Você deve se perguntar: e as crianças, como reagiam a toda aquela guerra, aquele show de horrores que o mundo havia virado? Pois eu lhe respondo com apenas uma palavra: MANIPULAÇÃO... Pois é, pode parecer uma palavra meio pesada a principio, mas não passa de uma realidade absoluta na época em que essa história se passa. Quer dizer, a manipulação está tão em alta nos dias atuais, que as vezes chego até mesmo a pensar que aqueles dias de guerra e sofrimento ainda repercutem no famoso século da tecnologia em que vivemos.

Mas, voltando rapidamente ao nosso assunto inicial, você deve se perguntar também porque estou falando de crianças e manipulação. Bom, digamos que enquanto a bandeira dançava e ria perante os olhos do nosso judeu oprimido, havia uma criança o observando, juntamente com a bandeira. O medo cegou os olhos de nosso homem invisível, de momento ele não avistou a menina, mas assim que o barulho do motor heroicamente nazista cessou, ele ouviu um leve assobio, algo do tipo amador, de quem ainda está aprendendo. Seu coração pulsou mais forte, sentiu seu estômago se contrair e doer, afinal, apesar das circunstâncias, nosso carregador de sonhos ainda se tratava de um ser humano, e sua fome podia ser comparada com a de um leão que não se alimenta a um tempo infinito.

A menina estava sentada nos degraus em frente a uma pequena casa, completamente agasalhada, ela segurava algo em suas mãos, enquanto brincava na neve que cobria levemente os degraus, como um tapete branco. Entre uma olhada e outra para nosso homem cadáver e invisível, a pequena alma assobiava um hino nazista, rapidamente reconhecido pelo judeu faminto.

“Pela última vez é lançado o chamado! Para a luta já estamos todos prontos! Em breve tremula a bandeira de Hitler em todas as ruas. A servidão dura só mais um pouco de tempo [...]”

Esses versos arrepiaram o homem invisível, lhe deram uma ânsia que seria capaz de vomitar, mesmo estando com o estômago completamente vazio. Nesse momento voltamos ao assunto inicial, o de manipulação infantil. Devemos levar em conta, que além de extremamente irônica, costumo ser muito observadora. Por favor, não pense que sou a morte ou que algum tipo de sociopata, pois isso não é verdade, aposto que muitas pessoas ao seu redor podem ser sociopatas e você nem ao menos desconfia. Sou apenas uma pessoa observadora, que gosta de estudar o jeito que os seres humanos são capazes de ser uma criatura tão boa e tão monstruosa ao mesmo tempo.

Como de costume, eu entrei em minhas filosofias profundas e me esqueci de prosseguir a história. Retomando por aqui, pense em um inseto e em você, frente a frente, reflita sobre aquele famoso termo: “Ele tem mais medo de você do que você dele...” . Ai está, temos um inseto em forma de judeu e um pequeno ser humano amedrontado sentado em sua pequena escada. As crianças são seres completamente influenciáveis, elas pegam cada detalhe a sua volta e adotam para sua vida, e essa era um dos coringas do baralho de Adolf Hitler. Ele usava as escolas e outros meios didáticos, para manipular as mentes inocentes, um método ditador infalível. Max a observava, ela observava Max, o medo era algo evidente nos olhos dos dois, mas houve um momento de surpresa, a menina se levantou e começou a caminhar na direção do nosso homem aos olhos da criança não era tão invisível assim. O carregador de sonhos sentiu cada músculo seu se contrair, sua respiração parou, a bandeira heroica dançava e ria mais alto a sua frente, ele apenas consegui pensar que sua vida havia acabado de chegar ao fim. Avistou o símbolo mais horripilante do mundo no uniforme da menina, algo como duas letras Z negras se cruzando, sentiu uma pontada aguda em sua cabeça, em seu coração, dentro de sua alma.

– Quem é você? – perguntou a criança se aproximando do homem invisível que no momento estava mais para uma espécie de estátua humana. Max não sabia como responder, as palavras não saiam de sua boca, era como uma espécie súbita de bloqueio. Avistou uma espécie de sanduíche na mão da menina, e não pode deixar de desejar com todas as suas entranhas aquele alimento. – Está com fome? – o judeu apenas assentiu, mesmo sem querer, como uma espécie de resposta involuntária de seu corpo.

Apesar do fato de que as crianças são as mais influenciáveis, temos que constatar que são as mais inocentes, sinceras e puras também, até mesmo dentro da Alemanha Nazista. Como podemos comprovar tal fato? A menina simplesmente entregou seu lanche ao judeu. Sim, isso mesmo, ela não perguntou mais nada, apenas segurou a mão do carregador de sonhos, e estendeu a sua para colocar sobre a palma sofrida do judeu, aquele pequeno alimento. O rosto da garota era de um branco ariano magnífico, seus olhos eram azuis, o cabelo escondido no gorro era de um loiro naturalmente platinado, seu nariz e suas bochechas estavam rosada perante ao frio, e em seus lábios havia um sorriso, o que fez com que o coração de nosso carregador de sonhos se apertasse de saudade, e essa saudade tinha um nome específico no momento, o nome era Liesel. Sem saber como responder, o judeu sorriu como resposta e sentiu uma gota de lágrima escorrer por seu rosto.

– Preciso ir, mamãe não gosta que eu converse com estranhos, mas eu não tenho amigos. – lamentou-se a garotinha. – Vá para a casa, está congelando aqui fora. – ela sorria e arrumava seu cachecol enquanto falava. – Tchau! – saiu correndo para seu lar, fechando a porta e deixando nosso judeu novamente abandonado.

Max ficou algum tempo parado, sem saber o que havia acabado de acontecer. Seus pensamentos viajaram para perto de Liesel, e houve a certeza de que ainda havia uma esperança. Olhou para o lanche em suas mãos e assim que mordeu, quase desmaiou de tamanho prazer. Foi para o canto mais escuro do beco, onde não dava para avistar completamente nada e lá se deliciou com seu banquete, naquele momento a bandeira cessou, não dançava e nem ria mais, pelo menos uma vez o judeu sentiu que poderia sim ser capaz de vencer seu maior rival, o herói alemão, ilustríssimo Führer. E sinceramente, vamos deixar que ele pense que é possível derrotar tão facilmente o aclamado Adolf Hitler, pelo menos por enquanto...