Capitulo um

Não dormia desde aquele dia, o dia que entrou nas profundezas daquela cidade, ainda podia sentir seu tênis coberto de muco, a sensação de ter aquela água cinza cheirando a merda em sua calça. Podia sentir tudo aquilo junto de si em sua cama, virando- se de um lado para o outro e repetindo a mesma cena de todas as noites: aquele fatídico dia de chuva, o barco de papel, frágil e veloz naquelas correntezas fortes e grossas de água, atraindo o garoto da capa de chuva amarela; seu braço é atraído até aquele bueiro escuro, o cheiro forte de sangue e lixo saia daquele buraco de ratos, ele não queria mas a voz que saia de lá era hipnotizante, de repente tudo fica escuro e um som alto, como um animal, um monstro pode ser ouvido.

Bill acorda no pulo, seu corpo inteiro coberto de seu suor frio, olhava para os lados no meio daquele breu que sumiu por alguns instantes pela iluminação de um forte relâmpago; era a terceira vez que aquilo acontecia na semana, o mesmo pesadelo, as mesmas sensações, como se ainda estivesse preso nas redes de esgoto de Derry, mas acima de tudo, ainda sentia aquele hálito quente em seu rosto, o forte cheiro de sangue e podridão que vinha naquela boca pintada e cheia de dentes afiados, com sua saliva áspera e escorregadia saindo a cada rosnado. Encarar a Coisa nos olhos aquele dia foi o mesmo de encarar o fim de sua vida, o garoto Denbrough ainda podia sentir o peso daquela criatura sobre seu corpo magro e frágil, lutando por sua vida. Começou a refletir sobre seu sonho, o mesmo de todas as noites, e de tanto refletir sobre, percebeu algo, não era George que estava correndo com sua capa de chuva, mas sim Bill, sua culpa corria vestida naquela capa amarela molhada, ele que perseguia o barco e ele era morto pela Coisa; o garoto começou a ficar tonto, sentiu sua temperatura aumentar, tirou a camisa de seu pijama mas não adiantou, decidiu então ir ao banheiro lavar o rosto. Viu o corredor escuro e uma vaga lembrança de seu irmão veio-lhe a cabeça, no dia que também chovia e os trovões estavam carregados, estrondosos, George tinha medo deles e de atravessar o corredor para ir ao banheiro, então foi ao quarto de Bill e pediu que o acompanhasse, lógico que o maior foi com prazer junto do menor, o amor que Bill sentia pelo irmão era incondicional, mesmo que as vezes não demonstrasse; o garoto voltou a sua realidade, percebendo que estava muito tempo parado em sua porta e foi até o cômodo, usou o banheiro e foi lavar o rosto, se secou e ficou olhando para seu reflexo, mas algo de estranho aconteceu, seus olhos que eram azuis, por um instante ficaram alaranjados e depois voltaram ao tom normal; Bill deu um passo pra trás, a respiração ofegante pelo susto, uma risada alta ecoava pelo banheiro, familiar e odiada, voltou a olhar para o espelho e lá estava ele, a pior coisa que poderia ter pisado na Terra, os botões de pompons felpudos, rosto, roupas brancas, cabelo alaranjado em duas ondas laterais, aquele sorriso acompanhado de um balão vermelho reluzente, sorria para o menino, zombava dele, o chamava, o medo se espalhou por seu corpo, escondeu-se em baixo da pia, encolhido como um animal, tudo que conseguia ouvir naquele momento eram as risadas e a chuva que limpava a pacata cidade de Derry.