O homem invisível

O soldado vermelho


A guerra... Um ato egoísta e extremamente estranho, se considerado todas as vidas que nela se perde. Tudo se torna muito mais desumano e sombrio, o céu perde seu tom azul, é como se as próprias nuvens protestassem contra tamanhas barbaridades. Tudo começa com uma rivalidade, que se transforma em desejo de poder, autoritarismo, ditadores possuídos pela sede de vingança, revanche e acima de tudo, o famoso e tão idolatrado poder. Os ditadores em geral sempre têm um rival específico, e se ainda não se propôs a ler o livro do ditador dessa história, então lhe informo que o maior rival do belíssimo Führer se trata dos judeus, e todos que colocassem em risco a dominação da magnífica raça ariana sobre o mundo. E o que deixou nosso pequeno homenzinho de bigode espetacular tão furioso a ponto de querer uma revanche do tamanho de uma guerra? Lhe respondo em poucas palavras, a Alemanha perdeu a primeira guerra e foi criado o Tratado de Versalhes... Bom, não entrarei em nenhuma aula de história no momento, não posso perder o foco em nosso homem invisível que se alimenta no escuro de um beco, como um rato repleto de doenças em busca da sobrevivência, se escondendo da raça humana. Com toda a certeza, o que mais motivava a perseguição da tropa heróica aos judeus, era o fato de eles terem, digamos, muitas riquezas, o que interessava completamente ao nosso Führer. Deve se perguntar o que os nazistas faziam quando capturava um judeu, pois eu lhe respondo que a coisa menos cruel que faziam era a tortura até a morte, mas não fique assustado, entro em mais detalhes sobre isso mais tarde.

Focaremos no carregador de sonhos que tenta se recuperar no escuro, respira cuidadosamente, seu estômago faz tanto barulho que pode o entregar. Espero que se lembre do carro nazista que quase o encontrou na capítulo anterior, pois isso é muito importante...

A mente do judeu borbulhava de pensamentos, vários nomes e lugares passavam repentinamente, não era possível controlar tal ato. Seu corpo doía, mas nosso carregador de sonhos tem o pressentimento de quem precisa sair daquele local o mais rápido possível, e sinto informar que ele está coberto de razão. Enquanto o judeu tenta se levantar, um ronco de motor se torna cada vez mais audível, mas a fraqueza do homem invisível é tanta, que seu sentido auditivo não é nem ao menos capaz de captar tal estímulo. O judeu se apoia na parede e tenta caminhar, suas pernas não o obedece mais, seu estomago suplica para mais comida, o vento friamente alemão, parece que quer derrubar seu corpo, tudo conspirava contra um judeu na Alemanha Nazista.

O motor se aproxima... Caro leitor, tenha a certeza de que junto com esse ruído, o pesadelo mais horripilante da vida de Max Vandenburg se aproxima também.

Seu estômago, mesmo faminto, não consegue mais suportar nada, e logo, nosso homem invisível se vê colocando para fora o único alimento que conseguirá, juntamente com o alimento, vestígios de sangue sujam a neve brancamente alemã. Como disse, tudo conspirava contra um judeu na Alemanha Nazista... No momento que o judeu deixava seu alimento escapar, o automóvel dono do ruído que se aproximava, estacionou bem em frente a casa da menina que momentos antes conversava com o judeu, a mesma que deu o alimento que agora ele colocava para fora.

As pernas do judeu não colaboraram com o mesmo naquele momento, e assim que viu a suástica no automóvel, sua fraqueza o tomou por completo e seu corpo foi ao chão, como se naquele momento o Führer o houvesse nocauteado. Uma explosão de dor invadiu cada tendão, ligamento, órgão, cada músculo de seu corpo, seu pulmão se comprimiu após a pancada e um ataque repentino de tosse judia tomou conta daquele lugar.

– Quem é você? – perguntou um homem saindo do automóvel, seu uniforme pintado das pavorosas e idolatradas cores nazistas. Como disse, era o inicio do pesadelo mais horripilante do judeu. O carregador de sonhos não respondeu, não havia palavras que o salvassem naquele momento. Passos se aproximava de seu corpo, passos de um alemão nazista prestes a capturar sua presa judia. – Vou dizer apenas mais uma vez, quem é você? ME RESPONDA! – novamente não houvesse resposta alguma. O homem invisível sentiu seu ar acabar completamente após esse momento. O soldado nazista o pegou pelo pescoço e o levantou a força, Max sabia que mesmo que seu corpo não agüentasse mais, o herói nazista não iria parar. – Pelo estado em que se encontra, deve ser mais um judeu porco, filho da p...

– Max Vandenburg... – o judeu tentou sussurrar em meio ao sufoco, interrompendo o homem sem nome que chamaremos daqui para frente de soldado vermelho, por conta da cor mais predominante da suástica gigante em seu uniforme. – E sim, eu sou judeu.

Você deve estar imaginando porque o homem invisível fez tamanha burrice, entregando assim toda a verdade, sem nem ao menos lutar, não é mesmo? Mas tente pensar melhor, o que você faria se estivesse no lugar do carregador de sonhos, onde não havia outra alternativa, a não ser morrer falando a verdade, ou morrer contando mentira? Max sabia que o momento que mais temia havia chegado, e pela dignidade de todos que teve que deixar para trás nessa vida, ele faria o que julgava ser certo até sua morte chegar.

As três últimas palavras que havia acabado de dizer, lhe causaram muita dor, literalmente. O soldado vermelho o jogou no chão e a carnificina começou... Socos, chutes, sangue, xingamentos, dor, mais socos, mais sangue, mais xingamentos, muito mais dor... O homem invisível tentava resistir, lutar, como de costume, se imaginou lutando contra o próprio Führer, mas não teve sucesso em nenhum dos golpes executados. O soldado vermelho o agarrou pelo pescoço novamente e o levou até o carro estacionado, na verdade, literalmente o jogou dentro do veículo do terror nazista. O nariz do judeu sangrava, como se um rio vermelho descesse por seu rosto, tossia sem cessar e respingos de sangue eram visíveis sempre que seu pulmão se contraia em uma tosse, seu corpo doía de uma maneira tão forte, que qualquer dor, por mais horrível que fosse, não poderia ser comparada com a dor, tanto interna quanto externa, daquele infeliz ser humano. Mas, apesar da circunstância, o judeu notou que o soldado demorava a entrar no carro, então se atreveu a olhar pela janela para ver o que acontecia, e isso o assustou. A menina assobiadora que havia falado com o judeu minutos antes, estava sendo segurada pelo soldado, enquanto o mesmo conversava com uma bela mulher parada a porta.

– Tchau papai... – disse a assobiadora quando foi colocada ao chão pelo soldado vermelho enquanto o mesmo entrava em seu veículo. – Eu te amo!

Aquilo dilacerou o coração judeu de nosso homem invisível, naquele momento ele percebeu que a assobiadora era, na verdade, filha daquele soldado desumano. Seu estômago se revirou por um instante, e teve que controlá-lo para que não vomitasse. A inocência da menina não era nada parecida com o ódio do pai, será que se ela tivesse visto o que seu pai acabara de fazer com seu “amigo”, faria alguma coisa para impedir? A resposta é, simples... Provavelmente não, pois lembre que na Alemanha Nazista as crianças eram ensinadas desde o início sobre o regime do Führer, lembre de que hino ela assobiava quando Max o encontrou...

– Pensou que iria conseguir escapar, judeu retardado e imundo? – gritou o soldado vermelho ao volante. – Se estava fugido sem ter onde morar, saiba que amarei lhe apresentar o seu novo lar, o lar que nosso Führer construiu para a sua raça maldita. – o soldado riu. Sua risada ecoou no veículo, um riso que ecoava a quilômetros de distância, o riso de vitória de Adolf Hitler. O carregador de sonho se encolheu e fechou os olhos, sabendo que seu futuro seria a morte, sabendo que jamais veria sua família, jamais voltaria a ver Liesel, uma lágrima caiu de seus olhos .

Ficando em silêncio, podemos ouvir a risada do soldado vermelho e o choro de um judeu que sabe o que lhe acontecerá em um futuro não muito distante.