Opostos

A Amizade.


Capítulo IV – A Amizade

“Como dois estranhos, cada um na sua estrada,

Nos deparamos numa esquina, num lugar comum.

E aí, quais são seus planos? Eu até que tenho vários!

Se me acompanhar, no caminho eu posso te contar...”

Tiê – Dois

Assim que entrei no carro do professor Cullen, eu tive certeza que havia cometido um erro. Meu Deus, seu carro era... Extremamente cheiroso. Como um ambiente climatizado com o seu próprio cheiro personalizado. Eu ri internamente dos meus pensamentos bobos. Não é estranho quando percebemos que cada um tem um cheiro característico e que só não percebemos o nosso por estarmos acostumados demais com ele? Bem, não importava no momento. Eu havia sentido o cheiro do professor de Claire e era melhor do que eu imaginei. Eu imaginaria como não seria interessante senti-lo mais perto dele. Durante um beijo, ou quem sabe algo mais íntimo? Ah, meu Deus, Isabella! Pare já com isso! Ele é professor da sua sobrinha e está apenas dando-lhe uma carona porque ficou com pena da sua situação perante à família. Pare de pensar promiscuidades! Como se fosse fácil perto de Edward.

–Eu agradeço muito a carona, mas você não tinha que me levar em casa por pena, professor. E a propósito, é virando aquela rua ali, à direita. –Minha voz saiu mais tremida do que eu queria, mas não dei importância.

–Isabella, eu não estou dando uma carona a você por pena. Sua família é extremamente desagradável, com exceção de Claire e talvez do pai dela. Sua irmã e mãe são terríveis. Você sabe que não tem que aguentar os desaforos que aguentou essa noite, não sabe? É uma mulher adulta e independente. Não tem motivo para se humilhar a esse ponto. –Ele parecia bravo, e eu me encolhi um pouco no banco do passageiro. Afinal de contas, por que ele estava tão irritado? A situação nada tinha a ver com ele.

–É em frente aquele prédio ali. –Apontei. –E quando à minha família, professor...

–É Edward. Você pode me chamar de Edward, Isabella. Sem formalidades, por favor. –Oh, bem. Eu nunca me acostumaria com aquele homem pronunciando meu nome inteiro daquele jeito.

–Edward, a minha família é complicada. Eles queriam que eu tomasse um caminho e eu peguei outro. Eu tenho consciência de que tenho que arcar com as consequências da minha decisão. –O carro parou à frente do meu prédio e eu me perguntei mentalmente o quão mal educada o professor Cullen me acharia se eu simplesmente abrisse sua porta e saísse correndo dali. Provavelmente, era melhor eu esperar a nossa conversa chegar ao fim.

–Consequências da sua decisão, certamente. Contudo, insultos da sua mãe e irmã com certeza não estão incluídos nas consequências, Isabella. Por favor, acredite em mim. Eu passei por isso, eu me senti tão mal quanto você provavelmente está se sentindo agora, mas não adianta, tudo bem? Eu sei que é horrível e parece que você está sozinha e que todo mundo te vê como um nada insignificante, mas acredite em mim, nada disso importa. É a sua vida. Você sabe o que é melhor para si. E sabe o que mais? Vai valer a pena no final de tudo isso.

Sua voz estava tão passional e determinada no início que foi automático: eu me virei no banco do passageiro, querendo mais do que tudo olhar para ele enquanto ele me dizia aquilo. E eu olhei, assim como ele me encarou também. No fim, seus olhos estavam nos meus e eu não sabia nem mais como se respirava. Eu não sabia o que responder porque, sinceramente, muitas pessoas poderiam dizer que entendiam minha situação, mas nenhuma poderia descrever melhor: eu me sentia sozinha e insignificante. Eu sentia tanta falta da minha família. Do meu pai. De ser apoiada incondicionalmente em minhas decisões e, principalmente, sentia falta de ser amada. Meus olhos lacrimejaram e eu quase me envergonhei daquilo, mas não consegui. Sem pensar, aproximei-me o quanto pude de Edward no espaço limitado do carro e lhe dei um abraço. Foi apenas espontâneo. Eu queria mostrar-lhe gratidão pelas suas palavras tão delicadas e importantes pra mim. Eu não fazia ideia do porquê ele se importava mas, bem, ele parecia se importar, e eu estava grata por isso, porque ninguém nunca tinha se importado antes.

–Obrigada. Suas palavras significam muito para mim, Edward. –Relutante, eu me afastei dele, sabendo que talvez aquele abraço não tivesse sido tão confortável para ele.

–Só quero que você me prometa que irá tentar se impor mais, Isabella. Eu sei que não tenho nada a ver com isso, mas por favor... Eu me importo com você, porque não quero que ninguém se sinta do mesmo jeito que eu me senti. Eu tive meus tios para me ajudar a superar, mas pelo que vejo, você não tem ninguém além de Claire, então, por favor... Sinta-se à vontade para me procurar, e contar comigo sempre que quiser. É a sua vida, você já saiu de casa. Não deixe mais que elas controlem você.

–Eu só tenho medo. Medo de que eles possam ter razão no final. Edward, todos os dias eu vou pra um estágio numa editora medíocre e depois de lá eu vou pra faculdade e dou o melhor de mim para fazer ambas as coisas direito. Eu saí de casa, mas a que custo? Eu tenho que controlar os gastos para poder levar Claire no Mc Donald’s uma vez por mês, pelo amor de Deus! Eu queria fazer mais, mas não consigo. Ao mesmo tempo que eu tento dar o meu melhor e nunca parece o suficiente. Eu só queria que a minha mãe tivesse orgulho de mim assim como ela tem de Rose. Quer dizer, eu sei que não tem comparação, Rose é linda, é bem sucedida e tem a vida de uma propaganda feliz, porém, eu só queria um resquício de afeto delas. Uma aprovação. Eu só estou seguindo meus sonhos, mas não me parece tão gratificante agora, se o preço a se pagar for a solidão.

Eu não sabia o motivo de estar desabafando com um desconhecido. Certo, ele não era um desconhecido, era o professor da minha sobrinha, o que só deixava a situação três vezes mais esquisita. Entretanto, ele havia dito que se sentiu assim também. E eu necessitava desesperadamente de alguém para conversar. Eu nem tinha amigos. Havia Victória, mas ela estava longe demais a trabalho. Na Austrália, eu acho. Não era como se eu tivesse tempo e dinheiro para ligar para lá e chorar meus problemas em cima da mulher.

–Isabella, olhe para mim. –As mãos de Edward me surpreenderam quando tocaram meu rosto delicadamente. Ele queria que eu olhasse para ele com aquele gesto, mas suas mãos sobre minha pele causaram-me uma estranha e nova sensação de calma. E prazer. Embora eu nunca fosse admitir isso em voz alta. Fazia um tempo que eu não era tocada por alguém, mesmo minimamente como Edward fez. Minha vida se resumia a trabalho e estudos. Eu era uma mulher extremamente entediante, eu sei. Mas quem pode me culpar, afinal?! Suspirando baixinho, eu foquei meus olhos nos olhos do professor Cullen, assim como ele pedira. Eu me surpreendi com a intensidade de seu olhar. Ele parecia nervoso e até mesmo desesperado, como se quisesse me dizer algo e não soubesse como. Aquele homem olhava para mim e parecia enxergar além. Além da menina mulher confusa e solitária que estava à sua frente agora. Eu queria ficar intimidada com isso e simplesmente acabar com o nosso contato visual, mas não consegui. –Você e sua irmã são pessoas diferentes. Você é tão ou mais bonita quanto ela. Não faça isso o que está fazendo, não se culpe pela situação. Os pais devem apoiar os filhos incondicionalmente, mas alguns são egoístas ou imaturos demais para aceitar o fato de que os filhos tomam suas próprias decisões, pois têm as próprias vidas. Sua vida não é uma extensão da vida da sua mãe, e isso não é um problema, é perfeitamente normal. Você saiu da sua zona de conforto e está lutando por seus sonhos. Não me leve a mal, mas você não pensou que seria fácil, não é? É assim mesmo. Agora parece difícil, quase impossível. Entretanto, a experiência vale a pena. Não é o que você quer? Ser professora?

–É.

–Então vá atrás do que você quer como está fazendo. E só pare quando puder dizer que conseguiu. Depois, esfregue na cara o seu sucesso na cara de todos os invejosos que não aceitaram suas decisões. Vai valer a pena, Isabella. Eu prometo.

Poderia ser que não valesse, poderia ser que sim. A questão é que não importava no momento, porque os olhares de Edward me passavam confiança. Pela primeira vez na vida, eu não me senti sozinha. Pela primeira vez na vida, eu soube que estava fazendo o certo. Eu tomei a decisão certa saindo de casa, e eu não iria voltar atrás. Eu não cometi um crime e eu não toleraria mais os insultos da minha mãe. A verdade é que eu era uma masoquista de merda, achando que mesmo que ela me insultasse, aquilo seria melhor do que nada. Afinal, gritando ela ainda estava falando comigo, e não apenas me ignorando friamente como sempre.

–Obrigada, Edward. Você me ajudou muito esta noite com suas palavras. É sério, muito obrigada. –Senti meus olhos ficando embaçados e respirei fundo, rapidamente desviando o olhar. A noite já tinha sido conturbada demais, Edward não precisava ter a imagem de mim chorando em seu carro. Seria constrangedor.

–Não agradeça. Só estou fazendo o que queria que tivessem feito por mim, como disse. E além do mais, você é especial. Nunca poderia deixá-la pensando tão mal de si mesma quando você não tem culpas de nada. –O professor Cullen sorriu torto para mim e meu coração perdeu uma batida, ao mesmo tempo que eu sentia as já conhecidas borboletas se agitarem dentro de mim.

Bem, eu sempre tive uma teoria sobre professores de matemática serem feios e intragáveis, mas Edward estava se mostrando exatamente o oposto. Era uma surpresa para mim. Uma boa surpresa, eu acho.

Depois de uns segundos, eu percebi que estava sorrindo olhando para ele. Sem falar nada. Ainda em seu carro. Ele acompanhava meu olhar, e sorria também, mas acho que esta era a minha deixa de ir embora. O professor deveria querer ir para casa depois da noite decepcionante que teve.

–Você disse à Claire que queria falar comigo, mas não falou. Bem, não sobre o que queria inicialmente. –Comecei tímida. Talvez eu devesse deixar para lá, contudo, minha curiosidade falou mais alto.

–Na verdade, isso vai soar estranho, mas... Eu não tinha nada muito importante para falar para você. Só queria lhe ver, e dizer que, Bella, você acha que não faz muito por Claire, mas faz. Ela não passaria na minha prova se você não tivesse a ajudado, até por que, pelo que observei hoje, ninguém mais ajudaria. Você se importa com ela. Pode não comprar os melhores brinquedos no Natal, mas dá a ela a coisa mais importante que você tem: o seu tempo. Essa é a maior prova de todas de que você está, sim, fazendo o seu melhor. A maior prova de todas de que você é diferente de sua mãe e irmã. Você é incrível, e não tem que mudar para agradar ninguém. –Edward esperou por uma reação minha, que não veio. Eu estava chocada demais com seu discurso para agradecer ou falar alguma coisa, então, ele prosseguiu, agora meio tenso por eu não ter respondido nada. –Então, era isso. Só queria agradecer por você ter ajudado minha aluna. Ela também é especial e tem grande capacidade. E lhe peço desculpas. Superestimei sua capacidade no dia em que nos conhecemos. Disse que você não deveria saber nada de matemática, contudo, vejo que me enganei.

Eu ri alto, controlando-me para não abraçá-lo outra vez. Por que ele estava sendo tão carinhoso e prestativo comigo? Era surreal e impressionante demais para ser verdade.

–Na verdade, eu tive que procurar no Google sobre equações de primeiro grau porque simplesmente não me lembrava de nada. Você não me superestimou, porém não gosto que duvidem da minha capacidade, professor Cullen. –Pisquei para ele, que soltou uma risada adorável. Deus, seus lábios pareciam tão convidativos, ainda mais quando ele os entreabria daquele jeito e repuxava-os em um sorriso sexy. Merda, eu queria beijá-lo. Agora. Entretanto, o professor com certeza não queria a mesma coisa. E com certeza ele teria uma namorada esperando por ele agora mesmo.

–Lembrar-me-ei disso da próxima vez que pensar em provocar você, Srta. Swan.

Próxima vez. Meu sorriso aumentou quando ele proferiu as duas palavrinhas. Talvez não significasse nada, mas eu queria muito que significasse. Talvez nós dois pudéssemos ser amigos. Talvez ele se sentisse tão bem ao meu lado quanto eu me sentia ao lado dele.

Pingos grossos de chuva começaram a bater contra o vidro do carro. Isso me fez lembrar que o professor Cullen estava sem guarda-chuva por minha causa. Talvez essa fosse a hora certa para devolvê-lo.

–Está chovendo. Desculpe-me por ainda não ter devolvido seu guarda-chuva.

–Esqueça. –Ele sorriu novamente. –Eu tenho um carro, quase não uso aquele objeto. Você e Claire precisavam bem mais.

–Bem, mas agora não precisamos. Você quer... Entrar? Assim eu posso lhe devolver o guarda-chuva ainda hoje.

Eu sabia que aquilo não fazia sentido nenhum. Até ele descer do carro, Edward se molharia e de nada adiantaria o guarda-chuva depois, por mais que estivéssemos à frente do meu prédio e não fosse uma longa caminhada. Aliás, o que eu tinha na cabeça para convidá-lo a entrar? Meu apartamento era minúsculo, não estava muito arrumado e ele provavelmente entenderia errado.

A quem você quer enganar, Isabella? Se ele entendesse pelo lado malicioso da situação, ele provavelmente não entenderia errado. É exatamente o que você quer desde que o viu pela primeira vez.

Merda. Minha consciência era tão irritante às vezes.

–Eu adoraria entrar, Isabella. Contudo, está tarde. Isso não vai prejudicá-la amanhã? –As borboletas em meu estômago se agitaram. Ele adoraria entrar. Ele falou meu nome daquele jeito. Ah, meu Deus, é claro que isso me prejudicaria pela manhã, mas quem se importava? Mais alguns minutos com aquele homem eram melhores do que uma noite bem dormida de sono.

–Não vai. E a você? –Novamente, seu sorriso torto apareceu.

–Nem um pouco. –Edward destravou as portas de seu carro e saiu dele, enquanto eu fazia o mesmo.

Não pude evitar soltar um sorriso feliz também. Não sabia que nome eu poderia dar a nossa estranha relação, contudo, eu apostava algumas de minhas fichas que tínhamos tudo para sermos bons amigos.

E eu estava adorando a minha nova amizade com o professor lindo e doce da minha sobrinha.