Opostos não se Atraem

Excesso de velocidade


A morena entrou no seu escritório conferindo no relógio da parede o horário, e como já era esperado estava pontual como sempre. O ambiente era amplo e a mobília acentuava o aspecto moderno do local, tudo bem organizado e com uma incrível proporção de espaço um entre o outro. O designer de interiores responsável por aquele local prezava a excelência assim como a jovem que agora colocava suas coisas sobre a própria mesa.

Sentou na confortável cadeira de frente pra mesa onde passava pelo menos cinco horas do seu dia, conferindo se estava lá tudo o que havia deixado no dia anterior. Algumas notas com recados, recibos e curiosamente um papel cor de rosa que com toda certeza não tinha sido ela a responsável por deixar lá. Revirou os olhos pelo cheiro de morango que o papel exalava.

“As coisas mais lindas da vida não podem ser vistas ou tocadas, mas sim, sentidas pelo coração.”

By: B. para Aline.

A representante da família Lenox naquela empresa nem precisou chegar ao fim do bilhete pra discar o ramal da secretária.

-Bom dia Aline. – Ouviu a voz feminina cumprimentar ao mesmo tempo em que jogava o pedaço de papel aromatizado na lixeira a sua esquerda. – Tudo bem?

-Melhoraria consideravelmente se parasse de mascar chiclete durante o seu horário de trabalho. – A mais velha murmurou com o tom seco de sempre sem entender qual era o problema com os modos da mais nova. – E eu preciso da planilha pra reunião na minha mesa e não de bilhetes infantis com cheiros enjoativos.

-São papéis aromatizados de ótima qualidade e eu coloquei por que...

-Não me importo com seus papéis ou motivos. – Aline interrompeu com o mesmo tom de sempre. – Só quero as planilhas aqui, o mais rápido que essa sua cabecinha infantil conseguir trazer.

-Eu... tudo bem então...

Não esperou a moça dizer mais nada apenas colocando o parelho telefônico de volta no lugar, ela era completamente a versão humana oposta ao que a morena considerava profissionalismo, e ainda assim era obrigada a tê-la como assistente enquanto não fosse remanejada de seção.

Era simplesmente torturante lidar com tanta incompetência pra jovem. Aquelas planilhas teriam que ser a primeira preocupação, e não frases feitas de um site inútil de mensagens de auto-ajuda. Mas não havia nada que ela tinha autoridade pra fazer, pelo menos não ainda.

Pegou a pasta que havia trazido de casa tirando de lá vários documentos, que ainda precisariam ser revisados, além da planilha de orçamentos que esperava mesmo que Bianca fosse capaz de conceder em poucos minutos. A reunião de associados seria em menos de uma hora e tudo teria que estar perfeito, a excelência era o que acreditava que a levaria pro que mais queria naquele lugar. A posição ocupada por Arthur Wainer. A presidência da corporação W&L.

-~-~-

Rafael Wainer estacionou seu Lamborghini Diablo em frente a um de seus restaurantes favoritos, entregando a chave ao manobrista pra que ele levasse o carro a um lugar apropriado até que o jovem terminasse o seu almoço.

Entrou no restaurante sentindo algo vibrar em seu bolso. Deu um meio sorriso maroto ao tirar o celular do bolso e ver que se tratava de uma mensagem de texto, da sua francesinha favorita.

“Espero ás duas no lugar de sempre. Je t’aime.”

Olhou o próprio relógio enquanto caminhava pelo restaurante, percebendo que teria menos de uma hora e meia pra companheira de almoço. O que seria uma pena. Mas um homem como ele tinha que ter prioridades, e no momento infelizmente principal não seria a loirinha que já sorria e acenava feliz de uma das mesas ao lado da janela.

-Até que enfim! – A moça comentou assim que ele chegou ao lado da mesa levantando pra um selinho rápido no caçula Wainer. – Finalmente tenho você só pra mim!

Ele sorriu correspondendo ao beijo rápido sentindo os braços dela envolverem seu pescoço e o rosto ser enterrado na curva que ali se encontrava. Também correspondendo ao abraço enlaçou a cintura dela e a puxou mais pra perto.

-Tava morrendo de saudade, Rafa... – Ela comentou quando ambos começaram a se separar. – Depois de me fazer esperar tanto, vai ficar comigo a tarde inteira não é?

Rafael assentiu com a cabeça fazendo-a sorrir de orelha a orelha enquanto voltava a sentar onde antes esperava por ele, que acompanhou sentando na mesma mesa a esquerda dela. Ele não ficaria nem mesmo duas horas com ela, mas não queria estragar o almoço com uma notícia como aquela.

-Já pedi o seu favorito já que nesse horário os pratos sempre levam um tempinho a mais. – Lara falou com o tom gentil de sempre enquanto ele apenas acenava como se estivesse agradecendo. – E como vai a W&L?

O jovem sorriu. Lara era educada e gentil, e ao mesmo tempo ainda forçava um interesse no trabalho dele. Ou no que ela achava que era o trabalho dele. Era realmente uma fofa.

-O de sempre. Contas, reuniões, processos e todas essas coisas... – Ele começou esperando que ela não parecesse muito interessada já que nem mesmo ele sabia dar mais informações que aquilo. – Um assunto chato pra um almoço com alguém como você. Melhor contar sobre o seu trabalho.

A loira sorriu tímida. Adorava ouvir qualquer que fosse o elogio dele. Seus belos olhos azuis brilharam quando ele mostrou o interesse na vida dela, e com as maçãs do rosto levemente coradas ela começou a contar.

-Na agência também não é tão fora da rotina, não... – Lara começou sentindo o rosto ruborizar com os olhos castanhos do acompanhante sobre si. – Mas eu fiz a capa pra uma revista adolescente que está começando no mercado, “Fashion teen”.

-Vou comprar um exemplar pra deixar no meu surdo-mudo todas as vezes que você viajar. – Ele comentou fazendo-a ruborizar mais ainda, adorando ver aquela expressão acanhada. Eles se viam há provavelmente três meses e ela continuava se comportando da mesma forma que no primeiro encontro. – Fica linda envergonhada.

Antes que Lara explodisse de vergonha o almoço chegou fazendo-a se tranqüilizar enquanto recebia os pratos. Era tão adorável tê-lo como companhia, com todo o charme e gentileza. Passaram o resto do almoço da mesma forma que ele começou, ele evitando falar sobre o trabalho que ele não tinha e ela comentando entusiasmada sobre os últimos feitos em uma das maiores agências de modelo da cidade.

Assim que terminaram o jovem pediu a conta se responsabilizando por pagá-la enquanto ela nem acreditava que teria aquela companhia adorável por toda à tarde. Até que ele colocou a mão no bolso pegando o celular, e apertou um botão qualquer como se estivesse atendendo a uma ligação.

-Pronto. – Ele “atendeu” e ela sentiu o coração apertar imaginando que podia ser a empresa na qual ele “trabalhava”. – Avisei que ia tirar à tarde de folga... Ele não pode fazer isso... Certo. Tudo bem.

A loirinha já tinha aqueles olhos azuis apreensivos na direção dele, que confirmou todo o temor dela já no começo da frase de rotina entre os dois:

-Lara, sabe que eu faria de tudo pra passar a tarde aqui com você, mas...

-Tudo bem. É seu trabalho. – Ela interrompeu completando a frase dele com o olhar baixo, demonstrando a frustração.

-Amor, eu prometo... – Ele começou pegando o queixo dela com a mão esquerda gentilmente, forçando-a a olhá-lo nos olhos. – Que eu vou guardar um fim de semana inteiro pra você, em uma ilha, tudo bem?

Ela assentiu com a cabeça forçando um sorriso enquanto ele levantava deixando-a da mesma forma quando a encontrara quase uma hora antes. Esperançosa e apaixonada.

-Te amo. – Ele finalizou dando um selinho rápido e saindo do restaurante enquanto ela fazia de tudo pra responder um feliz “Eu também”. Sentia-se mal por ficar triste no fim do almoço quando ele não tinha culpa sobre nada, e ainda fazia de tudo pra que ela se sentisse melhor. No fim, era uma garota de muita sorte.

Assim que se viu fora do campo de visão da loira pegou o telefone abrindo a mensagem que havia recebido ao entrar na intenção de respondê-la.

“Estou a caminho, Claire”

Não demorou muito tempo até que o manobrista chegasse com o seu bebê. Apelido carinhoso pro Lamborghini. E um Rafael feliz tomou o assento de motorista do carro ansioso pro encontro que esperava há um tempo. Claire doce Claire. Nada tão bom quanto um bom perfume feminino francês.

-~-~-

Aline terminou de organizar todos os processos e já estava na sua terceira xícara de café, e nada de ligações sobre o começo da reunião. Atrasos eram normais em uma empresa não dirigida por ela, mas aquilo estava passando dos seus limites.

Sem a paciência de conversar novamente com Bianca, a secretária de mentalidade pré-adolescente ela pessoalmente decidiu verificar o que estava acontecendo. Arthur podia não se o melhor dos presidentes, mas também não era estúpido ao ponto de estragar uma reunião de associados.

-Aline. – Ouviu uma voz estridente murmurar e nem precisou virar na direção da voz pra saber de quem se tratava. – O Arthur ta com problemas com a reunião, acho que talvez tenhamos que adiar.

Nem pensou duas vezes antes de virar na direção de Bianca depois de uma informação como aquela. Como assim? Adiar uma reunião de associados? A figura feminina de estatura mediana e enormes olhos cor castanho chocolate observava Aline apreensiva.

-Cadê ele? – Foi à única coisa que a mais velha conseguiu murmurar em um tom que Bianca, se sentiu desconfortável apesar de já estar acostumada.

-Na sala dele, mas está bem ocupa... – Não viu sentido em terminar a frase já que Aline já estava andando em direção ao corredor, que levava a sala de Arthur. Não havia nada que a pequena pudesse ter feito, Aline Lenox nunca a escutava mesmo.

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Rafael abriu os olhos sentindo uma dor de cabeça insuportável, olhou ao redor tentando identificar exatamente onde estava e o que tinha acontecido até ver as grades. Puta merda. O que teria acontecido dessa vez?

Olhou o celular vendo o ultimo numero discado e tentando se concentrar nas ultimas horas. Claire. Tinha se encontrado com ela e... Sentiu a cabeça doer mais ainda ao lembrar uma cena drástica. Seu bebê contra um poste com o som de sirenes ao fundo.

O caçula Wainer sentiu o coração apertar, qualquer coisa... menos seu Lamborghini. E Claire? Bom ele não conseguia lembrar-se de ter mais alguém no carro. Mas daí a prisão? Precisava forçar mais um pouco a memória até conseguir entender o que estava fazendo ali.

-~-~-

Arthur viu a morena invadir sua sala sem nem mesmo pedir pra ser anunciada pela secretária.

-Devo parabenizá-la pelos bons modos. – Ele ironizou enquanto ela não parecia nem um pouco a fim de responder as provocações bobas dele.

-Adiar? Adiar, Arthur? – Ela começou com um tom de voz quase ameaçador. – Quer transformas isso aqui em um circo com seus caprichos pessoais? Porque diabos adiaria uma reunião de associados planejada por meses?

-Como você mesmo disse são pessoais. – Ele comentou nem um pouco afetado pelo tom de voz dela. – E não tenho motivos pra partilhá-los com você.

Aline sentiu seu sangue ferver de uma forma que não acontecia muito freqüentemente, era difícil algo tira-la do sério.

-O que quer que seja pode ser resolvido depois. Não pode simplesmente tomar uma atitude tão precipitada sem motivos pra isso. – Ela tentou novamente abrangendo o tom de voz na esperança de que ele falasse algo.

-Meu irmão foi preso por excesso de velocidade, e é muito bom que eu resolva isso antes que a mídia resolva aparecer...

A Lenox resolveu pensar um pouco antes de responder. Infelizmente o caçula levava o sobrenome Wainer que era o mesmo nome que levava a empresa. Se algo assim saísse na mídia o nome não só da família Wainer, mas também da empresa seria jogado na lama. E como uma publicitária ela sabia o efeito de uma imagem ruim.

-Eu vou. – Aline comentou por fim fazendo com que o próprio Arthur arqueasse a sobrancelha.

-Pensei que adoraria essa oportunidade pra melhorar sua imagem com os sócios. Afinal se não for eu você é a candidata preferencial pra presidência. Está se tornando uma pessoa melhor, Lenox? – Ele perguntou surpreso enquanto ela apontava o bloquinho de notas em frente a ele.

-Anota o endereço da delegacia. – Ela murmurou e ele o fez ainda sem entender os motivos dela. – E essa cadeira vai ser minha Wainer, só estou fazendo isso pra que essa empresa ainda seja tão boa quanto é hoje quando isso acontecer.

Arthur Wainer assentiu dando um papel com o endereço pra ela enquanto sorria de uma forma gentil, totalmente estranho se tratando de pra quem ele sorria.

-De qualquer forma obrigada, Aline. – Ele murmurou enquanto ela dava os ombros pegando o papel e se preparando pra sair.

-Não estou fazendo por você Wainer, não se sinta na obrigação de agradecer. – Aline rebateu antes de sair ouvindo o presidente ainda murmurar algo que ela não se preocupou em ouvir.