Caro leitor, ainda há uma sacudidora de palavras jogada na sarjeta de uma rua denominada Himmel, ela ainda aguarda pela volta de seu melhor amigo e irmão, o mesmo que prometeu a ela que jamais o perderia, mas tal promessa se torna duvidosa a partir desse momento. Nosso homem invisível não aguenta com seu próprio corpo, suas feridas abertas sangram incansavelmente e ele sabe que qualquer segundo pode ser o último de sua existência. Por todo o lugar, até mesmo nas estradas da idolatrada Marcha da Morte, a bandeira de Adolf Hitler dança e ri na face dos, já não humanos, seres que caminham cambaleando e caindo. Uma trilha de sangue podre e judeu se estende pelo caminho branco e alemão, acima de tudo, um caminho mortalmente congelante.

Como já foi dito anteriormente, caro leitor, o frio é um vilão que faz suas vítimas até os dias atuais, ande pelas ruas e verá o efeito que ele causa em alguns seres jogados ao chão no escuro de cada beco e calçada. O frio tortura, maltrata e lentamente leva a vida de cada ser desprotegido a sua volta. Sinto lhe informar, amado leitor, que isso está ocorrendo com o nosso lutador judeu.

Max Vandenburg caminha sem rumo, sem saber para onde ir, repassa cada momento com Liesel e as lágrimas não se cansam de escorrer por seu rosto. É inacreditável como sua irmã mais nova havia crescido, nem ao menos parecia a mesma garotinha que havia lhe proporcionado o primeiro e melhor Natal, aquela que todos os dias lhe dava uma previsão de como estava o clima fora de seu obscuro e pequeno porão. O gosto de sangue em seus lábios, lhe trouxe recordações de uma infância um tanto conturbada. Recordou-se de seus onze anos, de uma inesquecível briga com um garoto chamado Wenzel Gruber, lembrou-se da primeira vez que provará seu próprio sangue, e por um momento, o gosto era bom.

Porém, esse garoto de onze anos cresceu e no momento luta com seu próprio corpo para conseguir continuar vivo, o gosto de seu sangue não é mais tão bom assim. As lágrimas ainda escorrem pelo seu rosto, as lembranças mais profundas de sua vida vem à tona e seu maior desejo é o de ajoelhar e se entregar ao desespero, desistir. Parece que, após ter encontrado Liesel, toda sua esperança houvesse se acabado, como se não toda a força e motivação, de repente, se tornasse uma utopia inalcançável.

Gritos nazistas e corpos caindo ao chão é a única coisa audível nessa tal marcha heroica, ninguém tem coragem de proferir uma única palavra, até mesmo respirar pode ser algo completamente mortal. O frio corta e mata lentamente cada integrante da equipe de seres uniformizados e, nesse momento, já completamente desumanos. Nosso homem invisível se sente morrer lentamente, seu corpo congela aos poucos, a medida que seu sangue escorre, juntamente com as lágrimas. Ele sabe que está atrasado, os outros andam muito mais rápido, mas por mais que tente, suas pernas não obedecem, as forças se vão pouco a pouco.

Caro leitor, deixo aqui apenas uma pequena reflexão de minha parte. Diversas vezes, vieram à minha procura, perguntando-me porque observo e foco tanto na guerra e em coisas desse tipo. Pois bem, deixo aqui minha mera resposta de que a guerra nada mais é que o ser humano demonstrando seu instinto natural e selvagem, uma espécie de instinto de sobrevivência, onde quem tem mais poder, é o vencedor. A guerra nada mais é, que a demonstração grátis de até onde podemos chegar apenas para ter o poder absoluto, por cima de quantas pessoas somos capazes de passar, desumanamente, apenas para conseguirmos alcançar objetivos egoístas e mesquinhos. O amado e idolatrado Führer é uma amostra perfeita disso que acabo de falar.

Depois de minha pequena pausa filosófica, voltemos o foco para Max Vandenburg, um judeu que, sinceramente, sente que já não aguenta mais um segundo em tal situação. Um chute atinge suas costas em cheio, seu corpo desaba ao chão e tudo parece ser o fim.

– É bom andar, judeu imprestável. – gritou o soldado vermelho, literalmente pisando nas costas de nosso lutador judeu. Max gritaria se tivesse força, faria suas flexões, mas a força acabará, nada mais faz sentido algum. – Quer que acabemos com sua vida aqui mesmo? – um chute atinge suas costelas e gotículas de sangue voam de sua boca.

Apenas mais algumas flexões, Max. Não se entregue”, ele diz para si mesmo. O amado Führer, mais uma vez, cospe e ri em sua face, como uma ensurdecedora gargalhada da morte. O peso dos pés do tal soldado desaparece, nosso homem invisível sabe que deve se levantar ou morrer, é tudo uma questão de livre arbítrio de sua parte. Com extrema dificuldade, mentaliza a imagem de Liesel em sua mente, cada momento, o último momento que tiveram juntos. Mais lágrimas escorrem pelas feridas de seu rosto com a memória de sua pequena irmã mais nova, ele sabe que deve se levantar imediatamente. Apenas mais algumas flexões...

Seu corpo dói, tudo ao seu redor é mortalmente cinza, a não ser a trilha vermelho cor de sangue que se forma pelo caminho. Gritos e mais corpos caindo ao chão, um ciclo interminável. Passos em falso, tropeços, dores, mais passos em falso, sangue escorrendo, dores desumanas, mais sangue, gritos... Max Vandenburg sente tudo desmoronar ao seu redor, mas por um momento uma onda de esperança e força o toma, aqueles famosos vinte segundos de coragem, onde o ser humano é capaz de vencer qualquer obstáculo. Nosso homem invisível se recorda mais uma vez de sua infância, lembranças constantes o invadem, se lembra de ter ouvido que não há nada melhor que um dia de cada vez, e isso lhe dá forças, uma força capaz de fazê-lo caminhar um pouco mais rápido.

O gosto de sangue em seus lábios lhe causam uma onda de ira, raiva por tudo que está acontecendo, um desejo de vingança se apodera de seus ossos. Na verdade, nosso lutador judeu sente-se enlouquecer lentamente, como se a qualquer momento perdesse completamente o controle e saísse gritando coisas vãs para os quatro ventos.

Crianças caem mortas, idosos lutam para dar mais um passo, jovens tem sua juventude arrancada pela ganância de um senhor idolatrado e com o bigode magnificamente aparado, chamado Adolf Hitler. Nosso carregador de sonhos não suporta mais essa ideia, essa realidade que o cerca, deseja morrer, mas ao mesmo tempo sabe que não pode desistir, por Liesel e por tudo que prometera a ela.

Um estrondo vindo do norte corta todo o local e atrapalham a reflexão de nosso homem invisível. Gritos e uma correria catastrófica se forma no local. Caro leitor, proteja-se, pois a Alemanha está sendo atacada, e sinto lhe informar que nosso homem invisível encontra-se em meio ao alvo do tal ataque.