Opostos não se Atraem

Bach e Rock Britânico


Aline conferiu o endereço observando a delegacia ao lado da vaga de estacionamento que tinha utilizado. Pegou a própria bolsa e saiu do carro, trancando-o e imaginando o que a esperava dentro do prédio atrás de si.

Sempre ouvira das irresponsabilidades do caçula Wainer, mas nunca foi algo que realmente desse a devida atenção. Já tinha sua cota de preocupações diárias pra dar atenção a um jovem desempregado, com a mínima expectativa do que ela considerava qualidade de vida.

Entrou na delegacia indo sem delongas ao escritório do delegado, não ia perder tempo com subalternos. Mesmo que perdesse parte da reunião pra tratar de uma mediocridade como aquelas, não se permitiria perder tudo. Ainda entraria naquela sala com suas planilhas se fazendo presente e tendo o seu nome na lista de sucessores ao cargo mais importante da companhia.

Não precisou caminhar muito até perceber um homem com barba mal-feita, sentado em meio a um dos corredores. Ele carregava uma máquina fotográfica e visivelmente trabalhava em um emprego meia-boca, enquanto esperava sua grande chance. Um típico aspirante a jornalista que ganha um trocado pra pagar a faculdade tirando fotos que podem ganhar a primeira página.

Seguiu até a sala no fim do corredor ignorando o olhar do fotógrafo pra ela, ele estava supondo o que ela fazia ali, e ela com toda certeza já sabia responder isso quanto a ele. Mas ia lidar com isso em alguns minutos. O fotógrafo não ia revelar nenhuma das fotos que planejava tirar nos próximos minutos, mas pagar a fiança estava mais acima na sua lista de prioridades.

-Olha se não é a prodígio Lenox. – O homem sentado a mesa de delegado comentou com um sorriso enquanto a morena entrava no ambiente, bem desorganizado por sinal. – A que devo a honra?

-Rafael Wainer. – Ela informou ignorando o comentário do delegado, não importa que ele fosse um conhecido do seu pai, ela não tinha paciência para personalidades como a dele. – Só quero saber o valor da fiança.

-Sempre direto ao ponto. – O senhor comentou sorrindo levantando da sua cadeira, a blusa social listrada era extremamente apertada pro corpo rechonchudo que ele tinha. – Vou pegar o processo.

O delegado agora estava de costas pra ela procurando algo em uma das várias caixas que ficavam na estante atrás de sua mesa. Aline nem se preocupou em sentar, evitaria qualquer conversa desnecessária ficando em pé apressando assim cada gesto dele.

-Como vai sua mãe e seu irmão?

-Bem. – Ela respondeu seca, tentando cortar o possível diálogo o mais rápido possível.

-Que bom. – Ele comentou tirando uma pasta e sorrindo satisfeito depois de alguns minutos. – Aqui está.

-~-~-

O oficial revirava os olhos tentando se concentrar nos papéis a sua frente e ignorar os protestos enraivecidos que vinham do cômodo ao lado. Suspirou mostrando que aquilo não estava sendo nada fácil.

-Excesso de velocidade!? Vocês só podem estar de brincadeira... – O jovem reclamava enquanto todos demonstravam que não estavam interessados em ouvir. – Aquilo é um Lamborghini! Deve ser excesso de velocidade pra esses carros que vocês conseguem comprar com esse emprego medíocre! Mas pra ele, aquilo é normal! Tão me ouvindo!? Normal! Isso é inaceitável e absurdo! E cadê os meus telefonemas!?

-Só tem direito a um telefonema senhor Wainer. – O oficial gritou pra que ele conseguisse ouvir da própria cela. – E já entramos em contato co o seu irmão.

Rafael se acalmou vendo que aquilo não levaria a nada se jogando em um banco próximo. Tinha usado seu telefonema pra Claire, não sabia que só teria direito a um. Pelo menos sabia que ela estava bem. E agora tinham ligado pra Arthur. Ótimo. Aquilo renderia uma manhã inteira de sermões inúteis do irmão mais velho.

Bufou deitando no local onde tinha passado as ultimas horas odiando a situação. Era desconfortável, tinha perdido um ótimo encontro e acima de tudo a imagem do seu carro massacrado por obra do destino ainda não saia da sua mente. Pobre bebê, o levaria a uma oficina pra ser reestruturado assim que saísse dali. Não vivia sem seu monstrinho, jamais.

-Pagaram a fiança. – O mesmo oficial comentou agora já na porta da cela dele abrindo-a.

-Até que enfim... – Rafael bufou levantando e pegando a jaqueta que usava de travesseiro.

-Seus pertences. – O homem comentou apontado uma embalagem plástica acima da mesa ao lado, que continha tudo o que eles apreenderam: Celular, chaves e carteira.

-Valeu... – O caçula Wainer murmurou indo até as suas coisas. – E meu irmão?

-Quem te tirou está no corredor mais adiante, mas acho que ela é bonita demais pra ser seu irmão. – O oficial comentou enquanto Rafael ria com o comentário e acenava caminhando pro corredor.

Então Arthur não tinha vindo pessoalmente a ainda tinha mandado uma de suas estagiárias fazer o serviço sujo?

“E depois ainda me chama de irresponsável” – Rafael pensou entrando no corredor e fitando a figura feminina sentada ao lado do que parecia um fotógrafo.

Cabelos negros presos em um coque bem feito, um terno feminino preto perfeitamente alinhado, e pele com um tom curioso, que lembrava canela. Isso. Canela. Era no que pensava enquanto se aproximava dela que parecia ser do tipo competente.

-Tudo é negociável. – Ouviu a voz feminina soar e sentiu certo desconforto com o tom, enquanto ela não percebia sua presença. – Se não aceitou é porque eu não ofereci o suficiente.

-Eu não estou á venda moça. – O homem respondeu insistente e nesse momento ele invadiu o campo de visão dela, e pra espanto do loiro ela não se deu ao trabalho de encará-lo.

-Não estou querendo comprar você, apenas um pequeno serviço. – Ela afirmou calma em um tom tão sedutor quanto impassível. – Te dou o que você demoraria três meses pra ganhar mesmo com fotos de um deputado cometendo adultério em uma praia carioca.

Rafael pensou em interromper por três vezes pra se fazer notado, mas não recebeu a oportunidade entre o diálogo dos dois. E também percebia meramente do que a situação se tratava, e não seria bom pra imagem dele sair em jornais populares também.

-E de quanto estamos falando? – O homem finalmente perguntou e pelo sorriso dela era a frase que a morena esperava.

Ela abriu a bolsa tirando um envelope pardo de lá e entregando ao homem que pegou com certo receio. Abriu pareceu contar mentalmente enquanto engolia seco. Ele parecia admirado com o valor.

-Tá certo então, eu não publico. – O fotógrafo comentou enfiando o envelope na bolsa de equipamentos que ele trazia colada ao corpo.

-Ótimo. – Ela murmurou se levantando fazendo Rafael sorrir satisfeito dessa vez. – A câmera.

-Não confia em mim? – O profissional ainda perguntou segurando firme seu instrumento de trabalho.

-Não confio em ninguém. – Ela afirmou tirando a câmera das mãos dele que não relutou. O que tinha no envelope daria pra muitas daquelas.

Rafael sentiu uma pequena onda de calor o invadir. Aquela seria definitivamente a próxima, algo naquele ar poderoso e ameaçador, com aquele tom de voz infinitamente controlado. E principalmente naquela mania de ignorá-lo que mesmo sendo por poucos minutos já estava o enlouquecendo.

Viu a figura feminina sair com a câmera na mão sem nem olhá-lo, ela sabia mesmo brincar. Acompanhou os passos firmes dela com um sorriso enquanto acenada em adeus pro fotógrafo, que retribuiu o aceno com um curioso sorriso singelo.

Aline guardou a câmera na bolsa e caminhou pra fora da delegacia. O jovem imaturo estava fora da cadeia, assim como o nome da sua empresa estava livre de cair em jornais e revistas populares. O único fotógrafo ao redor da situação pago e fora do jogo e agora ainda tinha tempo pra voltar pra empresa e apresentar suas propostas nos últimos minutos com os associados.

-Então você é a nova bonequinha do Arthur? – Ouviu uma voz masculina soar e respirou fundo antes de olhar a figura masculina por cima dos ombros.

-Não acho que me cabe tomar o seu espaço. – Ela respondeu simplesmente voltando a caminhar para o carro enquanto ouvia uma gargalhada e em segundos ele estava ao seu lado.

-Acha mesmo que eu sou um brinquedinho do meu irmão? – Rafael perguntou e agora os dois estavam já no estacionamento caminhando sob a direção dela.

-Do mais nocivo por sinal, não dá nenhuma vantagem e ainda tem um custo absurdo. – Aline comentou ríspida usando a chave pra destrancar o carro, não tinha tempo pra perder agora. Ou nunca, pra dizer a verdade.

-O custo não é pra ele, é pra empresa da minha família. É o meu dinheiro também então não tem nem... – Ela abriu a porta do carro e quando ele esperava terminar a frase ela bateu a porta sem o mínimo receio.

Quando ele a ouviu ligar o carro percebeu que a morena literalmente daria partida sem ele, era muito irritante mesmo. O ignorava, ofendia, interrompia, e ainda tentava ir embora sem a mínima satisfação. Nem pensou duas vezes antes de dar a volta no carro e abrir a porta do lado do passageiro e entrar no carro sob um arquear de sobrancelha da jovem.

-Qual é o seu problema? – Ela perguntou desistindo de dar partida olhando-o com uma expressão confusa, diferente da impassível de sempre.

-Meu problema? Você é quem bateu a porta na minha cara enquanto eu ainda tentava falar! Ninguém nunca, nunca foi tão rude assim comigo! – O loiro exasperou com palpável irritação.

-Desculpa se eu não tenho tempo a perder com alguém como você.

-Alguém como eu!? Nem vou perguntar o que quer dizer com alguém como eu!

-Sai do meu carro. – Aline tentou finalizar a conversa apontando a porta enquanto ele encostava no banco como se provocasse a paciência dela. – Agora.

-Não. – Ele rebateu fechando a porta.

Aline respirou fundo lembrando de todo o autocontrole que nunca perdia. Se o imbecil queria ficar no carro. Problema dele. Não ia perder uma oportunidade como a que a esperava por causa de um inútil que era o motivo de tudo aquilo ter começado.

Ela deu partida no carro sem mais uma palavra. Ele esperava uma discussão e não sair no carro dela. Ele nem sabia do dele. Que diabos estava fazendo? Seu bebê podia estar perdido e com frio perdido no em um depósito úmido e mal cuidado do departamento de trânsito. Aquilo não.

-Espera! Meu Lamborghini eu não sei o que aconteceu com ele! – Rafael comentou com certo desespero olhando pela janela vendo que eles já estavam quase saindo do estacionamento.

Ela freou o carro se sentindo agraciada pelo fato de que ele deixaria o carro e ela não precisaria tê-lo como acompanhante na volta pro trabalho.

-Se eu for ver o que aconteceu você espera pra me dar carona de volta? – Ele perguntou usando um tom de voz gentil pra que ela se rendesse a seus encantos.

-Não.

-Como assim não? Eu não tenho nem dinheiro pro táxi! E meu bebê não está em condições decentes pra andar por aí. – Rafael explicou choroso na intenção que ela entendesse a situação, mas a expressão continuava a mesma. – Tudo bem, eu pego depois...

Ela continuou parada por alguns segundos na esperança de que ele descesse. Enquanto se perguntava que tipo de pessoa depois da pré-adolescência ainda dá apelidos pra coisas inanimadas como carros.

-Eu vou com você, o Arthur vai querer falar comigo mesmo então... – Rafael comentou dando os ombros enquanto ela a contragosto dava partida novamente.

Saíram finalmente do estacionamento entrando em uma via principal enquanto um silêncio acalentador pra ela e torturante pra ele se fazia presente no carro.

-Obrigada por me tirar e por comprar o fotógrafo... – Ele começou tentando proporcionar um diálogo civilizado.

-Não precisa agradecer. – Ela comentou e ele sorriu com o primeiro momento gentil que presenciara vindo dela. – Nada do que eu fiz foi por você, só me preocupo com a W&L. – E o sorriso se desfez.

-De qualquer jeito valeu pela carona... – Ele tentou novamente em um fio de voz.

-Não estaria aqui se eu não tivesse uma reunião importante que me dá pouco tempo pra perder te expulsando.

-Grossa... – Ele murmurou encostando no banco fazendo-a balançar a cabeça negativamente sem se preocupar em responder. E na intenção de preservar os minutos de silêncio fazendo-o durarem mais ligou o som ouvindo novamente o cd que a acompanhara no caminho a delegacia.

-Que tipo de pessoas ouve música clássica no carro? – Ele perguntou horrorizado avançando no aparelho eletrônico e colocando em uma rádio qualquer que tocava um rock pop britânico.

-Civilizadas. – Ela afirmou fazendo o mesmo que ele tinha feito, voltando pro CD que tocava uma das sinfonias de Bach.

-Motorista cuida do volante e eu me responsabilizo pelo som, tá bom? – Ele retrucou voltando a rádio que agora tocava uma música de Franz Ferdinand, que pra infelicidade da jovem ele sabia a letra.

-É o meu carro e eu nem vou discutir. – Aline respondeu estendendo a mão sendo impedida pela dele que segurou firme a dela.

-É “Take Me Out” – Ele argumentou como se falar aquilo a fizesse relevar alguma coisa.

O som forte de uma buzina ao lado fez ambos voltarem à realidade e Aline perceber que estava fora da faixa. Ela voltou ambas as mãos ao volante e a atenção a via. Ela nunca perdia o controle e deixava algo como aquilo acontecer.

-Viu? Foi por isso que eu disse que o motorista dirige e o acompanhante se responsabiliza pela trilha sonora. – Rafael provocou com um sorriso ao perceber a feição frustrada dela.

-Cala a boca, Wainer. – Ela soou fria e visivelmente irritada, mas não mudou a radio. O que o fez ficar satisfeito o suficiente ao ponto de não discutir.

Aline agradeceu o fato dele não conversar no resto da viagem, mas não teve o prazer de ficar sem ouvi a voz dele. O babaca sabia a letra de todas as músicas que tocavam naquela rádio de cultura pra massa. Se é que podia se chamar aquelas músicas assim.

-Oasis. – Ele falou como uma criança emocionada fazendo-a bufar pela quinta vez em menos de trinta minutos. – Não importa o que digam, eles não são nada sem o Noel, não acha? Muita petulância achar que o Liam era...

-Mais uma palavra. – Ela interrompeu seca. – E o som do tráfego é a única coisa que vai ouvir daqui até a empresa.

Rafael engoliu seco dando os ombros, estava bom com ela ignorando o rádio e desistindo de trocar de volta pra Bach. Então ia simplesmente respeitar uma coisa pra conseguir outra, e de qualquer jeito eles já estavam quase na empresa.

Assim que ela estacionou na garagem da sede da empresa ambos saíram do carro, satisfeitos por não terem que passar mais tempo um com o outro. Ela não precisaria, mas ouvir as músicas de péssimo gosto acompanhadas pela desafinada voz dele. E ele não precisaria mais aturar a brutalidade e mau-humor de um desperdício de beleza. Que era a visão que ele tinha dela agora.

-Não sei como é que aturam alguém tão chata e bruta como você. – Ele comentou batendo a porta do carro. – Já ouviu falar em delicadeza? Charme? Ago do tipo?

Ela arqueou a sobrancelha com a bolsa nas mãos, batendo a porta e trancando o carro. Como ele era patético.

-Deixo isso tudo pra pessoas como você. Acéfalos precisam de alguma vantagem social. – Aline retrucou caminhando pra onde ficavam os elevadores e ele acompanhava justificando que iam pro mesmo lugar.

-Não que eu saiba o que acéfalos significa. Mas coisas como essas é bom pra todo mundo.

-Não sabe? Isso não me surpreende já que esse era o meu ponto na frase. Mas não se preocupe porque ela foi retórica, ai, vou tentar parar de usar essas palavras difíceis que você não sabe o que significa.

-Eu sei o que é retórica. – Ele emburrou cerrando os olhos pra ela enquanto chamavam o elevador, que assim que abriu a porta mostrou que não caberia mais que uma pessoa ali.

Aline nem pensou duas vezes antes de entrar e ver a porta fechar com a figura masculina imóvel do lado de fora. Agradeceu mentalmente quando viu a porta fechar e a Rafael desaparecer. Enfim, era o primeiro e ultimo contato que queria ter com um mimado infantil como ele.