Pedalava Silver em direção à escola, sempre fora feroz ao pedalar sua bicicleta, gostava de sentir o vento invadir seu corpo até sua alma, como acariciava seus cabelos e como sussurrava em seu ouvido, mas essa manhã era diferente, o sono e o peso de suas olheiras lhe dominavam, o cabelo bagunçado, escondido no capuz de seu moletom vinho e cinza, a calça jeans acompanhando o movimento das pernas pedalando em um ritmo controlado a bicicleta, o garoto começou a lembrar no dia que venceu o diabo, no dia pedalara Silver pela primeira vez na ruas de Derry, escapando das garras de seu próprio fim e a vitoriosa sensação de liberdade invadindo seu peito, mas naquele momento cinza de sua vida, pensou que não sentiria coisa igual novamente; estacionou sua bicicleta junto das outras e já foi se dirigindo para sua sala, sem olhar para os lados, uma certa raiva, amargura podia sentir em seu coração de menino. A sala não estava tão cheia, as aulas logo acabariam sendo hoje o penúltimo dia.

Já podia avistar de longe Richie e Eddie discutindo, obviamente por algo que o boca de lixo havia dito, enquanto Stan apenas olhava e voltava a ler seu livro, Ben parecia escrever algo distraidamente sem perceber o que ocorria do seu lado; olha-los enchia o peito de Bill de gratidão, a sorte de tê-los sempre ao lado, ajudando a cumprir a meta de sua vida, sua vingança, tudo ainda era inacreditável para o garoto Denbrough, seria mais perfeita se Beverly ainda estivesse aqui, pensou ele, desde aquele dia conseguia sentir os lábios macios da ruiva contra os seus, a delicadeza e o sorriso que deu entre o beijo fora uma sensação gostosa, não dava para comparar aquilo com um simples beijo de uma peça da escola, havia sentimento nele, paixão e o gosto amargo de uma experiência traumatizante; começou a sorrir e pode sentir seu rosto ficar um pouco mais quente, se dirigiu ao seu lugar e ficou olhando para frente, o rosto um pouco pálido e doentio e o pesar nos olhos de noites mal dormidas chamou a atenção de seus companheiros:

— Caramba Bill, você está horrível. Parece que a noite com a mãe do Eddie não foi tão agradável – disse Richie

— Cala a boca seu merda. – Disse Eddie olhando Richie que mandava um beijo ao garoto que revirou os olhos

— Você está bem? – Stan pergunta deixando o livro de lado e Ben também começa a prestar atenção na conversa

— E-e-eu não d-durmo à três d-d-dias. Acordo e s-sinto d-d-dificuldade para adormecer n-n-novamente – Bill os olhava mas mal os enxergava, as faltas de sono estavam lhe pesando demais, se mantinha relutante para conseguir permanecer com os olhos abertos

— Será que está doente? Esse tanto de noite sem dormir, você pode ficar fraco e pegar uma gripe ou ela pode até aumentar e virar pneumonia ou pior... ou... ou – Eddie já estava com sua bombinha de ar na mão e pensando em mais oportunidades de seu amigo piorar

— Beep beep Eds – Disse Richie para o menor que o fitava com raiva e deboche

— Há há, muito engraçado e não me chama de Eds, sabe que eu odeio

— Ah, mas é isso que o torna mais fofo – Richie apertava as bochechas do colega que tentava o afastar, tornando aquilo uma guerra de cutucadas e empurrões

— Gente, acho que seria bom se medíssimos a temperatura dele – Finalmente Ben começou a participar da conversa

— Seria o ideal, mas onde encontraríamos um termômetro? – Disse Stan

— E se pedíssemos na enfermaria da escola? - Disse Ben

— Eles não permitem que os alunos peguem os instrumentos, da última vez um grupo de garotos pegou escondido e foi passando na boca de cada um do grupo, devolveram e depois de um semana quase a escola inteira estava com virose que contraíram de um deles – Stan terminou e Eddie, pálido, se medicava com sua bombinha além de um de seus comprimidos

— Então o que podemos fazer, não dá para leva-lo a enfermaria, está muito fraco – Disse Ben, e os garotos ficaram se entreolhando, menos Bill que sentia sua cabeça girar e uma dor em todo seu corpo.

— Esperem, eu tenho um termômetro na minha pochet – O menor pegou o instrumento e colocou na boca do amigo, esperaram uns dez minutos e enfim verificaram

— Meu Deus, Bill você está com febre alta – Eddie tentava visualizar melhor a temperatura, mas estava com dificuldade pela má iluminação da sala

— Espere, deixe-me ver – Stan pegou o termômetro e com muita dificuldade pode ver a temperatura do garoto Denbrough - Caramba, está com trinta e oito de febre, quase trinta e nove.

— Cara, acho melhor você ir para casa, tem que descansar – Richie, agora com um tom mais sério olhava para o rosto pálido do amigo

— Richie tem razão Bill, se ficar aqui pode piorar e até ir para o hospital – Disse Eddie, Stan e Ben apenas confirmaram com a cabeça

— E-e-eu não quero i-ir, não há n-n-necessidade, sério, e-eu apenas estou c-c-c-cansado – O garoto fez o máximo de esforço para sorrir e acalmar os companheiros, não queria contar a verdade a eles, que estava com medo de ir para casa e mais acontecimentos da noite passada ocorressem, e se a Coisa realmente estivesse viva, que não fosse apenas alucinação de um garoto que não dorme, se ela tentasse pega-lo, como lutaria? Fraco do jeito que estava, morreria na luta.

As aulas foram passando, o mal estar apenas aumentando, podia sentir o suor frio descendo por todo seu corpo, a fraqueza passando por cada membro seu, não conseguia olhar para os lados, ficava tonto e sua cabeça latejava de dor além de sentir uma pressão muito forte no peito dando-lhe falta de ar de vez em quando; o intervalo havia chegado, com a ajuda dos amigos, Bill desceu ao refeitório, as vezes perdendo o equilíbrio, cambaleando um pouco até conseguir sentar na mesma mesa que sempre sentavam, a que ficava em dos cantos do grande cômodo, seis cadeiras, pois Mike estudava em casa, era uma pena mas ao mesmo tempo melhor, assim o preconceito talvez não o atingisse tanto, sem falar na condição financeira do rapaz, Bill pensava no amigo com carinho, mas um sentimento estranho lhe veio em mente, uma raiva enorme ao pensar em Mike, sentia vontade de machuca-lo; ficando mal com o pensamento, despertou ao ver que todos já estavam na mesa, com suas bandejas daquilo que se pode considerar comível, incluindo ele que olhava para a bandeja sem ao menos lembrar que havia ido pegar a comida, distraído, se assustou quando Eddie chamou sua atenção:

— Ah Bill, eu peguei pra você, não coloquei muito porque você está muito fraco para comer grande quantidade, podendo até vomitar por ser algo tão pesado pra quem está muito fraco – Eddie terminará de falar com um sorrisinho, olhando para o amigo doente

— O-o-obrigado E-eddie! – Sorriu como resposta, com a mão trêmula pegou os talheres e começou a comer aos poucos

— Não precisa ficar doente para passar mal com essa gororoba – Disse Richie, erguendo uma pasta do seu prato, carne moída talvez, não tinha muita certeza, e soltou novamente na porcelana, assim todos começaram uma conversa cheia de opiniões sobre a comida, claro, todos menos Bill, que engolia com dificuldade, sentia a comida queimar em sua garganta, uma sensação estranha, como se aquilo não fosse comida para ele.

Chegando finalmente no fim das aulas, os garotos seguiam para o corredor principal, conversando, rindo, até Bill participava da festa de vozes. Tudo parecia calmo, até dois garotos da nona série surgirem do nada, fazendo um ataque:

— Como vai mariquinha? – Um dos garotos empurrou Eddie no chão com força, fazendo sua asma atacar e procurar loucamente sua bombinha

— Deixa ele em paz! – Stan ficou se pôs em frente a Eddie

— Cala a boca judeuzinho de merda – Disse o outro garoto empurrando Stan para os armários

— Soltem ele seus filhos da mãe! – Richie tentou puxar um deles de perto de Stan, mas o garoto tinha uma estrutura corporal grande e forte

— Falou alguma coisa quatro olhos? – O garoto pegou o óculos de Richie e o quebrou onde já estava remendado pela décima vez

— E você gorducho? Olha esse monte de banha – O garoto apertava e ria de Ben que tentava se soltar, enquanto seu amigo ria junto mantendo Stan nos armários

— D-d-deixem eles em paz seus d-d-d-desgraçados! – O sangue de Bill fervia nas veias, olhava com puro ódio para aqueles idiotas que acabará de pegar desprezo absoluto

— O- o- o que foi Bill gago? Quer proteger seus amiguinhos? Você é patético! Nem conseguiu proteger seu irmão, como quer proteger um grupo todo?! – As palavras atingiram como uma faca em seu coração, aquele bosta não tinha direito algum de falar do George, não tinha direto de nada... não tinha direito de viver.

Bill empurra com força o garoto grande que estava na sua frente, o fazendo cair no chão. Com raiva, o garoto avança e dá um soco forte na cara de Bill que cairá no chão pela intensidade:

— Bill! – Todos do grupo gritam ao ver seu amigo no chão, tão fraco já estava, o medo do que poderia ocorrer a seguir com Bill era enorme, estava fraco demais

— Há, é sério que esse cara é o líder de vocês?! É um completo perdedor

— Se ele é um perdedor, então temos orgulho de sermos perdedores também! – Disse Richie aos plenos pulmões, o valentão só riu e foi se virar para ver Bill estirado no chão, quando é golpeado fortemente no nariz pelo próprio, que o pegou pela gola da camisa, erguendo-o e o colocando contra os armários ainda o segurando; o garoto estava apavorado, o nariz jorrando sangue, pode sentir que estava quebrado, olhava nos olhos de Bill que de azuis mudaram para laranja vivo e um rosnado estranho podia ser ouvido de sua garganta, deixando o valentão apavorado:

— Mexe com nós novamente e eu mostrarei como flutuar! – Largou o menino com tudo no chão – Sai daqui! – Nem deu tempo, o garoto já estava fora de alcance, acompanhado de seu amigo e enfim sumiram.

Bill sentiu sua cabeça latejar de dor e seus olhos voltarem ao normal, estava mais tonto que antes, o hematoma em sua bochecha que antes era pálida, inchando um pouco e a dor se espalhando; o grupo de amigos correrão em seu encontro, dando-lhe algum apoio, alarmados com toda aquela cena e o inchaço no rosto do companheiro:

Bill! Você está bem? – Perguntava preocupado Eddie, ainda com a bombinha na mão

— Nossa, você nos assustou! De tão fraco que está, achamos que você poderia até entrar em coma, o soco foi muito forte- Disse Stan a sua esquerda, com a mão em seus ombros

— Cara, aquilo foi incrível! Você deu mó socão nele, o cara era duas vezes mais alto que você e mesmo do jeito que está, teve força para ergue-lo. Incrível – Bill refletiu um pouco no que Richie disse, como conseguirá fazer aquilo? Da onde veio aquela força?

— É, foi legal, mas nem tanto, aquilo foi perigoso, Bill está fraco demais pra isso – Reprendeu Stan

— Ei, quem era boa mesmo em intimidar era a Bev – Disse Ben e todos riram com carinho, sentiam muita falta da amiga, a única garota do grupo

— É, sinto falta dela, quem dera se ela estivesse... Bev! – Eddie gritou e todos olharam para a porta da escola, a ruiva estava lá, com seus cabelos curtos, sua bermuda jeans e uma regata, a mesma chave pendurada no pescoço e a doçura no sorriso e nos olhos.

Bill pode sentir seu coração disparar, o calor no rosto, o brilho no olhar o gosto do beijo em seus lábios, nunca esqueceria; sem ao menos saber, Ben compartilhava a mesma sensação, em todos os aspectos possíveis, como se uma luz tivesse sido enviada à Terra:

—Bev! – Bill começou a andar rápido em sua direção, mas parou, como se algo o tivesse atingido na nuca, tudo estava girando, a dor era forte, com as pernas tremulas caiu no chão, todos os sons estavam distantes, ouvia a amiga gritar seu nome, correndo em sua direção junto aos outros, olhando ao redor, pode ver algo assombroso, na janela da porta fechada de uma das salas, a Coisa sorria alegremente e acenava para ele, isso foi a última coisa que via, até que tudo ficou escuro para o garoto Denbrough.