Bianca terminava de recolher todos os papéis que não seriam mais necessários no escritório da sua superior. Os levaria pro porteiro que sempre entregava os papéis a um grupo de universitários que haviam criado uma ONG em um depósito abandonado da cidade.

Eles recolhiam todos os papéis de grandes empresas como a W&L e reciclavam já que a reciclagem de papel era a menos complicada, e mão de obra era o que não faltava com a quantidade de catadores sem uma renda fixa em uma cidade grande e populosa como aquela.

Olhou pro bloco de notas antes de sair tendo certeza que não tinha esquecido nada, já que ia descer até o térreo melhor que já aproveitasse pra almoçar na lanchonete do outro lado. Não comia na própria empresa, além do refeitório ser ruim era um valor absurdo.

Arthur continuava na reunião e Aline havia desaparecido de repente, o que até agora era algo curioso pra ela. Já que nem mesmo se estivesse com pneumonia ao nível de tossir pedaços de pulmão ela faltaria. Imagina sair antes mesmo de começar uma reunião de associados.

Pegou todo o material que não seria mais utilizado e terminou de colocar no carrinho de manutenção deixando sua mesa, mas não sem antes colocar um chiclete na boca, não era a frieza, o maltrato ou até mesmo os comentários sobre a incompetência dela. O que realmente incomodava em trabalhar pra Aline era não poder mascar chiclete. Afinal ela nem era recepcionista, era mais como uma assistente pessoal da morena mais velha.

Andou com o carrinho até o elevador de serviço já que não daria pra passar com o que levava pelo social. Assim que a porta se abriu ela fitou uma figura masculina loira extremamente intrigante, não por ser lindo, o que realmente era. Mas por ser a cópia despojada do seu chefe.

Ela conseguiria facilmente confundi-lo com Arthur se não fosse pelos cabelos desgrenhados e o sorriso cativante que Arthur nunca esboçava.

-Sabe onde eu encontro o Arthur? – O ouviu perguntar ainda meramente fascinada, ele chamava o senhor Wainer pelo primeiro nome. O que significava que eles obviamente tinham alguma relação não profissional.

-B-bom...- Ela começou deixando o carrinho no meio da porta do elevador, fazendo com que alguns que estavam no elevador além de Rafael reclamassem. – Desculpa...

Bianca voltou o carrinho com ajuda de um sorridente Rafael, permitindo que o elevador partisse. Afinal que seria melhor que ela pra responder o que ele queria saber? Apesar de que ela realmente queria entregar aqueles papéis e almoçar antes que Aline voltasse. Porém, algo no jovem dizia que um atraso podia valer à pena.

-Ele está em uma reunião agora... – A jovem murmurou vendo o elevador deixar o andar em que estavam. – Não vai sair nos próximos trinta minutos.

-Putz... – Ele murmurou estressado. – Precisava falar com ele agora.

-Minha chefe me mataria se soubesse que eu entrei na reunião. – Bianca comentou explicando o porquê de não poder fazer nada. – Mas não vai demorar mais tanto assim, já ta quase no fim.

-Fazer o quê, né? – Rafael falou dando os ombros olhando pra ela e depois pro carrinho. – Trabalha na manutenção?

-Não... – Ela murmurou sorrindo. – Eu levo isso pra ser utilizado pra material reciclado, aí como não tenho suporte da empresa toda preciso fazer o pouco que posso com minhas próprias mãos.

-Que bonito. – O loiro murmurou se aproximando mais dela. – Adoro uma jovem com preocupação social.

-Ah que isso... – Bianca murmurou encabulada. – Isso é só...

O som do elevador parando no andar novamente interrompeu os dois. Vários funcionários da manutenção com carros como o dela com diferentes materiais esperavam lá dentro.

-Eu acho melhor eu... – Ela murmurou empurrando o carrinho pra frente em direção a porta aberta.

-Ah, claro! – Ele falou antes que ela continuasse abrindo espaço pra que ela passasse. – Eu ajudo!

-Obrigada!

Os dois entraram no elevador ambos ajudando com o carrinho. Rafael não tinha nada pra fazer mesmo, não ia ficar no andar da sala do presidente lendo revistas sobre negócios e olhando pra paredes brancas. Tédio era algo que não combinava com ele. Perseguir a jovem que cheirava a chiclete de tutti-fruti parecia mais interessante.

-Você disse minha chefe, não trabalha pro Arthur?

-Não. Trabalho pra senhorita Lenox. – Bianca respondeu fazendo-o pensar a respeito, como se o nome o lembrasse algo.

-Ah! – Ele expressou lembrando. – Lenox do nome da empresa: Wainer & Lenox!

Ela sorriu com o entusiasmo que ele demonstrara ao descobrir algo tão óbvio. Se ele sabia do nome da empresa a relação com tudo aquilo devia ser bem maior do que ela imaginava.

-Achei que depois da morte do Roman a família Lenox venderia suas ações.

-Não. A filha do meio assumiu.

-Entendi.

-E você? É amigo do Arthur?

-Eu do Arthur? – Rafael perguntou rindo em deboche. – Nem em um milhão de anos. Sou obrigado a conviver com ele pelo bem da família.

-Você é... – Ela começou fazendo a mesma expressão pensativa que ele tinha minutos antes.

-Rafael Wainer. – O jovem comentou enquanto ela dava um tapa na própria testa por não ter pensado nisso antes. Afinal a semelhança entre ele e Arthur era gritante.

O som indicando que já estavam no térreo chamou atenção dos dois. Ambos saíram do elevador concentrados no carrinho em direção ao porteiro.

-Você disse seu nome e eu nem me apresentei. - A morena murmurou enquanto alcançavam o porteiro. – Meu nome é Bianca, Bianca Marvin.

-Prazer Bianca. – Ele respondeu e a observou entregar o que tinha ao porteiro que guardou em um espaço pequeno que tinha no pequeno espaço que ele tinha ali.

-Não acha que vai atrapalhar ficando ali? – Ele perguntou quando os dois deram as costas ao porteiro.

-Os universitários da ONG passam aqui ainda hoje. É tudo bem organizado.

Rafael assentiu.

-Vai voltar e esperar agora? – Ela perguntou já fitando a lanchonete que serviria seu almoço. – Aliás, obrigada pela ajuda.

-Ah por nada... – Ele respondeu com outro sorriso que agora ela acreditava fazer parte dele, não o via sem a expressão cativante. – Não quero esperar em uma sala chata com sofás desconfortáveis, e você? Não vai voltar?

-Vou comer... – Bianca murmurou apontando a lanchonete do outro lado. – Quer vir?

-Não tenho dinheiro nem pro café.

-Você é um dos donos da empresa que eu trabalho, te compro um cookie.

Os dois riram enquanto ele assentia com a cabeça, atravessaram a rua rindo em direção a pequena lanchonete que não servia nem de perto o melhor café da cidade. Eles agora conversavam como velhos conhecidos falando sobre assuntos que ambos entendiam. O tédio de trabalhar em uma empresa como aquela, apesar dele nunca ter feito isso necessariamente, e muitas outras futilidades.

~-~-~

Aline saiu do elevador sozinha. Os que trabalhavam naquele andar estavam naquele momento na reunião mais importante do trimestre, que ela teria o desprazer de entrar sendo vista como a mais impontual.

Não importava, pelo menos tinha feito o que devia fazer e resolvido tudo antes que não sobrasse mais tempo pra exibir sua proposta. Pelo menos foi o que pensou até alcançar a sala oval, que pro seu martírio estava quase vazia.

-Eu realmente sinto muito. – Ouviu uma voz masculina soar lutando pra manter o foco e não se mostrar irritada, com tudo o que ela sabia estar acontecendo. – Acabou há dez minutos, mas eu fiquei te esperando.

Ela virou na direção dele e não disse nada. Ele tinha uma expressão preocupada enquanto buscava alguma frustração na dela. Arthur sabia o quanto aquela reunião era importante pra ela.

-Eu sei que deve estar chateada no momento, mas eu...

-Não estou interessada sua compaixão. – Ela interrompeu colocando abrindo a bolsa e tirando alguns papéis. – Aqui estão os documentos que eu peguei na delegacia, e isso é só. Eu sabia que corria o risco disso acontecer.

-Ainda assim eu quero...

-Não estou interessada Wainer. – Aline interrompeu novamente colocando os papéis em cima da mesa dele e fazendo menção de se retirar.

-Nem que o que eu tenha a falar, te leve a presidência da empresa?

Ela parou e olhou atenta pra ele.

-Estou ouvindo.

-Conheceu o Rafael? – Ele perguntou fazendo-a erguer ambas as sobrancelhas mostrando que aquilo era óbvio que sim. – O que achou do caçula?

-Vamos dizer que eu mudei minha opinião sobre te considerar o membro mais repulsivo da família Wainer.

Arthur riu com o comentário enquanto Aline olhava impaciente, tentando entender qual era o propósito dele com aquela conversa.

-Nunca consegui fazer o Rafael passar mais que uma semana dentro dessa empresa.

-O que eu tenho haver com seus problemas com seu irmão demente?

-Se me ajudar a fazer com que ele se torne sócio e tome conta das próprias ações. – Arthur começou vendo que ela ouvia cada palavra buscando qual seria a vantagem dela naquilo. – As ações da minha família vão ser divididas em duas partes iguais.

-Nem imagino o tipo de ambiente que ele tornaria essa empresa. Seria...

-Você seria a sócia com o maior número de ações. Seria a associada sênior.

Aline ia rebater por ter sido interrompida, mas as palavras dele pareceram mais importantes. Ela seria a presidente da corporação. Mas e o garoto? Ele era irresponsável, idiota, mimado, cantarolava demais, falava demais e ainda por cima não era um exemplo de inteligência. Mas porque diabos ainda estava cogitando? A presidência era o que ela queria mais que tudo!

Que se dane o jovem Wainer e seus caprichos, todo animal selvagem pode ser domesticado. E ele seria um facilmente controlado não precisava ser um funcionário de vantagem, era só fazê-lo cumprir horário e aparecer simplesmente.

-O que eu preciso fazer?

-Tudo. Ele vai trabalhar com você.

-Eu não trabalho com ninguém.

-Então o faça trabalhar pra você.

Aline assentiu com a cabeça imaginando como seria tudo aquilo. De qualquer jeito não importava, alguns meses tratando do animal e em pouco tempo a presidência seria sua.

-Adoro fazer acordos com você.

-Porque eu sempre aceito os mais vantajosos?

-Não. Porque você nunca desiste diante do mais asqueroso dos desafios. E o Rafael, bom, melhor deixar que você mesmo descubra.

-Todo animal selvagem pode ser domesticado. – Ela informou antes de deixar a sala. Não tinha certeza do que estava fazendo ainda, mas por fim. Os fins sempre justificavam os meios.

~-~-~

Bianca respirou longamente olhando ao redor. A lanchonete estava lotada por estar no horário de almoço, e o jovem loiro a sua frente não parava com o olhar travesso. E por fim ela decidiu que aquilo seria uma coisa aceitável de se fazer, uma coisa que adorava afinal.

-Eu não acredito! – A morena gritou chamando a atenção de alguns que almoçavam. – Podia ter sido com uma loira qualquer, até uma ruiva! Mas meu primo? Como pôde?

Rafael se concentrou pra não rir percebendo todos os olhares sobre ele, a própria companheira de almoço se mostrava bem sério. Se ela boa naquilo, ele tinha que se mostrar melhor ainda.

-Mas... mas eu não sabia... tinha bebido muito vinho e... – Ele forçava parecer confuso e agora quase todos na lanchonete olhavam pros dois que não tentavam em nada manter o tom baixo. – E eu não tenho culpa de seu primo se apaixonar por qualquer cara que ele passa a noite!

-Seu descarado! – Bianca gritou de volta tentando não rir com todos os olhares curiosos e chocados. – Nem enquanto conversa comigo consegue me olhar! Acha a bunda do garçom mais interessante seu devasso?

O pobre jovem que servia café na mesa ao lado acabou por derramar o líquido preto que servia com o choque da declaração da moça, ele não via a discussão por estar de costas. Mas como todos no estabelecimento, ele ouvia tudo claramente.

Bianca e Rafael se concentraram ao máximo pra não rir, e agora o olhar de todos se encontravam no pobre garçom que agora corria pra buscar um pano e limpar a mesa, enquanto murmurava eternos pedidos de desculpas ao cliente. No momento alguns riam e outros se mostravam mais chocados ainda.

-Porque dormiu durante meses comigo se nem era do meu tipo que você gostava?! – Ela gritou agora mais revoltada do que nunca, estava enfim entrando de vez na personagem. – Meu primo ainda me liga e pergunta de você, como acha que eu consigo lidar com isso?

-Não tenho culpa de ter um charme extravagante pra ambos os sexos boneca. – Rafael comentou dando os ombros se surpreendendo quando ela se levantou.

-Boneca é no que você transformou meu primo, seu imprestável! – Bianca gritou como se finalizasse a conversa atacando ele com um tapa no rosto antes de sair.

Ele nem soube mesmo o que dizer com o tapa, que nem tinha sido tão leve e começou a segui-la pra fora do estabelecimento também. Não importava a dor, ela tinha finalizado tudo de uma forma brilhante.

-Ouvi alguém dizer: “Esse mundo tá perdido mesmo”... – Ele comentou quando a alcançou atravessando a rua começando a rir.

-Espera entrar no prédio, alguns ainda podem estar olhando e não podemos perder o clima agora. – Ela murmurou e ele assentiu desfazendo a expressão risonha assim como ela e ambos caminhando de volta pra empresa.

Assim que entraram no saguão principal explodiram em gargalhadas assustando todos os que entravam e saiam da “W&L”. Eles mal se olhavam enquanto caminhavam pro elevador gargalhando da cena que tinham feito poucos minutos antes.

~-~-~

Aline caminhava em direção a ala de alimentação da empresa quando um par de vozes conhecidas invadiu o corredor. Ela respirou fundo desejando que aquilo não estivesse acontecendo. Bianca já era uma inútil sozinha, imagine o que seria se a voz que acompanhava a dela fosse realmente a de quem ela estava pensando.

-A melhor parte foi quando ele derrubou o café. – O loiro comentou rindo alto enquanto ele e Bianca saiam do elevador.

-Ele não sabia se limpava, se ficava envergonhado ou se limpava a sujeira que tinha feito na mesa. – Ela continuou enquanto ambos não interrompiam os risos.

-Bi, eu confesso que eu sou bom nessas cenas, mas você é simplesmente... – Ele parou de falar ao ver que a gargalhada dela tinha parado de soar, e a expressão dela olhava apreensiva para algum ponto na sua frente.

Rafael levantou o olhar fitando uma figura que esperava não encontrar novamente. A louca mal-humorada da carona, ele merecia mesmo algo como ela estragando o clima.

-Que bom que vocês se reconheceram como da mesma espécie e já se comunicaram na sua língua singular. – A morena mais velha começou enquanto Bianca pensava em uma desculpa pra dar e Rafael em rebater a que sabia que ia ouvir. – Mas eu não me importo com nada além da sua incompetência Marvin.

-Você também não precisa falar assim com ela, eu acho que educação é algo...

-Não me importo com o que você acha Wainer. – Ela interrompeu fazendo-o cerrar os olhos. – Na minha sala agora Bianca.

-Ela trabalha pra você? Você é uma Lenox? Achei que fosse...

-Eu canso da quantidade de “Eu acho” que saem da sua boca. Tenho que pensar em alguma forma de te tornar menos irritante.

Ele arqueou a sobrancelha sem entender o que ela queria dizer com aquilo. Enquanto via Bianca acenar em despedida e ir pra uma sala um pouco mais a frente.

-Fala como se tivesse que conviver com minha irritação, que na verdade eu não acho que quando se trata de nós dois ela venha de mim. Aliás, eu te acho a mulher mais hostil que eu já tive o desprazer de...

-Como sempre eu não tenho tempo pras suas asneiras. – Ela interrompeu virando de costas. – E quanto a conviver comigo devia ter uma conversinha logo com seu irmão.

Rafael tentou segui-la e perguntar o que aquilo significava, mas aparentemente a sala do irmão era do lado da dela. E por mais imbecil que ele achasse o irmão, ainda não se comparava com o que achava da morena irritante que acabara de entrar na sala que Bianca tinha entrado minutos antes.