O Vermelho do Seu Coração

Capítulo 5 – Viagem no Tempo (parte 2)


Ao cair da noite, os quatro amigos montaram um pequeno acampamento numa clareira na floresta que Marceline afirmava ser segura. A vampira havia feito o reconhecimento do local, mas ela já dizia conhecer o local, de outras épocas.

Jujuba montou uma tenda improvisada e acendeu uma fogueira com a ajuda dos meninos. Infelizmente, não conseguiram nada muito sofisticado, pois ninguém esperava que ficassem presos no passado.

Quando finalmente conseguiram algumas provisões para passar a noite, se acomodaram para descansar e discutir o plano.

— A primeira coisa que precisamos fazer — Jujuba tomou a palavra — é encontrar o ponto que originou a mudança do nosso futuro. Alguma coisa específica que aconteceu hoje desencadeou tudo isso.

— Mas, princesa — Jake falou. — Se qualquer coisa poderia afetar o futuro, não poderia ter sido a nossa presença?

Ela balançou a cabeça em negativa.

— É possível, mas muito improvável — respondeu. — Se o futuro se reflete nos eventos do passado, significa que na nossa realidade presente nós fizemos essa viagem no tempo. Mesmo que nossa presença afete diretamente o futuro, não seria dessa forma tão drástica — explicou. — Nós alteramos toda uma realidade!

— Ciência, ciência... — Marceline flutuou lentamente acima dos outros amigos, fazendo um gesto de abre e fecha com uma mão. — Bla-bla-blá...

Jujuba revirou os olhos, ignorando completamente as gracinhas da vampira.

— Então o que fazemos? — Finn perguntou, enquanto rabiscava o chão arenoso com um graveto.

— Vocês não se lembram de nada durante a batalha com o Billy que possa ter afetado nosso futuro? — questionou ela.

Houve um silêncio geral, de repente. Ela podia jurar que havia uma espécie de tensão ali.

— Sabe, meninos — prosseguiu ela, sua mente entrando numa linha pensamento. — Tem uma coisa nessa história que eu não entendi muito bem. — Ela bateu o dedo indicador contra os lábios, ponderativamente. — Quando vimos o futuro alterado, vocês haviam perdido sua inspiração. O Jake era um criminoso e o Finn, um aspirante. Isso significa que o Billy deixou de ser herói.

Mais silêncio. Ela encarou cada um, mas nenhum deles ousou encará-la de volta.

— Algum de vocês faz alguma ideia do que possa ter ocasionado isso? — insistiu, levemente irritada com a falta de resposta dos amigos. Tinha um mau pressentimento sobre isso. — E então? — pressionou.

— Talvez a gente tenha deixado escapar uma coisa... — Finn falou, sua voz oitavando de um jeito muito suspeito.

— Finn... O que você fez? — Jujuba soou extremamente ameaçadora e fez com que o garoto se encolhesse.

Intercedendo pelo amigo prestes a levar uma bronca, Jake se apressou a falar:

— Fui eu! — O cachorro amarelo se encolheu, literalmente, até ter o tamanho de um pequeno inseto.

Quase não foi possível vê-lo. Nem ouvi-lo. Jake disse alguma coisa, mas sua voz estava tão baixinha e aguda, que ninguém – talvez com exceção de Marceline – conseguiu compreender.

— Poderia repetir, por favor, Jake? — Jujuba tentou soar complacente, mas seu olhar deixava evidente que ele estava na mira de sua fúria.

O cachorro tomou coragem e voltou ao seu tamanho normal, mas escondeu o rosto entre as orelhas.

— Eu-posso-ter-dito-ao-Billy-que-ele-vai-morrer. — As palavras saíram rápidas, como se fossem uma só. Jujuba levou alguns segundos para processá-las.

— Ai. Meu. Glob. — foi tudo o que a princesa conseguiu dizer.

Naquele momento, ela se sentiu consciente de cada célula doce em seu corpo, tamanho era o abalo em seus nervos. Os três amigos ficaram agitados, nervosos, falaram todos ao mesmo tempo, dando mil desculpas e justificativas para o que aconteceu, mas nada do que eles disseram Jujuba conseguiu ouvir ou assimilar. Ela estava em choque. Sua raiva crescia em um silêncio perigoso debaixo do seu estado catatônico, enquanto sua mente dava mil voltas sobre o que pensar em como consertar aquela confusão. A bagunça que Finn e Jake fizeram acabou sendo muito pior do que ela havia imaginado.

— Olha, eu juro que tentei impedir — Jujuba ouviu Marceline dizer ao longe. Ela estava bem ali, diante dela, e também tentava se explicar, mas a princesa nem se moveu para prestar atenção.

As palavras de Finn e Jake se embolavam em um frenezi verbal e isso só fazia com que a irritação dela crescesse ainda mais, até chegar a um nível em que ela sentiu seu rosto se esquentar até as orelhas, como se ela fosse explodir.

— Chega! — O grito da princesa foi capaz de calar todos eles de uma só vez. Ela os encarou, um a um, com um olhar cortante. — Cada segundo que passamos aqui é extremamente perigoso, então chega dessa discussão! Já que todos aqui já contribuíram para que essa confusão acontecesse, que tal começarmos a pensar em um plano?

Houve um longo e tenso momento de silêncio, até que Marceline finalmente se prontificou:

— Como podemos traçar um plano se nem sabemos o que você quer aqui? — Ela foi corajosa em dar a primeira palavra, dado o claro estado emocional da princesa, mas Marceline sempre parecia estar alheia a isso. Talvez ela soubesse e simplesmente ignorasse, ou talvez sequer se importasse, mas a princesa jamais saberia dizer.

Os três encararam Jujuba com certa expectativa, enquanto ela pensava se deveria ou não explicar a eles seu real objetivo ali, naquele tempo. Por fim, sabendo que não havia muito jeito de contornar a situação, ela resolveu tentar se acalmar para pensar com mais clareza e soltou o ar ruidosamente pela boca, resignada.

— Eu estou em busca de uma coisa extremamente rara... — ela começou a falar, tentando ignorar os olhares curiosos dos amigos. Exceto por Marceline, que parecia até um pouco entediada. — Meus Guardiões do Reino Doce estão perdendo as forças. Eu já havia previsto isso há alguns anos e procurei, por muito tempo, uma fonte de energia ilimitada. Tentei criar algumas, também, mas, obviamente, falhei. — Ela encolheu os ombros e não conseguiu esconder o desânimo em sua voz. — Eu já tinha ouvido falar de uma chama especial no Reino do Fogo. Trata-se de uma brasa-viva, de combustão infinita. Logo que eu soube da existência dela, fiz algumas pesquisas e descobri que ela seria perfeita para mim. Sem ela, meu reino ficará desprotegido.

— Mas Princesa — Finn a interrompeu educadamente, com uma expressão confusa. — Só não entendi por que tivemos que voltar ao passado para conseguir a chama. Não seria mais fácil nos mandar para uma missão especial até o Reino do Fogo? Já fizemos isso um milhão de vezes.

Ela deixou escapar outro suspiro e, pela primeira vez desde que chegaram ali, ela pareceu realmente exausta. As marcas de expressão abaixo de seus olhos eram as primeiras coisas a serem notadas.

— Infelizmente não, Finn. — Ela balançou a cabeça lentamente em negativa. — Essa chama é volátil, muito delicada e... Ela responde às pessoas de formas diferentes. Isso é algo que eu precisava fazer sozinha. E também... — Hesitou, um tanto sem jeito. — Eu não sei onde a chama está. Certamente, não está no Reino do Fogo, porque eu já procurei.

— Então, como vamos encontrá-la? — Jake perguntou, parecendo um pouco confuso.

— Espere — Marceline interpôs, após um longo tempo em silêncio. Ela sempre optava por se manter fora das conversas sérias, principalmente quando se tratavam dos assuntos do Reino Doce. Então quando ela falou, todos prestaram atenção. — Isso ainda não explica por que tivemos que viajar no tempo. — A vampira franziu o cenho e ponderou por um momento. — A não ser que você esteja planejando roubar a chama deste tempo, mas isso causaria uma bagunça total. Ou não?

— Não estou aqui pela chama. Eu vim pelo Billy — a princesa revelou, para a surpresa de todos. — Uma das lendas do Billy menciona esta chama. Diz a lenda que ela foi a causadora de uma enorme guerra. O Billy interveio e a escondeu num local seguro. Só ele sabe onde está. Infelizmente, no nosso tempo, o Billy morreu e o segredo se foi juntamente com ele.

Todos ficaram em silêncio durante um longo tempo. A morte do Billy havia sido um tremendo choque para todos, mas principalmente para Finn e Jake.

— Ah, Billy... — Ela ouviu Finn lamentar, com os olhos marejados e uma expressão profundamente distante.

O cão amarelo se esticou na direção do amigo e o envolveu com seus braços caninos felpudos, dando algumas voltas ao redor do corpo tristonho do jovem humano. Enquanto Jake consolava seu irmão, Jujuba desviou seu olhar para Marceline, que a encarava com uma expressão indecifrável.

— O que pretende fazer agora? — Marceline perguntou, parecendo finalmente levar a questão a sério.

Jujuba não respondeu imediatamente, pois não queria admitir que não tinha a menor ideia do que poderia fazer para reverter aquela situação. Baixou os olhos para as próprias mãos, apoiadas sobre as pernas, os dedos entrelaçados se retorcendo em um gesto ansioso enquanto sua mente divagava para bem longe.

O problema maior a ser resolvido no momento era o surto inesperado do Billy. Aparentemente, revelar que ele morreria no futuro não havia surtido um efeito positivo e o herói acabou se acovardando. Sem um herói como inspiração, Finn e Jake do futuro se tornariam, respectivamente, um aspirante preguiçoso e um criminoso. Aquilo não era nada bom, uma vez que, quanto mais eles demorassem a resolver esta questão, mais altas eram as chances de eles desaparecerem, até que a versão alterada deles se tornasse definitiva.

O rumo de seus pensamentos foi interrompido quando ela sentiu um toque gentil sobre sua mão. Erguendo o olhar, encontrou os olhos vermelhos de Marceline estudando-a cuidadosamente, com um carinho que há tempos ela não via. Jujuba não pôde evitar sorrir, sentindo um súbito rubor tomar conta de suas faces rosadas. Em momentos como aquele, ela quase podia acreditar que a vampira era capaz de ver através dela, suas fraquezas, inseguranças... Ela se sentia vulnerável e quase nunca isso era uma coisa boa. Talvez fosse por este motivo que ela sempre acabava afastando a amiga, como uma espécie de mecanismo de defesa, ela não saberia dizer com certeza. Mas, naquele instante, Jujuba não quis se afastar. Recusou-se a baixar o olhar, não queria se esconder. Aquele breve instante de conexão bastou para que seu coração se sentisse aquecido de um jeito mais que bem vindo.

— Huh... Meninas? — A voz de Jake arrancou as duas bruscamente daquele momento raro de intimidade, fazendo com que ambas se voltassem para ele ao mesmo tempo.

Jujuba recolheu a mão rapidamente, sentindo o rubor se alastrar até as orelhas e também pelo pescoço. Marceline, por sua vez, pareceu ficar irritada, de forma que seus olhos vermelhos se acenderam e ela sibilou ruidosamente, exibindo os caninos salientes e pontudos de forma ameaçadora, o que fez o cão se encolher miseravelmente. Mesmo depois de tantos anos de convivência, a vampira ainda conseguia causar este efeito sobre o cachorro mágico de um jeito que ela jamais poderia entender. Só lhe restou revirar os olhos.

— Princesa, nós queremos pedir desculpas pelo que fizemos hoje. — Foi Finn quem falou desta vez, sua voz soou baixa e contida, mostrando seu sincero arrependimento. — Não devíamos ter desobedecido suas ordens e agora estamos nesta encrenca, mas não foi por mal. Eu juro.

— É, Jujuba — Jake acrescentou. — Nós só queríamos ter a chance de lutar com o Billy outra vez. Sentimos falta dele...

— Eu sei, meninos. — Ouvir aquilo realmente a comoveu, mas sentimentalismo agora, infelizmente, não resolveria o problema. — Mas está feito e ainda não temos um plano para consertar isso. Preciso de ideias.

O rosto de Jake se iluminou no mesmo instante.

— E se a gente jogasse uma bomba fedorenta na caverna dele? — Sugeriu animadamente, como se aquele fosse o plano mais brilhante do universo.

Finn apenas riu da ideia, mas com cumplicidade, não com escárnio.

— Seria hilário, irmão, mas como isso poderia ajudar?

— Ah, sei lá. — Jake deu de ombros, despreocupado. — Poderíamos prendê-lo lá no fedor até ele mudar de ideia e voltar a ser herói.

— Ou... — Marceline flutuou até os jovens heróis, deixando seus cabelos pretos caírem soltos em uma longa cascata negra sobre a cabeça dos dois, numa clara provocação brincalhona. — Eu poderia usar meus poderes de vampira para convencê-lo a fazer um juramento.

Finn e Jake se livraram rapidamente da cabeleira escura que os cobria, como uma cortina, e encararam a princesa Jujuba com expectativa.

— Eu achei uma ótima ideia! — Finn se pronunciou primeiro.

— Não é tão legal quanto uma bomba fedida — Jake contrapôs. — Mas eu também acho que pode funcionar.

A vampira, que até então se ocupava em limpar uma sujeirinha invisível no canto de uma unha, lançou um olhar de soslaio para a princesa, também à espera de uma resposta.

Jujuba, porém, não achava que a solução poderia ser assim tão simples. Billy era um herói forte e não cederia assim tão facilmente. Assim como mágica, nada que fosse fácil demais lhe parecia confiável.

— Eu não sei... — Ela meneou a cabeça lentamente, ponderando. — Na verdade, eu duvido que isso possa funcionar.

Marceline endireitou a própria postura, descendo até o solo, firmando as botas longas e vermelhas sobre a grama com firmeza. Seu olhar sobre a princesa foi duro e intimidador.

— Está duvidando dos meus poderes, Princesa? — inquiriu, estreitando os olhos de um jeito nem um pouco agradável. Jujuba, porém, não se afetou. Estava mais do que acostumada com aquela atitude de Marceline, sempre impulsiva demais. Emocional demais.

— Eu só disse que não achei essa ideia muito boa — respondeu, cruzando os braços teimosamente contra o peito estufado, erguendo o queixo de forma autoritária.

As duas trocaram um olhar mutuamente desafiador durante um longo instante. Aquele momento de intimidade silenciosa que haviam compartilhado minutos antes, de repente pareceu que acontecera há uma eternidade.

— E Vossa Alteza, por acaso, teria uma ideia melhor? — atalhou a vampira, destacando o termo “alteza” de um jeito venenoso e debochado.

— Na verdade, eu tenho sim — respondeu Jujuba, de repente sentindo-se muito confiante. Detestava que Marceline se referisse a ela com tamanha petulância, principalmente quando o fazia utilizando seus títulos reais. Era ofensivo e desrespeitoso. — Prestem muita atenção. Eis o que vamos fazer...