Nosso carregador de sonhos dormiu por horas, sem nem ao menos perceber. Em seus sonhos, conseguiu novamente lutar com o Führer, abraçou sua mãe, voltou a Stuttgart, cidade em que cresceu, leu vários livros com Liesel... Lembre-se que estamos falando de meros sonhos, pois temos que ter sã consciência que apenas em um sonho um judeu conseguiria ter uma vida assim na maravilhosa era nazista, onde a raça ariana era a única que poderia ser considerada pura em todo o mundo. Pois ai está uma coisa que jamais conseguirei entender na raça humana, esse desejo de poder, superioridade, ganância, coisas completamente assombrosas, chega a ser completamente horripilante imaginar coisas que os humanos são capazes de fazer com tamanha crueldade.

Tenho o costume de me dispersar às vezes, dentro de minhas próprias filosofias, perante as coisas que presencio e observo. Então, voltaremos ao judeu que mais parecia um rato em modo cadavérico, sua pela era extremamente branca e gélida, seu cabelo de um tom negro era o que mais se destacava diante de suas roupas largas, e acima de tudo, o homem invisível tinha perdido até mesmo o modo de falar, as palavras eram algo complicadas para ele, já não sabia mais com usá-las.

Abriu seus olhos repentinamente, sentia que havia dormido tempo demais por lá e que acabará de cometer um erro. Tentou se levantar, mas sua força não o permitiu, então se encostou à parede úmida da ponte e respirou fundo, tentando buscar forças de lugares inexistentes em sua alma. Porque ele não se mata logo? Você deve se perguntar. Porque não acaba logo com sua miserável e dolorosa vida, sabendo que qualquer luta seria em vão perante a grandessíssima tropa heróica do amável Adolf Hitler? A resposta pode não parecer tão óbvia a principio, mas basta olhar mais de perto para perceber que o judeu tinha o desejo de luta, ele sentia em cada ligamento, cada músculo, cada batida de seu coração, que precisava lutar, não só por sua vida, mas por todos aqueles que o homem invisível teve que deixar para trás de um modo heroicamente egoísta.

Fechou seus olhos, imaginou a linda face do Führer e logo em seguida, que acabara de dar um soco bem em sua boca, em seu bigode meramente aparado. Feito isso, o judeu lutador respirou profundamente, buscou a última faísca de força em seu interior, e conseguiu se colocar de pé. Com muita dificuldade, foi caminhando para longe da ponte, o céu era de um rosa alaranjado, sem perder aquele tom cinza que apenas a morte e a guerra são capazes de deixar. A neve era extremamente branca e fria, obviamente, mas não chegava nem a comparação de sua pele. Cada passo dado era um motivo de gemidos de dor, ou protestos famintos de seu estomago. Observou atentamente a neve e foi capaz de perceber pequenos vestígios vermelhos, aparentemente pingos de sangue judeu, pois o sangue ariano é algo extremamente valioso que jamais deveria ser derramado em vão pelas neves de uma estrada qualquer.

A quilômetros de distância, se ficarmos completamente em silêncio, somos capazes de ouvir os batimentos acelerados de um judeu em desespero, lhe confesso que esse coração é o de Max Vanderburg. Tentou o máximo que conseguiu, mas não foi possível aumentar sua velocidade. Tinha certeza de que se o seu estômago não o entregasse, sua respiração, juntamente com seu coração, faria isso.

Notou então, que chegava perto de um vilarejo, uma cidade sem nome para nosso carregador de sonhos, local meramente parecido com Molching, onde Liesel e todos aqueles que salvaram sua vida moram. Olhou ao redor e não pôde deixar de notar as faixas e cartazes do idolatrado Führer, bandeiras penduradas dançavam nas janelas como se estivessem dizendo o judeu o quanto triunfaria sobre ele toda a raça judaica. Foi nesse momento de distração que nosso homem invisível foi surpreendido. Um som, um ronco de motor, um carro da tropa nazista, na mesma rua que o judeu...

Sem pensar nem ao menos duas vezes, o carregador de sonhos se atirou para dentro de um beco sem saída, o mais próximo que encontrou; empreitou-se ao meio das paredes das duas casas que formavam tal beco e prendeu sua respiração. Torcia para que seu estômago não resolvesse dar seus ataques famintos naquele local, e ao longe era capaz de avistar uma bandeira vermelha, enfeitada ao meio com uma suástica negra, ela dançava e parecia rir da cara do judeu, triunfava e seu vermelho era algo extremamente fatal, estamos falando do vermelho da morte, o vermelho da guerra, o vermelho cor de sangue, sangue puramente judeu.

Uma última nota deve ser dada, pois se você chegou a se interessar por “Mein Kampf”, o quase diário do charmoso Adolf Hitler, então devo dizer que já sabe contra quem nosso homem invisível está lutando, se não encontrou, continue procurando antes que coisas piores aconteçam, pois a bandeira vermelha continua dançando e gargalhando perante o nosso judeu invisível.