O começo do fim

Capítulo 6 - Second Season


2 de dezembro de 2015 – dia 168 – 14h39min – POV Tainá

Ela se posicionou atrás do balcão, com a sua única mão segurando uma pistola com metade de munição. Ela observava atentamente através do vidro, meio sujo pelo sangue dessas coisas. Eu me posicionei atrás de uma pilastra, com a katana posicionada, esperando por um ataque de mais um desses zumbis conhecidos como infectados. A garota, não devia de ter mais que quinze anos, andava com uma roupa hospitalar que um dia fora azul, agora estava escura, coberta com sangue coagulado, não parecia ter nenhuma roupa por baixo daquela. Ela tinha cerca de 1,60m de altura, cabelos loiros cacheados, olhos brancos, mas a pupila parecia intacta, não era como o infectado na casa do Toni, que tinha uma linha branca na pupila, ela de longe parecia normal. Ela andou lentamente, observando a tudo em volta, sua respiração era bem baixa, mal se podia ver o seu peito subir e descer.

Ela viu um zumbi a alguns metros, ele nem a notou, ela caminhou e se posicionou atrás dele. Ela o puxou para trás com uma das mãos e enviou a mão na cabeça do zumbi, arrancando o cérebro dele. Eu e a Clara viramos o rosto, não pensávamos que veríamos isso um dia, até que vimos a garota retirar um dos braços podres do zumbi e morder, arrancando um grande pedaço. O meu café da manhã subiu, mas o forcei para dentro, a Clara não foi tão forte e vomitou tudo.

Ela escutou o barulho do vômito da Clara, engoliu rapidamente e se jogou em um amontoado de corpos. Eu saí de trás da pilastra e fui até ela, com a Clara me dando cobertura. Eu toquei no seu ombro, senti um leve tremor, mas nada que denunciasse como um infectado.

– Levanta, eu vi você. – Ela se levantou rapidamente, mais rápido do que eu esperava e me empurrou, me fazendo cair há uns dois metros de onde eu estava. A Clara fez um disparo rápido, acertou um azulejo perto da garota, ela se encolheu, me dando tempo suficiente de recuperar a katana e colocá-la contra o pescoço dela. – Por que você me atacou?

– Pensei que vocês fossem me matar como os outros. – Ela ameaçou se levantar, mas a Clara deu um segundo disparo.

– Nem tente. Você não é mais rápida que eu.

– Por favor, eu prometo não incomodar vocês, peguem os suprimentos que precisarem e vão embora, mas não me matem.

– Pensei que quisesse matar a gente?

– Eu não sou uma infectada comum. Não gostava de carne antes e não gosto agora, mas isso, - Ela apontou para os zumbis a sua volta – é o que consegue me saciar. Não consigo me controlar, se não como a carne de um deles eu...

– Você? – a Clara perguntou, com a pistola ainda apontada para a cabeça da garota.

– Eu surto. Saio matando o que vejo pela frente e acabo... bom você sabe.

– Eu não sei. – Bem, eu sabia sim, mas precisava ver se tinha coragem pra falar.

– Eu acabo atacando algum humano e me alimento dele. Mas eu não faço de propósito, eu juro!

– Faz quanto tempo desde o último surto?

– Acho que uns dois meses.

– E você só surta se não se alimenta com carne?

– É mais ou menos isso. – Eu chamei a Clara em um canto, precisava conversar com ela.

– Nem pense em levá-la com a gente, ela é instável demais. Imagina o perigo que isso não pode trazer!

– Ela virou isso agora?

– Desde que ela se tornou um infectado!

– Como o Toni? – A menção de outro infectado fez um sorriso iluminar o rosto da garota. A Clara tentou encontrar outro argumento, mas o único válido era o fato de conhecermos o Toni a mais tempo. – Olha, pensando de forma mais racional, - Abaixei o tom de voz para que a garota não escutasse. – o que pode causar o surto da garota?

– Bom. - ela encarou uma das paredes por um tempo, avaliando tudo o que ela sabia sobre a doença. – A única explicação, sem ser a de um problema psicológico causado pelo vírus, é a necessidade do vírus pela proteína. Todos nós precisamos de proteína, ela serve pra consertar, construir e reformar as células do corpo, além de poder ser usado como fonte de energia, embora não seja vantajosa, e uma série de outros fatores. Acho que isso pode ser encontrado, mesmo em uma pequena escala, no corpo dos zumbis, já que carne é uma grande fonte. Ela provavelmente gasta mais proteína que o normal, pra manter o vírus sob controle e as transformações que ele acarretou no corpo da garota, e pra manter ela precise de uma dieta mais “rica” em proteína. Talvez... não, não daria certo.

– Não fala, talvez dê certo.

– Se a gente enriquecesse a dieta da garota com proteína, mais carne ou algum suplemento, pode manter o vírus sob controle, mas é um tiro no escuro.

– Podemos tentar, qualquer coisa você sabe que eu faço.

– Tá legal, mas é bom que você faça mesmo.

– Não vou precisar. – Nos aproximamos da garota.

– Ei garota, a Japa simpatizou contigo. Quer vir com a gente? – Antes de responder, a porta da frente se rompeu e um grupo de cerca de 30 zumbis vieram na nossa direção, com o habitual bater de dentes e grunhidos sem sentido.

A Clara abateu seis antes de a sua pistola descarregar, enquanto ela recarregava eu e a garota matamos alguns zumbis. A cada movimento da minha katana, era certo que ao menos uma daquelas coisas tinha morrido novamente, parei por um momento e vi a garota dando um golpe de karatê no zumbi, quebrado o crânio e o fazendo cair de joelhos, depois ela deu mais dois golpes, até a mão dela entrar até a metade da cabeça.

Um Walker se aproveitou e se jogou em cima de mim, a katana ficou presa no peito dele e não conseguia alcançar a minha katana. Vi alguns zumbis caírem ao meu redor com os disparos da Clara, mas ainda não tinha me visto. Pensei em gritar, mas só chamaria mais deles para mim. Então ele foi arrancado de mim e lançado em cima de outros três, derrubando-os. Ela pegou a minha katana e matou os quatro mais sete que se aproximaram muito rapidamente, dava pra ouvir a katana cortando o vento e cada golpe. Depois de todos estarem mortos, vi a garota caminhar na minha direção, ela tentou me entregar a katana mas a deixou cair no chão, logo em seguida caiu nos meus braços.

– Esse... é o preço... por ser uma infec..tada. – Ela apagou depois de murmurar essa frase para mim. Decidimos não chegar nenhum outro corredor e levá-la direto para o Toni.

2 de dezembro de 2015 – dia 168 – 13h58min – POV Toni

– Então ela é uma infectada e vocês decidiram trazê-la pra cá sem ao menos avisar?

– Como? – A Clara perguntou fazendo uma carinha de inocente que não condizia com ela. Apontei pro seu cinto, mostrando o radiocomunicador no seu cinto. – Nem me lembrei dele.

– A gente só não ligou por quê pensamos que estivessem cercadas por essas coisas, então só pioraria a situação. – O Bernardo falava enquanto recarregava a sua balestra. Ele acabara de matar dois deles que nos encontraram.

– Acha que pode dar certo?

– Como eu disse, é um tiro no escuro, pode ser que funcione ou não, o que só funcione por um tempo. – “Como funciona comigo”, pensei de forma amarga. “Talvez se fizer essa dieta meus sentidos também melhorem”. – Eu sei o que você está pensando Toni, talvez melhorem.

– Deu pra ler pensamentos agora?

– Conheço você melhor do que ninguém.

– Mudando de assunto, o que você deu aquela garota? – A Laura perguntou com algum interesse. – Algum tipo de sonífero ou algo do tipo?

– Não, é apenas um preparado que eu faço. Acho que tem...

– É você que faz e você “acha que tem”? – Falou a Brenda fazendo aspas com as mãos.

– TEM NO PREPARADO, ficou feliz? – Ela deu um leve aceno com um ar superior. – Cachaça, mel , vitaminas, cafeína, hortelã e um pouco de água. Não é ruim, mas é bem forte. Uma colher disso não te mantém vivo, mas ajuda a recuperar um pouco dos nutrientes perdidos.

– Não é perigoso misturar isso tudo com cachaça?

– Nem tanto. Depende do quanto de álcool tem no preparado. Você não colocou muito, né?

– É bem, então, foi só um pouco, tipo meia garrafa. – Digo, meio incerto da quantidade. Eu acho que foi um pouco a mais.

– MEIA GAFARRA? VOCÊ DIZ SÓ MEIA GARRAFA? VOCÊ TEM ALGUM PROBLEMA GAROTO ISSO PODE MATAR SABIA? – A Clara começou a perder a cabeça por causa da garrafa. Faço isso há alguns meses e não me afetou em nada.

– MAS eu adicionei apenas suplementos, SUPLEMENTOS, não MEDICAMENTOS sabem que tem uma pequena diferença, não sabem?

– Eu não me arrisco a tomar. – A Tainá falou se levantando e sacando a sua katana. – Vamos apenas entrar e pegar os medicamentos, estou cansada e quero a minha cama.

A garota soltou um pequeno gemido e se levantou.

– Você me deu cachaça garoto? Eu sou de menor e isso não tem um gosto muito bom, esmo com mel e hortelã.

– Mas vai te ajudar a se sentir melhor. Qual o seu nome?

– Meu nome? Karina, prazer e você?

– Toni.

– Você é o outro infectado? Como consegue controlar? Toma aquela coisa amarela que você me deu? É isso?

– Sim e não. Eu sou um infectado mas de forma diferente, é mais fácil pra mim controlar. E aquilo só ajuda a me manter saudável. – Eu olhei para o meu grupo. - Acho melhor dois de vocês ficarem com ela vigiando a entrada. Enquanto o resto de nós entra e pega o que der.

Entramos no depósito, a Clara e a Laura ficaram de vigia. Estava escuro lá dentro, então ligamos as lanternas. Não tinha sobrado muita coisa afinal, mais foi o suficiente para encher uns oito sacos pretos de lixo, isso sem contar a gaze, os esparadrapos, os sacos para os soros, etc. Carregamos tudo para o caminhão em frente ao hospital, aqueles caminhões-baú. Não tinha zumbis pela redondeza, entramos de volta e nos separamos para vasculhar os andares superiores, não encontramos muitos medicamentos por lá, mas conseguimos coisas importantes, como alguns equipamentos pequenos para cirurgias, como bisturi, tesoura agulha e linha de sutura e alguns outros equipamentos que eu não identifiquei.

Voltamos para o caminhão com mais algumas sacolas, fizemos cerca de quatro viagens, tivemos alguns problemas com zumbis, mas na maior parte dos confrontos apenas bloqueamos as portas para impedir que eles nos atacassem.

– Clara conseguiu todos os remédios da sua lista?

– Sim, mais até.

– Bom vamos pegar mais alguns suprimentos pelas redondezas. Brenda, o Bernardo e eu vamos pelo lado direito até uma farmácia e dois bares aqui por perto, vocês quatro vão descendo a rua até o bar da esquina, e vem subindo a rua conferindo os bares e lojas abertas, tudo bem? – Ninguém contestou, seguimos pela rua até a farmácia. – Bom, vocês dois, sejam rápidos e boa sorte. – Dei meia volta e fui até um dos bares. Bati de leve na porta, um zumbi se levantou de trás de uma mesa caída e outros dois de trás do balcão. Matei os três com a minha kodachi. Peguei os suprimentos do bar encheu uma sacola, coloquei atrás da mesa e continuei a vistoria. Dentro da cozinha tinha duas facas médias e uma longa, quatro espetos pra churrasco e um martelo para amaciar carne, além de alguns produtos no freezer, mas a maior parte estava estragada.

Conferi com os walkers, mas nada de importante, apenas algumas moedas, que coloquei em um bolso a parte. Peguei as moedas na registradora, sem querer esbarrei no balcão, abrindo uma gaveta que não tinha reparado antes. Dentro dela tinha uma pistola 380. Cós dois carregadores cheios e uma caixa e meia de munição. Debaixo do Balcão, em um fundo falso, mas fácil de ser acessado, tinha uma escopeta (shotgun), cal. 12, carregada e com sete balas presas na lateral. Guardei a pistola na mochila e prendi a shotgun na mochila. Entrei no segundo bar, mas não tinha nada de interessante além de moedas e algumas poucas bebidas.

Bebi um pouco do meu preparado, tinha um gosto doce na boca, mas descia queimando, mas não era ruim. Guardei na mochila o restante e fui em direção a farmácia. Tinha um carro com a porta do passageiro aberta, mostrando dois zumbis presos pelo cinto, um no banco do motorista e um no banco detrás preso na cadeirinha. Pensei no filho que a Clara esperava e no que a Brenda podia ter. Eles não mereciam viver em um mundo como esse. Podiam a qualquer momento morrer e virar um zumbi como aquele bebê. Matei o motorista, que devia de ser o pai da criança e com os olhos fechados matei aquele pequeno zumbi.

Me escorei no carro e respirei um pouco tentando tirar aquela imagem da cabeça. Com certeza eu ia ter pesadelos com aquele bebê, pensando que deve de ser o da Clara. Escorreguei e chorei com a cabeça encostada nos joelhos. Me lembrava nos meus irmãos e na minha família, como eu os matei friamente, mas não consigo tirar aqueles rostos, desfigurados pela podridão, querendo me morder a qualquer custo. Sempre me visitam nos meus sonhos, me atormentando durante a noite que sempre sei que é longa. Senti uma mão tocar o meu ombro e vi o Bernardo e a Brenda, pareciam preocupados comigo.

– Não precisa se explicar a gente entende melhor do que você pensa.

– Também não conseguem dormir a noite? – A Brenda concordou.

– Vimos o zumbi no carro e entendemos. Acho que não é um bom lugar pro nosso filho viver, mas é o que temos.

– Então você?

– É, eu to grávida. – Ela deu um pequeno sorriso. – Quem diria não? Eu. Grávida.

– Só espero que não tenha o mesmo gênio que a mãe.

– O mesmo o quê Sr. Bernardo?

– N-Nada querida.

– Bom mesmo.

Dei um pequeno sorriso. Só os dois pra me fazerem rir nesse momento. Me levantei e fui até o porta-malas. Tinha duas malas di viagem com roupas e uma com suprimentos. Dentro do carro tinha uma mala com algumas coisas para o bebê. Entreguei a mala para Brenda.

– É bom começar a ajuntar as coisas do bebê. - Caminhamos até o caminhão conversando sobre amenidades, com a shotgun em mãos. Encontramos os outros no caminhão com tudo pronto. Entramos e fomos em direção a resistência. Vimos uma fumaça preta vindo da direção da Resistência, era muito grande pra ser uma simples queima de corpos. Subimos em um prédio alto o suficiente para ver o que aconteceu. Matamos muitos zumbis nos corredores mas não nos importamos, precisávamos saber o que estava acontecendo. Chegando ao telhado olhamos em direção a Resistência. A Clara se deixou cair no chão e começou a chorar. O Bernardo abraçou a Brenda com mais força, ela apenas virou o rosto e o colocou contra o peito dele, escondendo os pequenos soluços. A Tainá se sentou em um ar-condicionado e colocou o rosto entre as suas mãos. Eu não conseguia acreditar.

A Resistência estava em chamas. Ela tinha sucumbido ao ataque dos zumbis.