O Verdadeiro Lar - A Luz De Safira

Festival de Inverno - Parte II


“Ah, que vestido colocar?”, pensava Ayra, olhando suas roupas. Haviam tantos... queria impressionar Hai Li quando estivessem sozinhos. Aliás, logo ele estaria no palácio como convidado especial devido ao anúncio de seu compromisso.

Ju estava em seu quarto fazendo o mesmo. Faltava muito para a noite, mas ainda assim, ela, como as princesas, queria estar bem.

Xue já escolhera sua roupa, um q’pao azul claro com flores em azul escuro desenhadas, uma sobreposição aberta transparente, a cinta que iria abaixo do busto era branco como os detalhes da borda do vestido e uma capa em turquesa.

Estava no quarto da sua irmã esperando para ver o modelo da vez quando se lembrou da visão que teve de Ayra roubando a joia de alguém. Ayra se virou e encontrou Xue a encarando seriamente.

- Que foi?

- Você está me escondendo alguma coisa?

- Ahn?! Como assim?

- Algum segredo, algo que você pretende fazer...

- Bem, se está falando de usar as joias da mamãe hoje, sim. Quero fazer surpresa para papai – sorriu.

- Não estou falando disso... qualquer outra coisa mais séria que pretende fazer...

- Não estou te entendendo, Xue – a pantera branca começou a ficar nervosa, lembrando-se o que deveria fazer por aquele que a ajudou a conseguir permissão de se casar – para com essas perguntas e deixa eu me trocar...

- Mas...

- Mas, nada. Sai Xue! – Gritou.

Xue abriu os olhos em surpresa que durou apenas segundos e depois retomou a expressão séria para sair do quarto, sem dizer nada. Ayra ficou ali parada com roupas na mão, cabisbaixa. Não sabia que dizer à irmã, só gritou porque estava nervosa. Nunca havia feito isso e agora tinha a certeza que a magoou.

Colocou as roupas de volta onde estavam. Não tinha cabeça para nada depois de gritar com sua irmã, a quem tanto amava e de quem cuidava e viu crescer desde que sua mãe se foi. Já não estava tão certa de que aceitar a ajuda de Fa Huo fora uma boa ideia.

Xue correu até a estufa e se sentou em um banco que havia. Logo outra pessoa se juntou a ela. A velha cabra se aproximou.

- O que houve, pequena?

- Minha irmã, brigou comigo. Tentei saber de uma coisa... só pra confirmar.

- Tentou ter certeza de uma visão?

- Sim.

- Não fique triste, andamos por lados que jamais imaginamos, mas vamos chegar ao devido lugar. O destino se encarregará de mostrar os caminhos e ela escolherá, o que for mais forte dentro dela, vai apontar por onde ir.

- Será?

- Claro, claro que sim. Eu sei o que você viu, esqueceu que também posso ver – riu a cabra e notou que Xue ficou tensa com o que ouviu -, não se preocupe, não vou me intrometer, mas você pode. Pode ajudar aconselhando.

- Vou tentar, assim que ela começar a fazer besteira – sorriu – e tenho uma dúvida que eu não sei se vou conseguir tirar.

- Qual, minha jovem?

- Minha mãe tinha os mesmos sintomas que eu... por quê morreu? Será que ela tinha um dom também? Será que ela não quis desenvolver?

- São muitas dúvidas – brincou a cabra -, mas você pode entender o que aconteceu a ela, com o tempo, se se concentrar, vai conseguir.

- Sério? – Se surpreendeu Xue.

- Sim, logo saberá. Poderá ajudar sua irmã e quem mais precisar assim que melhorar sua meditação.

- Assim espero – respondeu Xue abraçando Fala Macia que retribuiu.

Aquela explicação que a jovem pantera procurava poderia ser dada por alguém mais. O ser que continha essa informação estava agora sentado em seu quarto, já havia ido torturar seu prisioneiro falando coisas horríveis sobre o mundo fora daquelas barras de ferro e agora iria visitar o espelho, mais uma vez, para saber como estavam indo as coisas.

Subiu as escadas da torre até chegar ao quarto e abriu a porta. As janelas foram cobertas com um pano escuro e grosso, fazendo com que a única fonte de luz fosse o próprio espelho.

- Olá, antes que eu me esqueça. Feliz festival de inverno – sorriu maliciosamente.

O ser no espelho o encarou com um olhar assassino. Se pudesse acabaria com aquele panda maldito. Fa Huo se aproximou mais do espelho, o potencial deste oráculo era limitado, mas ainda assim, era de alguma ajuda.

- Vamos ver se você presta pra alguma coisa... hm, me mostre o futuro da mestre Tigresa.

O oráculo semicerrou os olhos para encarar o panda por um segundo e depois de um clarão de luz branca, apareceu Tigresa com um vestido vermelho largo e comprido sentada em uma cadeira na varanda de um palácio. Olhava para a paisagem enquanto suas patas estavam pousadas em seu ventre que parecia estar estufado. Haviam dois tigres a seu lado, um deles era seu pai, aquele imbecil que desatou uma guerra que o favoreceu, mas depois impediu de separar Tigresa e Po. O outro era o garoto que estava com eles quando encontraram Yu Qin, Dishi, o atual imperador tigre.

Ela não parecia exatamente feliz, mas também não estava chorando e olhava com tristeza para seu ventre enquanto o acariciou. O pai dela estava atrás de sua cadeira, de pé enquanto Dishi estava sentado no chão.

Fa Huo sorriu. Ela logo saberia, logo ele teria o pretexto perfeito para impedir novamente o hibridismo e, novamente, ninguém o poderia impedir.

- Já chega, já sei o que precisava. Você é útil, mas An, era mais... pena que seu companheiro me encontrou no último esconderijo e deu sua vida para quebrar o espelho, mas a pedra safira segue aqui – mostrou a pedra que seria colocada no encaixe de outro espelho, era a mesma moldura, uma moldura enfeitiçada – assim que eu tiver uma fêmea melhor, já não servirá de nada para mim. Eu quebrarei o seu e vou aprisionar outro que possa me ajudar mais. An me deu respostas do porquê eu preciso separar esses dois, tudo para que eu não matasse o companheiro na frente de suas filhas, mas você, até agora não ajudou em muita coisa. Se não quer que eu faça o pior com seus entes queridos, especialmente seu irmão que está bem próximo, acho bom que melhore – quando disse isso, seus olhos se tornaram totalmente negros.

Saiu do quarto, trancando-o e descendo a escadaria, deixando uma ameaça à pobre criatura do espelho e ele não era de deixar passar.

-

– Tigresa! – Gritou Hui Nuan e correu em direção à filha assim como os outros.

Conseguiu segurá-la a tempo de não encostar o corpo no chão. Ela estava com os olhos entreabertos e já nos braços do pai, piscou algumas vezes para tentar se dar conta do que estava acontecendo.

Garça começou a abaná-la com uma de suas asas e Macaco foi buscar um copo de água no restaurante do Sr. Ping. Os aldeões começaram a se acumular, preocupados com o que acontecera com a mestre.

- Gente, por favor, não fiquem em cima dela, Tigresa precisa de ar – pedia Víbora deixando os curiosos à uma distância que não abafasse o ar em torno da felina.

- Tigresa, você está bem, filha? O que está sentindo?

- Eu senti tontura e não consegui me segurar, como se meu corpo ficasse pesado... – disse ela sentando-se.

Macaco chegou com o copo de água e entregou a ela, Tigresa o tomou e devolveu ao primata. Seus amigos a olhavam preocupados, assim como seu pai e isso estava começando a incomodar.

- Já estou bem – tentou se levantar e apesar de sentir como suas pernas fraquejarem, conseguiu.

Sentiu algo revirando seu estômago, talvez fosse porque não havia comido bem.

- Você tem que ir ao médico, Tigresa – disse Víbora em tom sério.

- Não preciso, estou bem.

- Você não costuma ter essas coisas, tem que ir sim.

- Não preciso... não vou em médico nenhum.

- Ah, vai sim – disse Hui Nuan.

- Não se preocupe, eu estou bem e não preciso.

- Tigresa – disse amavelmente a serpente – você não está se alimentando direito há dias...

- Pode ser fraqueza.

- Não, não é. Você já passou mais tempo sem comer em missões do que hoje. Quando você come, ás vezes é pouquíssimo e às vezes parece Po quando está chateado ou preocupado. Imagine o que ele iria fazer se te visse assim... além disso, você está mais sonolenta do que antes e pensa que eu não ouço você correr pro banheiro à noite?

A felina desviou o olhar de sua amiga. Será que estava doente? Não sabia, mas se estivesse, a única coisa que sabia era que estaria melhor daqui a alguns dias. Mesmo que estivesse com alguma doença, viajaria, tinha uma missão programada para a Cidade Proibida e não a adiaria, nunca adiou missão alguma por um resfriado ou o que quer que fosse.

Além disso, se encontraria com seu marido e provavelmente, ele voltaria para o palácio para ficar de vez ali. Tigresa imaginava que Po já anunciara quem seria o novo governante do clã panda.

- Eu estou bem – disse ela, seguido de um grunhido.

- Então porque ainda sinto você tremer e sua voz está fraca? – Perguntou ele encontrando argumentos suficientes para calar a felina – ou prefere que conte à Shifu e ele te obrigue a ir... você quem sabe.

Tigresa suspirou profundamente e assentiu.

- Está bem, mas que ninguém pense em me deter de ir à missão. Eu nunca deixei de cumprir com meus deveres, mesmo quando ficava doente.

- Tudo bem, amiga, só queremos saber o que você tem. Só isso – sorriu Víbora.

- Vem, vamos ao médico... espera, onde é? – Perguntou Hui Nuan apoiando o braço de sua filha em seus ombros para evitar que ela caísse outra vez.

Os amigos da felina os guiaram até a casa da curandeira da aldeia que foi prisioneira do antigo imperador tigre. Uma gata montesa chamada Mi que estava com um vestido colorido e comprido de mangas largas e gola “c”. Estava ocupada guardando as coisas já limpas que usou no último parto que fizera e logo as prepararia para uma emergência, já que algumas crianças do vale passavam por ali ao menos uma vez por semana para cicatrizar as feridas que adquiriam durante as brincadeiras doidas que inventavam.Ouviu alguém abrira porta e se virou. Era Hui Nuan.

Ao entrar com Tigresa apoiada em si, a jovem gata montesa correu até ela. Ela não vivia aqui no vale há muito tempo, mas a fama precedia a mestre do estilo tigre e se ela estava assim, algo muito estranho ou muito grave aconteceu.

- O que houve com ela? – Perguntou a curandeira se aproximando para ajuda-los.

- Já disse que consigo andar, me soltem – esbravejou Tigresa e então foi colocada sentada na cama do consultório.

- Ela teve tontura e quase caiu, está tremendo um pouco por isso e está passando mal há vários dias – respondeu Víbora.

Tigresa apenas observava como era entregue à gata, não queria estar ali e estava brava consigo mesma por não aguentar uma tontura boba.

- Hm, está bem. Preciso que esperem lá fora enquanto eu converso com Tigresa e a examino.

- Está bem – disse Hui Nuan.

Quando o grupo saiu e fechou a porta, a curandeira voltou-se para a felina.

- Retire o colete e as vendas, coloque essa bata – estendeu-lhe uma bata branca e depois que Tigresa saiu de trás do biombo, instruiu – pode se deitar, por favor. Eu vou primeiramente fazer um exame de rotina e tocar no seu abdome, ombros e nas patas.

- Ok – respondeu a felina se deitando depois de tirar as sandálias.

- Se algo doer, me avise.

Começou a tocar o abdome de Tigresa na altura das costelas uma mão de cada lado ao mesmo tempo tentando sentir se havia algo ali com algum osso quebrado ou parte sensível.

Nada, Tigresa nem se mexia, Mi apenas a sentia respirar conforme seu peito subia e baixava. Tocou nos ombros e pescoço da felina e nada. Tocou nas patas e nada, até que percebeu a careta que Tigresa fazia.

- O que foi?

- Eu acho que... – correu para um pequeno balde que havia ali e então seu estômago agiu sozinho.

Mi ficou olhando para ela e sorriu, pensava já sabe qual era o “probleminha” da mestre de kung fu, mas ainda faria algumas perguntas e faltava tocar no ventre da felina.

Tigresa se levantou, Mi se aproximou dela com uma toalha para que fosse à pequena pia e lavasse o rosto. A felina se aproximou e bombeou a água, esfregando o rosto com as patas, especialmente a boca e se enxugou.

- Está melhor?

- Sim, obrigada – respondeu ela se sentando novamente na cama.

- Então, era a isso que se referia sua amiga réptil, você tem náuseas...

- Sim.

- Deite-se novamente – pediu a gata e Tigres deitou - com que frequência e em que período? Seja sincera porque quanto mais rápido eu souber de tudo, mais rápido vai melhorar e sair daqui – começou a tocar novamente o abdome da mestre.

- Às vezes durante a noite e de manhã, varia sempre e não são todos os dias que vomito. Está ficando mais frequente...

- Todos os dias?

- Há uns quatro dias, sim.

- Hm – dizia ela para demonstrar que estava ouvindo Tigresa.

O silêncio se fez presente enquanto Mi ainda a examinava. Colocou suas patas sobre ventre de Tigresa enterrando um pouco os dedos sem machucar como fez por onde examinou, e estava diferente dos outros locais. Ao tentar afundar um pouco os dedos pela pelagem da felina, Mi não conseguiu ir muito além e essa área geralmente não é tão rígida assim.

Tigresa começou a sentir incômodo assim que a médica a tocou nessa área de seu corpo e não pôde evitar grunhir. Mi ignorou os grunhidos da felina e continuou com seu trabalho. Tirou as patas da guerreira e deu um passo para trás pegando o colete e as vendas da felina para ajudá-la a colocar. A mestre se levantou e depois de tirar a bata, Mi a ajudou a colocar as vendas, depois colocou o colete sozinha.

Havia uma salinha ao lado e Mi abriu a porta, era uma cozinha, pediu que Tigresa a esperasse. Depois de fechar a porta, foi até o armário, pegou algumas folhas de chá, preparou para sua paciente. Voltou para a sala de consultas e a serviu.

- Já sabe o que tenho?

- Sim.

- É grave?

- Não, não é nem uma doença.

- Como não? – Deu os últimos goles no copo de chá.

- Você está grávida – sorriu.

-

Do lado de fora da sala, assim que saíram, Garça foi atrás de Mestre Shifu que havia ido meditar na Gruta do Dragão. O panda vermelho ficou preocupado e desceu o mais rápido que pôde até onde sua filha estava sendo consultada acompanhado pelo aluno que o guiava.

Chegando à sala de espera, perguntou o que aconteceu e seus outros e Hui Nuan esclareceram para ele.

- Espero que ela esteja bem – disse Hui Nuan.

- Ela estará bem, sim. Tigresa é uma felina resistente, nada a afeta tanto.

- Deve ser a falta do Po... – Louva-a-Deus foi interrompido por um golpe de cauda de Víbora.

- A última coisa que precisamos agora é de alguém fazendo brincadeiras idiotas. Ninguém precisa saber do que acontece com eles.

- Víbora tem razão, Mestre Louva-a-Deus. Ao menos eu como pai dela, não quero saber – disse o tigre encarando o inseto como sua filha costuma fazer.

Abriram a porta, Mi colocou a cabeça para fora e os avistou. Saiu e trancou a porta atrás de si. Seu vestido estava molhado com algum líquido de cor verde. Macaco fez cara de nojo, mas logo a médica se explicou:

- Não, ela não vomitou em mim, Mestre Macaco – disse rindo – ela cuspiu o chá que dei a ela para melhorar seus enjoos.

- Por que fez isso? – Perguntou Hui Nuan – está muito mal? Não quis ser examinada? Por que não saiu da sala?

- Se acalme, senhor – encarou seriamente o tigre, respirou fundo e voltou a sorrir – ela está bem, não está doente e não saiu porque está tomando um pouco do chá para se acalmar. Não se preocupem com o que ela está sentindo esses últimos dias, são apenas as primeiras semanas, será assim por algum tempo...

- A que se refere, primeira semana de quê? – Perguntou Shifu.

- A amiga de vocês está grávida.

- O quê?! – Disseram todos.

- Que lindo! Tigresa vai ser mãe – os olhos da serpente estavam tão brilhantes...

- Coitado dessa cria, a mãe é uma psicopata – Macaco levou um tapa de Hui Nuan, e foi fraco – ei!

- Não fale assim da minha filha.

- Mas ela não tem... bem, um extinto maternal, pelo menos não parece... – concordou Garça.

- Como é possível? – Perguntou Shifu.

- Como assim? – Perguntou Mi confusa.

- O... o marido dela é um panda... não é possível que tenham filhotes, ou é?

- Bem, a natureza é misteriosa. Há coisas que ainda não sabemos, só agimos como ela quer, do modo que ela nos leva.

- Eu vou ser avô.... eu vou ser avô! – Comemorava Hui Nuan com os olhos âmbar brilhantes.

- Eu vou matar aquele panda – dizia Shifu entredentes.

- Vou ver se ela está melhor e já pode ir pra casa. Ah, recomendações: que ao menos durante essas primeiras semanas, tomem cuidado com o que comer para não causar tantas náuseas e acabar perdendo peso. Que ela tome muito líquido e qualquer coisa que não faça parte da gravidez, deve ser dita a mim imediatamente ou à qualquer outro médico. Evitem que ela faça movimentos muito bruscos, ao menos por essa semana para não machucar o filhote...

- Isso vai ser difícil – brincou Macaco.

- Mas evitem.

- A gravidez será de quanto tempo? – Perguntou Shifu.

- Já que são espécies diferentes, será de mais ou menos quatro meses. Digo esse tempo pela média da gestação de uma tigresa, mas eu ainda não conheço a gestação de pandas e então não posso passar o tempo certo, sinto muito.

- Quer dizer que pode nascer à qualquer momento?

- Sim.

- Não podemos deixá-la sozinha, ela vai querer viajar conosco para a Cidade Proibida.

- O quê? Viajar nestas condições? Se tiver como esperar um pouco mais, esperem.

- Não tem como.

- Sendo assim, espero que vocês viajem devagar e levem comida suficiente para ela. Lembrando que ela não pode fazer muito esforço – disse e se virou para entrar na sala.

- Está bem?

- Sim – disse ela olhando para baixo sem expressão.

- Pois, não parece. Algo errado?

- Tenho medo...

- De quê?

- De não ser boa mãe, não estou pronta e nem... nem esperava isso. Não casada com ele.

- Todas nós, felinas, podemos ser duronas, briguentas, eu era assim também... mas, quando se trata de filhos, com eles não somos assim, mas somos piores pra protegê-los. É o instinto maternal, assim como o instinto de caça. Podemos superá-lo ou nos deixar guiar por ele – tocou o ombro de Tigresa, chamando a atenção dela para que ela olhasse – confie em mim, eu tenho dois filhotes que voltei a ver há pouco tempo e tenha certeza que você saberá o que fazer – sorriu.

- Será mesmo?

- Claro que sim.

Ambas saíram da sala e Hui Nuan abraçou sua filha cuidadosamente. O problema estava resolvido, exceto para Mestre Shifu. Ele, diante de todos, fez com que Mi prometesse que não comentaria nada com ninguém e que viajasse com eles para cuidar de Tigresa. Ela concordou.

A líder dos Cinco Furiosos quis saber porquê não contar ainda a ninguém e a resposta foi que Po ainda não estava ali para protegê-la e ao bebê, que ele deveria estar junto a eles porque nem sempre os outros e ele poderiam proteger Tigresa com as ameaças ao vale e à China.

Vigiada pelo Grão-Mestre e Hui Nuan, Tigresa voltou ao palácio para tomar um banho e descansar para o festival.

-

Caía a tarde e Ayra estava arrumada. Vestia um q’pao majestoso vermelho com sobreposição dourada e uma capa de mesma cor. Os detalhes do vestido eram espirais e chamas douradas e a faixa que iria abaixo do busto era vermelha sem detalhe algum.

Saiu de seu quarto buscando sua irmã. O clima ainda estava um pouco pesado entre elas, Xue ainda estava chateada e mal falava com Ayra.

As duas foram rumo ao salão principal, onde a futura imperatriz deveria encontrar seu noivo antes da festa para ficar ao menos alguns minutos à sós com ele, já que sua família estaria ali também.

O encontrou e Xue se retirou para passarem o resto da tarde juntos.

A noite chegou muito rápido. Em Yu Qin, Po estava quase dormindo em cima da mesa de jantar enquanto os outros esperavam a chegada da meia noite para desejar uns aos outros um feliz festival. No Vale da Paz, Tigresa havia tomado banho e descansado, começou a sentir fome e desceu com os outros para o festival. Já estavam brincando nas barraquinhas.

A felina queria contar à Sr. Ping sobre a novidade, mas seu mestre aconselhou que o próprio Po contasse. O que ele queria na verdade era saber se Po cumpriu sua parte do trato. Já seria arriscado o suficiente que uma mestre de kung fu tivesse um filho e mantivesse seu posto, só que era mais, sendo ele também de um guerreiro lendário.

“Que você tenha arranjado outro líder para ficar no seu lugar, Dragão Guerreiro”, pensava ele enquanto caminhava ao lado de Tigresa, Víbora e Hui Nuan rumo à barracas de comida e depois ao restaurante. Desejava do fundo de sua alma que isso fosse verdade.

Voltando à Cidade Proibida, todos estavam aproveitando o delicioso banquete da família real. O anúncio já fora feito, a família de Hai Li estava ao lado dele e Ayra nesta hora, quando Zhi chamou a atenção de todos para contar sobre o casamento da futura imperatriz de toda a China.

Todos brindaram e comemoraram que alguém do povo fora escolhido pois isso mostrava que para o amor não havia classe social, nem raça. Havia um ser em todo o salão que passou quase o tempo todo se esgueirando para se aproximar da princesa e contar tudo o que sabia. Era Rin.

Não estava nem um pouco feliz e tentaria acabar com isso agora mesmo.

Aproveitando que a princesa se aproximou da mesa para tomar alguns doces com ela, foi lá também e a chamou de cabeça baixa para que não a reconhecesse:

- Princesa? Ayra?

- Sim – respondeu a princesa que usava uma máscara.

- Me acompanhe, preciso falar algo urgentíssimo a seu respeito – saiu andando o mais rápido que pôde até a porta principal.

Ayra a seguiu, ela estava indo ao corredor que dava na entrada do palácio. Xue reparou na movimentação e foi também, chamando Hai Li com ela, sem se deixar serem vistos por sua irmã.

Já lá fora a pantera negra parou de costas esperando que a princesa se aproximasse. Quando o fez se virou para encará-la e então Ayra começou a grunhir.

Nenhuma das duas sabia que eram vigiadas por Hai Li e Xue.

- O que você quer comigo? – Perguntou Ayra entre fortes grunhidos.

Rin sorriu e começou a andar em torno da princesa, que permaneceu parada. Essa antiga ladra olhava Ayra de cima a baixo e viu a joia que roubaram uma vez.

- Hm, Hai Li, não perdeu tempo mesmo... continua o mesmo ladrãozinho que conheci...

Ayra e o leopardo grunhiram, ainda que ela não fosse consciente de sua presença.

-... e que era pra ser meu.

- Como assim, pra ser seu? – Perguntou Ayra virando o rosto para a direção da qual vinha a pantera, já que ainda estava andando lentamente a seu redor.

- Como assim? Você namorou com ela? – Perguntou Xue em um sussurro.

- Sim, eu achava que ela era uma garota legal, mas aí por causa dela e da perseguição das nossas famílias, eu fui ladrão – respondeu em um sussurro.

- Simples, depois de tudo que fizeram de mal pra nossas famílias, sem dinheiro, nem emprego, tivemos que roubar. Nos aproximamos muito e acabamos namorando – sorriu com autossuficiência -, até roubamos esse mesmo esse conjunto de joias que você está usando. Era da sua mamãe, não era?

Ayra ficou petrificada olhando para a pantera agora na sua frente. Rin contou todos os detalhes sobre o roubo, até mesmo como foi que o perdoou depois e como foi recompensada por isso.

- Ele foi meu companheiro alguns anos depois.

Os olhos da princesa se abriram a não poder mais. Nesse momento, Hai Li recebeu um soco de Xue, atraindo a atenção de ambas as fêmeas na direção deles, mas estavam escondidos, tanto que não foram vistos.

Conversaram novamente em sussurros.

- Eu não sabia que iria conhecer sua irmã. Achei que ia ficar com Rin a vida inteira...

- Por que terminou, então?

- Porque me arrependi de ter tornado ela a minha primeira companheira, sem gostar de verdade.

- Foi por sua causa que terminamos. Passei todos esses anos tentando me reaproximar dele, mas desde que ele viu a dona de olhos azuis, não quis mais saber de mim.

A princesa sorriu, embora estivesse brava e surpresa com essas coisas horríveis, percebeu que ele se redimiu, em grande parte, por sua causa.

- Só precisava alertá-la sobre o tipo de macho que está pra se casar – “agora eu o tenho de volta”, pensava ela sorrindo.

- Se ele não está com você, certamente se arrependeu – respondeu Ayra com os olhos cheios de lágrimas ligeiras para escapar. Rin não esperava essa resposta e ficou em choque – eu o conheço melhor do que você, pelo jeito. Já não é mais assim. Se não há mais nada para me falar, com licença – disse enxugando as lágrimas com o dorso das patas e virando-se para voltar ao salão com sua postura mais altiva.

- Isso ainda não acabou – ameaçou Rin e saiu do palácio.

Ayra entrou procurado por seu noivo, eles entraram atrás dela e Hai Li fingiu estar vindo do meio do salão.

- Hai Li.

- Oi minha flor...

- Amanhã, eu quero conversar com você.

- O que... ?

- Feliz festival de inverno – inclinou um pouco a máscara para deixar seu focinho de fora e o beijou, tomando-o de surpresa.

Hai Li não hesitou e a abraçou enquanto desfrutava do beijo.

Em Yu Qin, Po foi acordado por seu pai depois de tirar outra soneca encostado na parede. Trabalhou duro para aprontar o festival e sua mente estava exausta por tudo que pensava, além de ter feito a ronda para ver se haviam bandidos.

Jing-Quo desejou feliz festival a ele, Po retribuiu e foi caminhar cumprimentando a todos que estavam na festa.

Só pensava em poder desejar também para seus amigos, seu pai, seus sogros e é claro, Tigresa, sem saber que agora havia alguém mais para listar. Logo voltaria a ver todos eles.

Segurou seu medalhão de Yin Yang, olhando para a lua que se mostrava depois da passagem de algumas nuvens. Disse com um sorriso no rosto:

- Feliz festival de inverno.

Aquele belo céu de inverno podia ser visto também no Vale da Paz onde Tigresa estava com seus pais, amigos e seu sogro, comendo macarrão, bolinhos e rolinhos primavera. Sr. Ping estranhou esse comportamento de sua nora, achava que tinha algo errado, aliás, diferente, apenas. Rezava para que estivesse certo pensando que seu neto estava à caminho, apesar de não acreditar como seria possível. Nem se importava, queria netos e pronto.

Não iria comentar com ninguém de suas suspeitas, porque se ninguém contou, Tigresa não deveria estar aceitando muito bem, conhecendo o temperamento dela ou talvez tivessem outros motivos.

A felina deixou de comer por um instante, atitude que não foi percebida pelos seus amigos que conversavam, comiam, brincavam desejando uns aos outros as boas vibrações do festival. Deixou de comer para descer sua pata até seu ventre e em seus lábios apareceu um ligeiro sorriso. Apesar do medo, não podia acreditar que seria mãe, estava feliz.

Sem pensar, olhou para a lua ainda com seu sorriso.

- Feliz festival de inverno, Po.