A Força ardia nesse fogo frio, entre o vácuo, indicando-lhe que uma mudança iria acontecer brevemente e que ele deveria estar preparado para mais esse desafio. Os lagartos Ysalamir estavam esgotados também com a energia que tinham de despender para conter todas as anomalias que permeavam o ambiente e que derivavam dessas estranhezas na Força. Como o pai não se sentou, ele também se manteve de pé. Uniu as mãos à frente. Começou:

— O que está a acontecer em Hkion, meu pai? A Força é enorme neste sistema, neste planeta em concreto. Aqui reside um antigo Jedi, Bekbaal de seu nome, que controla um exército de fantasmas da névoa que são antigos cavaleiros Jedi, que se refugiaram neste local quando foram perseguidos pelo Império Galáctico.

— Quando foram perseguidos por mim – corrigiu Anakin. – Fui eu que matei todos esses Jedi, Luke.

Esse era um facto inegável do passado tenebroso do Skywalker mais velho. A sua longa entrega ao lado negro da Força, o sofrimento que sentiu e que impusera à galáxia. O ódio, o medo e o rancor. O debate excruciante, longo e penoso com a luz que ele nunca abandonara, deveras. Os músculos de Luke enrijeceram e ele tentou emendar-se.

— Meu pai, eu…

Anakin abanou suavemente a cabeça.

— Já fiz a minha aprendizagem. O meu caminho de redenção teve um único sentido e ficou completo. Finalizado. Compreendo os meus atos cruéis do passado. Consigo contemplá-los e a distância com que o faço é segura. Não serei contaminado, nem pelo remorso, nem pela amargura, nem pela autopiedade. Estou em paz e na tranquilidade da Força. Forte e luminoso. – Desenhou um sorriso brando. – Devo-o a ti.

— Peço que me perdoes pela minha impulsividade – pediu Luke, baixando a cabeça.

Houve um toque incorpóreo nos seus cabelos. Luke sentiu todo o amor impregnado nesse movimento tão leve como um suspiro e ficou confortado. De seguida endireitou-se e pediu:

— Conta-me, meu pai.

O fantasma de Anakin tornou-se mais ténue. Havia uma seriedade pesada que o envolvia e que o dissolvia, numa ambiguidade que o fazia próximo e longínquo, real e um mero eco. Ele disse:

— Bekbaal não é quem tu pensas. Neste momento, o mestre Yoda está a tentar persuadi-lo a desistir da sua vingança. Ele quer arrasar Hkion, derrubar adversários que já não existem, combater contra o exército dos clones, inventa uma guerra, um pretexto, motivos que são fantasia. Ele julga-se inatingível e invencível.

— O que o move? – perguntou Luke, chocado. – Em Hkion disputa-se o trono, ele não me pareceu ter qualquer interesse no governo do sistema. A não ser… a não ser por causa do ouro – concluiu o Jedi, alarmado. – Bekbaal não está a agir totalmente por conta própria.

— Correto. Bekbaal está a ser manobrado pela Força negra, meu filho.

Um arrepio sacudiu Luke que quebrou a sua postura.

— A Força negra? Eu sou o último Jedi… quem poderá estar a servir-se do lado sombrio? Não tenho sentido perturbações assinaláveis que me levem a uma atitude de vigilância e de preocupação. A galáxia está calma. – Luke respirou fundo. Tentava ver para além daquela sala, estender a sua perceção, mas encontrava-se barrado pelos Ysalamiri e pelos sentimentos em turbilhão que efervesciam no seu espírito agora desassossegado e curioso. – A galáxia tem estado apaziguada, em equilíbrio… Agora temos Hkion. O conflito pela sucessão, os fantasmas da névoa, os clones. Ambições, mesquinhez, jogos, verdades e mentiras.

Calou-se durante algum tempo. O fantasma de Anakin tinha-se imobilizado numa posição de holograma suspenso. Luke caminhou num amplo círculo, vagaroso, em busca paciente da tranquilidade perdida.

— Verdades e mentiras… – Nisto, Luke gritou, inflado de sabedoria e iluminado pela Força. – Bekbaal! Ele não… ele também é um fantasma da névoa! Ele morreu durante a Ordem 66! Os príncipes sabem disso e querem neutralizá-lo, possuem o anel que contem o fantasma da névoa mais perigoso de todos.

Anakin assentiu.

— Bekbaal envia o seu poder para te combater – confirmou o velho Skywalker. – Ele não quer que interfiras, que destruas o que ele tem vindo a conquistar ao longo destes vinte e cinco anos. Recebeu agora a última dádiva, o que precisava para consolidar a sua ambição. A Força negra, um utilizador sombrio, um arquiteto que pretende dominar novamente a galáxia sob a égide de Sheev Palpatine.

— Ele parecia tão real…

— Uma ilusão. Um desejo de salvação. Tu querias ser salvo do veneno, o teu amigo queria encontrar-te. Os desejos desvirtuam o caminho imaculado de um Jedi.

— Por isso, fui salvo. Porque Bekbaal conhece o antídoto contra a Força negra que ele manipula facilmente… Meu pai!

— Sim, meu filho.

— Os clones. Os príncipes de Hkion querem usar os fantasmas da névoa para derrotar o exército dos clones.

— Tudo se resume ao ouro, afinal, meu filho. A maior riqueza de Hkion é o metal precioso que compra mais poder do que aquele conseguido por uma legião de velhos Jedi assassinados pelo implacável Darth Vader. Os príncipes sabem que o ouro está a financiar uma empresa clandestina liderada por antigos oficiais do Império, estão a perder influência na região, já não são livres para escolher os negócios que mais lhes convém e, o mais importante, estão a perder a invisibilidade perante a Nova República. Querem manter-se anónimos e gerir o ouro a seu bel-prazer. Bekbaal está no caminho dos príncipes.

Luke engasgou-se.

— Mas ainda falta descobrir… a última peça deste intricado esquema, que vai juntar tudo. Meu pai, nem tudo te foi confiado através da Força.

— Tem cuidado e prepára-te, meu filho. Estou aqui para te avisar que vais enfrentar-te a grande perigo e que deverás vencer… ou a galáxia sucumbirá a uma nova era de trevas e de descrença.

Aquela declaração fez-lhe subir a bílis à boca. Luke engasgou-se, com o sabor ácido que lhe transtornou o palato. Acenou afirmativamente com a cabeça. A Força movimentava-se e era agora uma língua de gosma gelada que penetrava nos aposentos, à sua procura.

Descartou a sua pesada capa castanha, sacou o punho do sabre de luz do cinto.

Avançou um passo, dois passos.

A porta do quarto abriu-se.

— Leia!

Não pôde dar mais atenção à irmã, enquadrada pela moldura obscurecida da porta, uma silhueta petrificada numa imobilidade estranha. À sua frente surgiu a presença de um espírito azulado, outro espectro da Força igual a Anakin Skywalker. Mas neste não conseguia divisar rosto, ou mãos, ou apêndices. Tratava-se de um mestre Jedi de antanho, velado pelo seu manto, ocultado por sombras densas e agressivas. Um fantasma da névoa munido de um sabre de luz que ligou assim que estabeleceram contacto visual. Apareceu uma lâmina branca. Luke também ligou o seu sabre. Uma segunda lâmina verde.

— Leia, regressa ao quarto!

— Não…

O som gutural que saiu da garganta da sua irmã causou-lhe um calafrio. Virou o pescoço e viu os olhos dela amarelos, vítreos, perigosos. Cerrou o maxilar e preparou-se para lutar. Estava sozinho. Anakin Skywalker tinha-se reunido, mais uma vez, à Força.

E Leia Organa, também ela nascida Skywalker, estava contaminada pelo lado negro.