Se criasse um dicionário, com toda a certeza a palavra guerra seria sinônimo perfeito para morte, sangue e pura carnificina. O cheiro de corpos queimados, brasas, bombas, o odor de corpos jogados em qualquer canto ainda paira sobre nós, obviamente misturado a poluição e falta de interesse humano sobre qualquer coisa. Nosso homem invisível já sabia seu destino, não é necessário ser nenhum mágico, vidente ou qualquer coisa do tipo para saber, ele sente em seus ossos, ele sente o aroma dos corpos queimados e mortos de todos os seus familiares e amigos. Resolveu fechar os olhos e aproveitar o último vestígio de sanidade mental que sentia ter, ignorou o que o soldado vermelho dizia, e focou em apenas uma coisa: a certeza de que finalmente encontraria toda sua família, não em vida, mas sim em algum lugar após sua morte.

O cheiro de culpa é evidente em nosso pequeno carregador de sonhos, a culpa é algo que o tortura sem parar, jamais se perdoará por todas as vidas que abandonou, as vidas que amava e que nesse momento queimam nos fornos humanos criados por nosso tão amado Führer.

– Abra esses olhos, eu estou falando com você, judeu de bosta! – o soldado vermelho gritou a todos os pulmões e fez nosso homem invisível sair do seu quase momento de paz. Note, caro leitor, como principalmente os soldados, se consideravam o salvador da humanidade pelo que estavam fazendo, deduza que o poder do idolatrado Führer foi capaz de cegar um país inteiro.

Max percebe que a cada segundo o cheiro de corpos cremados aumenta, seus pulmões paralisam, a ideia de que estava respirando cinzas de seu próprio povo o fazia querer vomitar o que jamais esteve em seu estômago. O soldado vermelho continuou aos berros, mas nada que proferia era importante para nosso homem invisível. Este, estava mil vezes mais focados no que se aproximava à frente deles.

Rapidamente voltaremos ao título desse singelo capítulo. Primeiramente, lhe pergunto se já foi à procura do diário de nosso Führer? Se ainda não, apenas aviso que o tempo de nosso carregador de sonhos está acabando, se eu fosse você, iria agora mesmo atrás disso antes que seja tarde demais. Voltando a ideia principal de nosso título, trata-se de uma ironia, quer dizer, mais uma ironia do nazismo. Resumidamente, digo que foi construído um campo de concentração ao sul da Polônia, seu nome é Auschwitz, esse nome é capaz de causar calafrios na espinha de qualquer um, mas naquela época, não era bem desse jeito. Literalmente, quem passava por aqueles portões estava passando pelos portões da morte. O título desse capítulo é a frase humana mais irônica de todos os tempos... “Arbeit Macht Frei”, em alemão, significa “O trabalho liberta”, e sinceramente, caro leitor, quer coisa mais irônica que isso? Quantas pessoas inocentes foram mandadas para lá e o trabalho não as libertou, pelo contrário, as matou? Quantas famílias, assim como a de nosso homem invisível, foram destruídas? Caro leitor, escrevo esse capítulo na vontade de fazê-lo raciocinar, pensar em até que ponto um ser humano é capaz de chegar por poder. Na verdade, o nome desse capítulo foi escolhido, pois, como já sabe e não é mais novidade alguma; amo loucamente o ato de ser irônica.

Voltemos ao nosso pequeno carregador de sonhos, que no momento acaba de chegar a sua nova casa, a residência de sua morte. Com uma brutalidade desumana, o soldado vermelho o agarra e o atira para fora do carro, fazendo nosso pequeno judeu cair literalmente com seu rosto no chão. Uma explosão de dor se espalhou por todo seu corpo, aos poucos surgia em sua boca o nítido gosto de sangue, um sangue judeu e odiado por todos os nazistas ao seu redor, vários soldados vermelhos, que se aglomeraram e entre uma palavra sem nexo e outra, agrediam impiedosamente o homem invisível estirado ao chão. Ao longe dessa cena de terror, é possível ouvir os gritos de desespero e extrema dor, pois enquanto Max é violentado junto ao portão, várias almas inocentes tomam banhos de gases letais.

– Onde esse lixo foi encontrado, soldado? – um outro soldado vermelho grita, mas Max não consegue identificar seu rosto.

– Estava escondido, como um rato imundo, pensando que seria capaz de fugir de nosso extermínio. – o soldado vermelho que capturou nosso homem invisível gritou, entre uma gargalhada e outra. Max já não tinha mais dúvidas de que seu fim havia chegado, a única coisa que queria no momento é reencontrar sua mãe para pelo menos poder se despedir devidamente dela.

– Andem, traz essa praga para cá! – um outro grito saiu de qualquer lugar. Max já não sabia nem ao menos onde se encontrava.

As cenas a seguir são extremamente fortes, caro leitor, mas tenho que relatá-las, pois a maldade que alguns seres humanos carregam dentro de si, as vezes me deixa completamente desnorteada e confusa, não consigo entender como isso pode ser capaz.

Sem mais nenhum grito, agarraram os pés de nosso homem invisível ele foi puxado. Seu rosto se esfolava cada vez mais pelo chão, um rastro de sangue se formava, o judeu se contorcia de dor, tanto externa quanto interna.

– Você vai ter o que sua raça merece. – um soldado ria enquanto um outro o segurava e começava a cortar todo seu cabelo. Max sabia o que estava por vir, ele sabia bem dentro de seus ossos o que viria a seguir... A morte.

Enquanto um cortava seu cabelo, quase cortando parte de seu coro cabeludo junto, outro marcava sua pele com um ferro extremamente quente, fazendo nosso judeu literalmente gritar de dor, uma dor completamente desumana. Uma marca se formou em seu braço, na verdade, um número, 2815... Nosso homem invisível sabia que aquele número agora seria sua identidade, ele nada mais era que um número em meio a tantos que estavam destinados a morte naquele lugar. Uma espécie de pijama listrado lhe foi dado, o judeu teve que se desfazer de sua roupa e tudo o mais que levava consigo. Seu corpo já não tolerava mais dor, mas temos que ter consciência, caro leitor, que o pior ainda está por vir.

– Agora vamos castigá-lo um pouquinho, por ter brincado tanto tempo de esconde-esconde. – o soldado vermelho que o levara àquele lugar riu, proferindo um murro em seu rosto e o obrigou a se levantar com um puxão de cabelo.

Percorrendo uma parte daquela fábrica de horror, pelo caminho, Max percebeu que estava sendo observado por outros prisioneiros, procurou em meio a dor, por um mero rosto conhecido, teve esperança de encontrar sua mãe, mas isso foi completamente em vão. Não eram pessoas que o observava, aqueles seres eram apenas pele e osso, a morte os estavam levando aos poucos e Max sentia que sua vez estava chegando.

Repentinamente, foi bruscamente jogado ao chão, sua cabeça se atirou para frente e o homem invisível teve a sensação de que iria desmaiar.

– Vamos deixá-lo refletir um pouco hoje. – gritou o soldado vermelho abrindo uma pequena porta de ferro. – Amanhã conversaremos melhor. – o agarrou novamente pelo cabelo e o judeu se viu obrigado a se levantar.

Foi colocado em um pequeno cubículo de concreto, não havia espaço para se sentar ou deitar, era obrigatoriamente necessário ficar em pé. A porta que teve que passar era extremamente pequena, tudo se transformou em um mar de escuridão quando a porta se fechou.

O soldado gritou alguma coisa pelo lado de fora, mas as paredes de concreto faziam ser impossível de entender. A angustia se apoderou de nosso homem invisível, ele teria que aguentar a noite naquele local, em pé, cansado e completamente morto de fome. Cada parte de seu corpo latejava de dor, o sangue desenhava grandes trilhas por todo seu rosto, e ele deixou que lágrimas escorressem por sua face.

Se por acaso, ouvir algum grito angustiado no meio da noite, saiba que o dono desse grito é um judeu trancafiado em um cubículo desumano, um judeu sonhador que ainda não faz ideia nem da metade das coisas que estão por vir...