O Verdadeiro Lar

Não se Esqueça de Si Mesmo


Dishi ouviu uma voz que o chamava, uma voz conhecida. Um arrepiou correu sua espinha e então, virou-se e seus olhos se encontraram com uma figura um pouco borrada e rodeada por uma fraca luz. Ele deixou cair o queixo diante dela.

- Mãe? – Perguntou em um sussurro com vontade de chorar e sem crer no que via.

- O que você está fazendo, filho? – Dizia a aparição de Akame, chegando perto do tigre. Seu tom de voz era triste como seu rosto.

Dishi permaneceu parado de pé, ainda olhando em choque. Ela estendeu uma pata para tocá-lo no rosto e conseguiu, fazendo com que ele sentisse seu carinho como se algo leve roçasse sua bochecha. Não era como uma brisa, como Dishi imaginou que seria, pois brisa seria fria ou no mínimo fresca e aquele toque não era quente, nem frio, não sabia.

- Mãe, eu sinto sua falta – disse ele entre lágrimas que desciam sem parar ainda sentindo o carinho de sua mãe – se é você mesmo, eu sinto sua falta. Eu te amo, mãe. Nem pude dizer isso antes... de você...

- Está tudo bem. Eu sei, meu amor, eu sei. Também te amo e estou sempre você. Nunca se esqueça disso. Mas você ainda não respondeu minha pergunta – retrucou ela firme como quando ele quando era um filhote fazendo travessuras.

- Eu... eu estou, eu preciso disso mãe, preciso dela. Ela é a melhor que conheci. Não quero fazer mal a ela e nem ao Po que me ensinou tanto, não vou fazer mal a eles, só quero ser feliz com ela quando conseguirmos derrotar Hui. Ela vai me dar forças pra enfrentar esse tirano.

Akame permanecia olhando seu filho ainda com a pata em seu rosto e parecia pensar no que diria a ele.

- Sim, vai, mas não da maneira que você espera e você sabe disso – aguardou seu filho dizer algo, mas não respondeu e então ela continuou – vão me impedir te ver e falar com você de novo se esquecer seu caminho, se esquecer o que é certo.

- Quem vai te impedir? – Perguntou Dishi, arregalando os olhos.

- Não posso dizer mais, só o que quero é que tudo dê certo, que seja como deve ser. Está sendo egoísta, pensando só em você sem se quer pensar no seu povo, e na felicidade dessa tigresa...

- Não, não estou sendo egoísta e eu posso dar conforto e felicidade de verdade pra ela, e vou conseguir retomar nosso reino. Você não foi embora em vão, mas não sei exatamente o que devo fazer...

- Você saberá, se abrir seu pergaminho. Você vai entender porque o que está tentando não vai dar certo e só trará sofrimento à vocês. Lá encontrará seu destino.

- Isso vai trazer sofrim...? Não, não vai. Eu vou dar o meu melhor pra tudo que eu fizer.

- Eu sei que se esforça, mas esse não é seu caminho, é dele, pertence ao panda. Ele é o guerreiro mais forte da China, ele tem o dom, ele tem o chi dos heróis e ele caminhará ao lado dela - dizia Akame demarcando a palavra "ele" todas as vezes que a pronunciou -. O destino já desenhou os caminhos de todos pois sabe o que cada um deve aprender, inclusive você. Apagar o que ele escreveu talvez o coloque em grandes riscos, num caminho sem volta como o de Hui Nuan e vai ter que aprender da pior forma como ele.

Dishi apenas grunhiu apertando os punhos e olhando para o chão, não é possível que seja assim. Ele deveria e poderia ter uma chance com Tigresa sem alterar seu destino, fazer dela sua imperatriz. Uma coisa que fosse mudada, um fio fora do lugar, faria alguma diferença?

- Se ela te escolher, não fará diferença. Mas agora deve prestar atenção ao que diz seu presente, suas previsões.

Akame respondeu como se lesse os pensamentos de seu filho.

- Ainda não está na hora de abrir meu pergaminho.

- Não importa, seu destino é mais importante. A tradição voltará a fazer sentido nas próximas gerações. Mas agora você está dando mais atenção a coisas que deveriam estar em segundo plano do que ao que te levou ao Palácio de Jade e assim, se equivocando – disse Akame com seriedade.

- Claro que não estou fazendo isso – Dishi começou a ficar bravo e se afastou da mãe, dando-lhe as costas.

- Por favor, ouça-me... não deixe que seu coração se encha de raiva e inveja pelo veneno de palavras alheias, tome cuidado. Não se deixe cegar, meu filho.

Dishi virou-se novamente para responder, mas apenas viu folhas revoltas em redemoinho no lugar onde a tigresa deveria estar, para depois se espalharem.

- Mãe... mãe?! – Chamava ele desesperado.

“Mas que droga, mas que droga. Dishi, seu idiota! Eu não tinha que ter falado assim com ela, agora eu nunca mais vou vê-la”, pensava ele socando uma pobre árvore que nada tinha a ver com o que aconteceu.

Depois de um tempo chorando com a cabeça encostada na árvore que serviu para descarregar sua ira consigo mesmo, as lágrimas já haviam secado e a tristeza do jovem príncipe havia se transformado em mais raiva. Por que tinha que deixar de lado sua futura esposa se poderia ganha-la e retomar seu reino?

“Não importa como eu faça, vai dar na mesma... eu vou ter meu reino de volta e a mais bela tigresa de já vi em toda a China. Do mesmo jeito que Hui pode conquistar o que quer com sua ‘fala-veneno’, eu também posso. Não sou seu filho, mas herdei seu mesmo dom da palavra e ele vai provar de seu próprio remédio...”. Na mente do jovem tigre se formava um plano, uma estratégia, onde conseguiria tudo o que veio buscar e o que passou a desejar quando chegou aos mestres. Tudo de uma só vez, como se da jogada final de mahjong se tratasse.

Assim ele foi de volta à festa e precisava conversar com Song.

Chegando lá, viu os guerreiros reunidos, conversando. Obviamente Po e Tigresa lado a lado.

Ele chegou perto de Song e lhe sussurrou sobre o ocorrido, escondendo o que sua mãe lhe disse. A felina sentiu uma reviravolta em seu estômago, queria ficar feliz por Po, mas ao mesmo tempo não deveria deixa-los juntos. Já sabia sobre o plano do jovem tigre.

Quando Jing-Quo, Shun e Mestre Shifu se aproximaram, o panda e a felina se soltaram, ainda não contariam nada a eles primeiro: porque o panda vermelho já bateu em Po quando o viu perto de Tigresa, e segundo: o pai do panda gigante o havia conhecido hoje, não sabia lidar com o fato de ter que contar algo assim nem com Sr. Ping ainda mais com seu pai biológico, então deixaria para depois que toda essa confusão terminasse.

- Olá filho, mestres, vocês estão ótimos... está gostando da festa, Po?

- Sim, está demais! A comida tá ótima, as brincadeiras... fico feliz que o pessoal veio ajudar.

- Eu também, eu também... e vocês, o que estão achando?

- Está tudo ótimo – disse Víbora com um sorriso.

- Também acho – disseram Louva-a-Deus e Song. Os outros dois assentiram com a cabeça.

- Aproveitem para relaxar, amanhã já não será assim – disse Shifu sério.

- Está bem, mestre – Tigresa respondeu por eles, curvando-se com todos os guerreiros.

Jing estava aproveitando a companhia do filho, enquanto podia, apreciando esse momento feliz. Ele não percebeu os olhares cumplices de seu filho e da filha do mestre como Shifu sutilmente fez, não querendo entender e não gostando disso.

“Ah, Po, espero que pare com isso agora. Não faço nada porque estamos entre muitos cidadãos”, pensou o mestre se segurando para não afastar os dois, no entanto, sem perceber quando o panda apertava a pata de Tigresa colocando-se um pouco à frente justamente para esconder esse contato e ela sorria levemente. Então resolveu segui-los.

Reparou quando se tomaram pelas patas e caminhavam tranquilamente ignorantes à sua presença. O Grão-Mestre do Palácio de Jade percebeu que sua filha havia crescido e havia deixado a impenetrável armadura construída na ausência de carinho do pai, quando a observou, afastada à beira do rio. Envolvida nos braços de Po, que a tomou de surpresa para um beijo.

A vontade de dar uma surra nesse panda que se atrevia a tocar sua filha era imensa, mas ao mesmo tempo, estava feliz por ela ter se aberto a alguém, triste por ter que se esconder para saber e também porque se lembrava da razão de Tigresa não ter dito nada a ele.

- Ela deveria estar com um tigre. Seria melhor para ela alguém fosse de sua espécie – sussurrou Shifu para si mesmo.

O mestre soltou um ligeiro grunhido, pensando que não seria ouvido, mas não foi o que aconteceu.

- O que foi isso? - Perguntou Tigresa rompendo repentinamente o beijo e olhando para todos os lados.

- Isso o que? Não ouvi nada - respondeu Po, fazendo o mesmo para averiguar se estava realmente certo.

- Acho melhor voltarmos antes que o Mestre Shifu sinta falta de nós.

O mestre saiu de lá, antes que fosse pego por Tigresa. Saiu de certa forma preocupado e decepcionado e foi juntar-se a Jing.

- Naah, mas já? Vamos ficar mais um pouquinho, Ti.

Tigresa olhou séria, mas com aqueles olhos verdes imitando os de um filhote, mudou de ideia. Revirou os olhos com um suspiro.

- Mais alguns minutos, mas... - disse ela antes que o panda comemorasse - eu só espero que você cumpra com o que me disse.

- Vou manter distância de Ju o quanto puder, eu prometo.

- Ótimo - respondeu ela com um sorriso e um ronronar alto que fez Po rir - o que foi?

- Ha ha, nada, eu acho engraçado esse barulho que você faz... mas é lindo - sorriu.

Antes de Shifu chegar o líder panda andava distraído procurando por Po. Queria passar mais tempo com ele porque sabia que logo viria algo que perturbaria muito seu filho e talvez acabasse com essa relação que apenas começou.

Fora mais coisas que ele pensou que atrapalhariam Po no que diz respeito à kung fu, coisas das quais o Dragão Guerreiro seria incumbido por ser filho de tal autoridade, antes de mais. Não sabia que não era apenas no kung fu que suas decisões e o que ele pensava ser o caminho de seu filho iriam interferir, mas ainda não era o momento de revelar suas responsabilidades.

Aproveitariam a festa até o fim.

Ao voltar para a casa, Shifu se despediu de seus alunos e esperou que cada um deles entrasse em seus quartos para não acontecer nada fora do comum. No dia seguinte, falaria com Tigresa.

-

No mundo espiritual, Akame estava na grama de um belo prado, sentada à frente de Oogway, chorando.

Ele tentava consolar a mãe de Dishi. Por que ele deveria ser tão teimoso?

- O que vou fazer? Os espíritos superiores vão me impedir de vê-lo se ele se entregar mais à raiva.

- Vamos mesmo! - Exclamaram em uníssono dois espíritos luminosos que passaram por eles. Sabiam o que passou e o que passaria.

Esses espíritos eram Yin e Yang, responsáveis pelo equilíbrio do mundo. Irmãos gêmeos, filhos do destino, o início, e da morte, o fim de tudo. Porque afinal, todo ciclo deveria terminar independente do modo para que houvesse um novo começo. Ambos, destino e morte, escreviam e decidiam tudo juntos, todos os caminhos e apesar das várias possibilidades, nada saia de seu controle. Isso também graças a seus filhos a menina Yin e o menino Yang.

Ying é o princípio passivo, feminino, noturna, escura e fria com uma mancha clara em sua testa. Yang é o princípio ativo, masculino, diurno, luminoso e quente com uma mancha escura no mesmo lugar que sua irmã.

Ambos tinham os poderes dos pais e juntos, controlavam tudo. Apenas passaram olhando os dois que conversavam.

- Bem - continuou Oogway depois de ter lanado um olhar para os espíritos -, você o avisou como podia, você disse que as provações seriam cada vez piores à medida que ele deixasse a raiva e inveja o dominarem.

- Sim, eu sei disso - respondeu ela limpando o rosto com o dorso das patas - não há mais o que fazer?

- Ele vai aprender sozinho, a maldade jamais vai engolir a luz que ele tem dentro de si. Ele não guarda tanto rancor quanto o padrasto.

- Como pode saber disso? - Perguntou a tigresa, olhando com esperança para a velha tartaruga.

- Eu vejo sua bondade, é maior do que as trevas dentro dele... e outra coisa, a "distração" dele está fazendo com quem a dor dentro dele diminua - ele sorriu.

Akame então entendeu o motivo de Dishi querer tanto estar com essa tigresa. Apesar de saber a ligação que o Dragão Guerreiro tem com a líder dos Cinco Furiosos, não sabia mais se eles deveriam criar um laço no sentido em que haviam feito. O destino traçava caminhos misteriosos e diferentes, incompreensíveis por quem não era como ele e a morte.

-

O dia chegou e no Vale da Paz, Mei Ling acordou assustada, estava deitada numa das celas da masmorra do Palácio de Jade. Percebeu que estava acorrentada pela perna quando se sentou. Olhou em volta e viu alguns animais, entre eles felinos, na mesma condição que ela, mas olhando atentamente, alguns deles estavam bem machucados. Todo o corpo apresentava sinais de maus tratos. O que seria isso?

- O que... o que aconteceu com vocês?

- Fomos punidos – respondeu um tigre sem olhá-la.

- Pelo que?

- Por não apoiarmos Hui Nuan. Nos tiraram nossas famílias e agora, com isso, a dignidade que nos restava – dessa vez, ele a olhou nos olhos.

- Jamais o apoiaríamos – disse uma jovem gata das montanhas que tinha o olhar triste – eu não queria estar aqui, não queria que isso acontecesse.

- Está tudo bem, irmãzinha – lhe acalmou um gato, abraçando-a como pôde cuidando de não machuca-la mais.

O local era silencioso, sem sinal de guardas e só se ouvia a conversa dos animais. Mei Ling lhes perguntava como Hui Nuan conseguia convencer tantos outros e soube de sua facilidade em persuadir, além de descobrir sobre as terríveis toruras.

- Tentamos salvar os outros das nossas aldeias e cidades, mas não conseguimos salvar todo mundo. Pelo menos afastamos nossos filhotes...

-... mas agora estão sozinhos lá fora – resmungou a fêmea -, espero que eles estejam bem e fortes.

- Fazendo tudo isso, com toda essa maldade, quer ser um imperador bom e justo – Mei Ling não entendia como alguém que dizia querer paz, pudesse ser assim.

- Se ao menos usasse esse dom da fala para o bem... – disse um lobo de meia idade cujo pelo era castanho – teria evitado o que aconteceu há tantos anos.

- E o que aconteceu?

Antes que o lobo pudesse responder, as portas das masmorras se abriram. Por elas, entrou um grupo de soldados felinos e pararam na frente da cela em que se encontrava a amiga de Garça.

A cela foi aberta e um dos leopardos soltou a perna dela, prendendo-a pelo pulso com algemas.

- Ora, ora... sua primeira vez na reeducação, não é linda?

Mei Ling queria rosnar e socar esse leopardo, além dos outros soldados que machucaram injustamente os pobres animais ali presos. Já tinha um plano para se manter ali, sem arranhões, por dentro de tudo e poder frustrar esses ataques.

Foi levada para fora, para uma pequena sala do palácio, para ser interrogada por Chao, o ex aluno de Xiaoxi.

Tudo que ela fez, foi ouvir as razões para Hui Nuan querer a vingança e se achar no direito de reinar em toda a China. Dor e tristeza são os motivos errados, embora ela achasse realmente triste, ele deveria ter se livrado do rancor quando podia.

Ao finalizar, o lince ficou apenas olhando para ver se ela se expressaria de forma indesejada.

- E então, o que vai ser, gatinha? Vai se juntar a nós? O aceita como líder? – Andando em volta da mesa frente a qual ela se encontrava sentada.

- Sim, entendo, e... aceito – respondeu firmemente, sendo liberada.

- Ótimo, você sabe me dizer o que onde está Mestre Oogway?

- Ele não está mais entre nós.

- Hm, está bem – o lince ainda andando sem parar pela sala, voltou-se a uma soldado - vá a nosso líder e diga que o vale foi conquistado e não há sinal algum do Dragão Guerreiro e dos Cinco Furiosos.

- Sim, senhor – a fêmea de tigre branco assentiu e correu para fora.

- Quanto á você, nova recruta, vai nos ajudar na frente de batalha, justamente por ser uma mestre. Vai treinar nossos soldados para as futuras batalhas e lutar junto a eles.

- Está bem.

- Agora pode ir.

Ela não respondeu e saiu. A partir de agora ela serviria ao exército, como único intento de salvar seus amigos e ajudar a China. Só teria que tomar cuidado com esse tigre. Sabia que ele não havia engolido que ela, uma mestre consagrada, se convencesse tão facilmente, mas conseguiria driblar sua vigilância.

“Agora eu espero algum tempo e os liberto”, pensou ela.

-

Os guerreiros já haviam se levantado e estavam tomando seu café da manhã que não foi feito por Po. Foi feito por alguns outros trabalhadores junto à Jing que queria aproveitar sua oportunidade de agir como pai, como sempre quis.

Tigresa vendo isso, ficou contente que Po tinha dois pais que o amavam. Sentada ao lado dele, tomou sua pata por baixo da mesa e ele corou, ambos abriram um leve sorriso.

O café da manhã chegou e todos se deliciavam com as iguarias feitas pelo pai de Po. Claro que não eram tão boas quanto as que o guerreiro cozinhava, mas estavam ótimas.

- Você cozinha muito bem pai - elogiou Po.

- É, tenho que admitir, quase tão bem quanto Po - disse Macaco.

- Obrigado - sorriu Jing.

Depois de terminada a refeição, os guerreiros foram para a cidade treinar um pouco junto aos mestres do conselho.

Po e Dishi foram extremamente animados por saber onde treinariam e com quem, enquanto os furiosos soltavam gargalhadas ou simplesmente escondiam a cara de vergonha pelo entusiasmo excessivo dos dois.

Song se afastou um pouco, foi pedir ajuda a um ganso.

- Leve essa mensagem para quem estiver no comando do Vale da Paz. É urgente, não importa quem seja e se disser algo a alguém, não vai receber mais dinheiro.

- Sim, senhorita - o ganso desconfiado, recebeu parte do pagamento e se foi.

Enquanto isso o mestre Shifu procurava fazer as lições de Oogway para se acalmar e depois teria uma conversa com Tigresa, assim que retornassem da cidade.

Jing-Quo e Fa Huo passaram algum tempo conversando. O líder panda não sabia exatamente o que fazer, temia pela vida de seu filho, caso a profecia não se cumprisse. Sabia que o Guerreiro Prometido deveria estar com ele, mas tinha certas dúvidas de quem era e não sabia se saberiam á tempo.

Jing sentia medo de deixar todos desamparados e a Po, que mal acabou de conhecer. Seu amigo, ex líder dos pandas, o tranquilizou.

- Se acalme, isso não vai acontecer agora.

- Você não pode mais ser o líder, não está em condições. Já fez muito por nós.

- Está tudo bem, vamos resolver isso antes que algo te aconteça.

Dito isso, se foi, tinha coisas a fazer.

O panda ficou pensativo. Não sabia exatamente tudo sobre a profecia e havia coisas que não estavam tão claras. Seria aquele amigo tigre que seria esse tal guerreiro? Ou seria a mestre do estilo tigre?

Deveria averiguar o quanto antes para poupar seu filho de ser levado dessa vida e não pensava em pedir a ajuda de Shifu. Queria saber sozinho.

O dia passou e o treinamento correu como sempre, primeiro os treinos individuais, depois os combates corpo-a-corpo.

Mestres Boi-toró e Crocodilo saudaram e parabenizaram os guerreiros e especialmente Po pelo que ensinou ao príncipe tigre.

Os mestres retornaram à aldeia pretendendo tomar banho e jantar, o dia foi puxado.

Já a mesa, o jantar passava entre reclamações de Louva-a-Deus e Macaco sobre o quão puxado foi o treino.

- Meus braços estão doendo muito. Mestre Boi veio com os chifres pra cima de mim e eu não tenho como me defender... - reclamou Macaco.

- Você poderia ter se esquivado - disse Tigresa com uma sobrancelha levantada levando comida à boca.

- Pra você é fácil falar e fazer isso, você é mais resistente... - Louva-a-Deus respondeu pelo primata.

- E também estávamos há alguns dias sem treino - disse Garça entre bocejos.

Ele fazia o maior esforço para manter-se acordado e quase caía ou com a cara na mesa ou em cima de Víbora, que o empurrava com a calda. Ela estava tentando conversar com sua amiga para que lhe contasse sobre seu relacionamento com o panda, mas era interrompida várias vezes pela ave, cuja coordenação e força para se manter de pé, haviam se esgotado.

- Garça! Para com isso, tô tentando conversar aqui! - Víbora se irritou com a última caída de seu amigo e o empurrou.

A ave foi atirada em cima de Shun que se assustou e os dois foram parar no chão fazendo com que todos rissem, exceto por Shifu que bateu em sua própria testa pelas atitudes dos alunos.

- Ah, Shun, me desculpa - a serpente se apressou em dizer.

- Tudo bem, pelo menos agora acho que ele para de fazer isso - riu o lince, se levantando e ajudando Garça.

O mestre olhava para sua filha e o panda a todo momento e via novamente os olhares dos dois. Quando faltava pouco para que Tigresa terminasse, ele a falou:

- Tigresa, precisamos conversar assim que você terminar sua comida - disse ele sério sem tirar os olhos dela que devolvia com seu olhar frio e assentiu -. Jing, posso usar sua sala de reuniões?

- Claro, você sabe onde é? - Perguntou o panda mais velho, Shifu assentiu afirmando - então fiquem à vontade.

O panda vermelho já havia terminado de comer e só estava esperando que sua filha fizesse o mesmo.

- Venha comigo.

Ele saiu mancando na frente e a felina o seguiu e eles desapareceram por uma das esquinas do corredor que levava à sala de reuniões.

Po engoliu em seco enquanto os via se afastar, estava sentindo que dali em diante, o que aconteceria não seria bom. Não estava sentindo isso apenas em relação à Tigresa e Shifu, mas sim sobre o resto.

Quer fosse pela sua paz interior, quer fosse se a energia do lugar e dos oponentes fossem tão fortes que ele conseguia sentir... para ele, não era nada da sua cabeça.

Quanto os outros terminaram de comer, foram para seus quartos, menos o Dragão Guerreiro que preferiu esperar por Tigresa próximo à sala de reuniões e pôde ouvir a difícil conversa entre pai e filha.

- E você escolheu esse panda?

Algum tempo antes, chegando à sala, Tigresa fechou a porta à suas costas e ela e seu mestre se colocaram em posição de lótus um a frente do outro, ambos esperando que alguém resolvesse falar. Até que...

- Você tem algo pra me contar?

- Como o quê, mestre?

O panda vermelho respirou fundo de olhos fechados, para não se alterar. A conversa já seria delicada o suficiente.

- Sobre você... e o Dragão Guerreiro.

Pronto, Tigresa ficou muda. Sentia a raiva de seu mestre. E do lado de fora, quase que o ar falta ao pobre panda que por certo, seria chutado e socado ou ficaria sem descendência.

- Eu já sei de tudo. O que você tem a me dizer sobre isso? Gostaria de te ouvir, antes que tentasse fazer algo estúpido com ele... estou dando uma chance para que se expliquem...

- Explicar o que? - Tigresa o cortou - há algo errado nisso? Sabia que ficaria assim, por isso não assumi antes. Mas tem uma coisa, eu posso escolher quem eu quero para ser meu companheiro o resto da minha vida.

- E você escolheu esse panda? Está certo que ele é o Dragão Guerreiro, mas você poderia escolher, não sei... Dishi, ele é príncipe, pode te dar conforto e o que você merece.

- Eu não estou com ele por interesse - disse ela pausadamente num forte e alto tom de voz - eu... eu... o am-amo - gaguejou debilmente sem crer que havia se confessado.

- Não duvido do seu caráter, só estou preocupado. Você deveria estar com alguém da sua espécie, alguém que não seja tão tonto e possa dar uma boa vida... que te ame de verdade! - Ele também aumentou o tom da voz e Tigresa franziu o cenho.

- Ele me ama, ele me trás felicidade e me dá amor. Não me importa que ele não seja um tigre ou que eu não seja uma panda.

- Você tem que me ouvir, eu sei o que é melhor pra você! Sou seu mestre e seu pai.

- Não se preocupe porque eu sei me cuidar, graças a você e Mestre Oogway. Sempre aceitei e vi o senhor como meu mestre, mas nunca agiu como pai e não precisa fazer isso agora - disse ela com distância em sua voz.

Vendo que seu mestre estava em choque, esperou. A única coisa que teve como resposta foi ele abaixando suas orelhas e seu rosto, de vergonha. Tigresa se levantou e ele estava prestes à falar.

- Tigresa, eu quero... - sussurrou para chegar ao assunto que sempre quis desde a morte de Tai Lung, mas antes nunca teve coragem.

- Boa noite, mestre - disse ela firme em tom cortante, inclinando-se em respeito para sair da sala.

Não demonstrava mas estava prestes à chorar e saiu deixando um mestre com muito remorso.

Ao sair, encontrou-se com Po, igualmente magoado pelas palavras de seu mestre que não aprovara a união e ela permitiu-se chorar um pouco, pois já não aguentava. Po passou seu braço pela cintura dela e eles caminharam para seus quartos.

- Não me interessa o que ele diz se é sobre minha escolha de vida, não vou me afastar de você - disse docemente Tigresa deixando ver um belo sorriso que o panda tanto amava.

- Vai ficar tudo bem Ti - ele sorriu de volta e beijou a testa da felina.

Chegando a seus quartos se despediram e desejaram uma boa noite de sono um para o outro. Po observou Tigresa fechar a porta e depois fez o mesmo para se deitar. Estava realmente magoado que Shifu não aceitasse os sentimentos deles. Por acaso toda vez que se tivesse quee receber benção de seu mestre ou ser aceito por ele, seria uma verdadeira guerra? Teria mesmo que passar por tanta coisa?

Fechou os olhos, tentando ignorar a sensação de que as coisas ainda não se acalmariam. Ele sabia que tinha muito por vir, mas não queria aceitar.

-

- Tudo está correndo de acordo com o plano - disse uma voz masculina.

- Como você sabe? - Perguntou a voz feminina.

- Simples, independente do que aconteça com esse panda velho eu vou ter o poder de volta com a sua ajuda e você já sabe como pretendo fazer isso.

- Sim, eu sei - sussurrou a fêmea com culpa em seu peito. Olhou para o chão.

Sabia que não era certo enganar alguém assim, mas teria que fazer por alguém que amava. Na verdade, não estaria enganado ninguém, estava realmente apaixonada.

"Isso é juntar a fome com a vontade de comer", pensou ela um pouco mais animada e voltou a olhar o macho mais velho a sua frente. Estavam no quarto da jovem, ela em sua cama e ele andando como um leão enjaulado pensando nos detalhes de seus planos.

- Então está tudo certo. Vou tratar de saber detalhes sobre essa questão e apressar esse velho a contar sua decisão... então, atingiremos nosso alvo. Você terá o seu amor e eu, vou terminar o que comecei... os amiguinhos felinos de seu amado vão sumir, serei novamente o líder de direito de todo esse lugar. Na verdade, o novo imperador.

A fêmea sorriu enquanto o macho soltava uma gargalhada digna de um louco.